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quarta-feira, abril 29, 2020

Poeira da Glória



A preocupação com o destino da inteligência e com a impotência do Bem na vida e na obra de Lima Barreto mostra que o ideal estetizante na vida brasileira é a única constante em nosso comportamento — e isto acarretou consequências desastrosas para o nosso futuro. Queremos saber apenas da nossa inteligência e da dos outros, jamais das nossas qualidades morais. Todos perguntam “quem é o homem mais inteligente” do país, mas nunca “quem é o homem mais íntegro”. Mário Vieira de Mello observa que, ao ouvir falar em “integridade”, o brasileiro pensa em algo próximo do moralismo, quando a inteligência é apenas uma qualidade que depende da aparência. Para a inteligência realmente ter algum efeito no indivíduo que deseja tê-la, e na sociedade que quer educar-se nela, é necessário que ela viva em função de algo maior — e o mesmo pode se dizer de sentimentos nobres, como a honra, a coragem e a honestidade em relação aos assuntos públicos. Sem a busca por uma integridade moral, que transforme o sujeito que vive em um mundo que faz de tudo para transformá-lo em pedaços desconexos, ele jamais encontrará sua unidade interior e poderá enfim conversar com “o fundo insubornável do ser”. Não seria um exagero dizer que, se o homem inteligente quer fazer um serviço a seu país, a primeira coisa que deveria fazer seria, justamente, despir-se de toda inteligência e desistir da inútil busca por ela.

Cunha, Martim Vasques da. A poeira da glória: Uma (inesperada) história da literatura brasileira . Record. Edição do Kindle.

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