"A meio do caminhar de nossa vida
foi me encontrar em uma selva escura:
estava reta minha via perdida.
Ah! que a tarefa de narrar é dua
essa selva selvagem, rude e forte,
que volve o medo à mente que a figura."
Dante, Inferno, Canto I.
Todo mundo conhece esta passagem, todo mundo passa por estes momentos de encruzilhada. A estrada se fecha, as vias da fantasia agora não mais podem nos ajudar, só resta percorrer a noite longa do silêncio.
Não é tortuosa a estrada do deserto, tortuosos são os caminhos que levam a ela, mas no deserto a sequidez e a aridez da alma são sempre da mesma espécie. Um jogo de areia que sega, Paulo cego viu Cristo, o apóstolo viu quando era cego, ou ele finalmente enxergou que estava cego?
Não sei, no deserto não há mais a água fresca de sonhos, só há você e seu destino insólito e seco de encarar-se a si próprio. A poeira é sua consciência, é o pêndulo das suas ações quando não há mais ação alguma a fazer senão caminhar nesta selva do passado e futuro, Boaventura dizia que o presente era eternidade, pois nele se encontrava todos os tempos, é no deserto se encontra tudo, na solidão há qualquer coisa menos solidão. Os fantasmas sempre estão ao redor,e a água carece.
Por que começar com Dante? Voltemos a ele, a tarefa de narrar é dura, tão duro é encarar a si mesmo, o que pode ser pior que penetrar as juntas e médulas, vasculhar num baú fétido que nossas grandes ações são grandes conspirações, tenho que achar a pérola, tenho que achar aquilo que irá limpar toda esta imúndicie.
Eis a resposta para a pergunta.
O medo volve à mente que a figura, é o medo sempre volta, a carne sente, dilata o frescor da alma. O que sai é que contamina, a boca fala do que está cheio o coração...
Os antigos padres do deserto fala no dom da compunção:
"Se é impossível lavar a roupa suja sem água, ainda é mais impossível, sem lágrimas, limpar e purificar a alma de suas manchas e sujidades. Não invoquemos pretextos perninciosos para a alama e fúteis, ou melhor dizendo, inteiramente enganadores e bons para a nossa perda. Pelo contrário, com toda a nossa alma, procuremos a rainha das virtudaes ( a compunção): é ela que, em primeiro lugar, limpa a sujidade daqueles que a compartilham; em seguida, limpa, ao mesmo tempo, as paixões e retira delas a sujidade, arrancando-as como se tratasse de excrecências e ferimentos...E isto não é tudo: deslizando como uma flama, aos poucos, ela as elimina queimando-as como se se tratasse de espinhos que cresceessem continuamente, ardendo-as...Eis tudo o que, com lágrimas, ou antes, pelas lágrimas opera o fogo divino da compunção; mas, sem as lágrimas, como dissemos, nada disso em nós ou qualquer outra pessoa, já se produziu ou virá a produzir-se" Simeão, o Novo Teólogo.
Rios no deserto eu verei, quando lágrimas purificarem e refinarem a imagem de Cristo em mim. Pai, não afaste de mim este cálice...dai-me a presença do Seu Santo Espírito, purifica-me.
Máximo Confessor diz que:
"Nosso pão que preparaste no começo para a imortalidade,dá-no-lo hoje, a nós que estamos imersos na vida presente, votada à imortalidade, para que a morte do pecado, seja vencida pelo alimento do pão da vida e do conhecimento".
Cristo é o pão da vida, mas para exprimentá-Lo decemos lavar nossas mãos em fervente oração com lágrimas