segunda-feira, maio 07, 2007

Maldição do Cristo genérico

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Este livro é uma conversa sobre teologia espiritual. Escolhi o termo “conversa” porque ele denota o vaivém de vozes de pessoas empenhadas na tarefa de considerar, explorar, discutir e desfrutar não apenas o tema em questão, mas também a companhia umas das outras. A expressão “teologia espiritual” é um par de palavras que mantém a coesão daquilo que, com freqüência, é “desmembrado”. Representa o esforço da comunidade da igreja para manter o que pensamos a respeito de Deus (teologia) em ligação orgânica com a maneira como vivemos com Deus (espiritualidade).

O crescimento meteórico do interesse pela espiritualidade nas últimas décadas deve-se, em grande parte, a uma profunda insatisfação com abordagens da vida aridamente racionalistas, constituídas de definições, explicações, esquemas e instruções (de psicólogos, pastores, teólogos ou planejadores), ou impessoalmente funcionais, compostas de slogans, objetivos, incentivos e programas (de anunciantes, palestrantes, consultores, líderes de igreja ou evangelistas). Mais cedo ou mais tarde, quase todos nós descobrimos um desejo profundo de viver de coração o que já sabemos com a mente e fazemos com as mãos.

Mas “a quem recorrer”? As instituições educacionais demonstram um interesse apenas secundário em lidar com nosso desejo ¾ oferecem-nos livros para ler e exames para nos aprovar, mas, fora isso, não nos dão muita atenção. Em nossos locais de trabalho, descobrimos mais que depressa que somos valorizados, principalmente (senão exclusivamente), em função de utilidade e lucratividade ¾ somos recompensados quando desempenhos bem nosso papel; do contrário, somos demitidos.

As instituições religiosas, que em outros tempos eram (e em outras culturas ainda são) os lugares mais óbvios para tratar das questões de Deus e da alma, causam decepção a um número cada vez maior de pessoas. Elas descobrem estar sendo cuidadosamente desenvolvidas como consumidoras num mercado que comercializa Deus como produto; ou se vêem tratadas como alunos aprendendo em ritmo irritantemente vagaroso, sendo preparados para provas finais sobre “a mobília do céu e a temperatura do inferno”.4

Por causa dessa pobreza espiritual que nos cerca, da falta de interesse em tratar daquilo que é de suma importância ¾ e está ausente tanto de escolas, empregos e vocações quanto de nossos lugares de culto ¾, a “espiritualidade” (usando um termo genérico) saiu das estruturas institucionais e se encontra um tanto dispersa. A espiritualidade está “no ar”. O lado bom é o fato de que os aspectos mais profundos e característicos da vida passaram a ser preocupações correntes; a fome e a sede pelo eterno e duradouro são amplamente reconhecidas e abertamente expressas; a recusa das pessoas em ser reduzidas a uma descrição de cargo e a resultados de avaliações é, hoje, uma realidade clara e definida.

No entanto, a dificuldade encontra-se na constatação de que, de uma forma ou de outra, todos estão convidados a criar a espiritualidade mais adequada para si mesmos. Da miscelânea de testemunhos de celebridades, gurus da mídia, fragmentos de êxtase e fantasias pessoais, inúmeras pessoas, com as melhores intenções do mundo, montam, “por conta própria”, identidades espirituais e modos de vida dotados de uma inclinação clara para vícios, relacionamentos rompidos, isolamento e violência.

Não há dúvida de que existe um interesse amplamente difundido de viver além dos papéis e funções atribuídos pela cultura. No entanto, grande parte dessa preocupação resulta numa espiritualidade moldada segundo parâmetros determinados por essa mesma cultura. Assim, parece-nos preferível usar o termo “teologia espiritual” para nos referirmos de modo específico à tentativa dos cristãos de tratar das experiências vividas e reveladas nas Sagradas Escrituras e da riqueza de conhecimentos e práticas de nossos antepassados ao aplicá-las ao nosso mundo contemporâneo, no qual a “fome e sede de justiça” são difusas e indistintas.

Os termos “teologia” e “espiritual” formam um ótimo par. “Teologia” é a atenção que dedicamos a Deus, nossa tentativa de conhecê-lo conforme é revelado nas Sagradas Escrituras e em Jesus Cristo. O adjetivo “espiritual” se refere à insistência de que toda revelação de Deus sobre si mesmo e suas obras pode ser vivida por homens e mulheres comuns em seus lares e locais de trabalho. O “espiritual” impede que a “teologia” se deteriore num simples e distante exercício de pensar, falar e escrever sobre Deus. A “teologia” evita que o “espiritual” se torne apenas a atividade emocional de pensar, falar e escrever sobre sentimentos e idéias individuais de Deus. Uma palavra necessita da outra, pois sabemos como é fácil desassociar o estudo sobre Deus (teologia) da maneira como vivemos; também sabemos como é fácil desvincular nosso desejo de viver com plenitude e satisfação (vida espiritual) daquilo que Deus é, de fato, e das maneiras como ele opera entre nós.

A teologia espiritual é a atenção que dedicamos à teologia prática que vivemos e sobre a qual oramos, pois se não orarmos, mais cedo ou mais tarde ela deixará de ser vivida de dentro para fora e em harmonia com o Senhor da vida. É nossa tentativa de viver aquilo que sabemos e cremos acerca de Deus. É o desenvolvimento da vida como adoração, ajoelhados perante Deus, o Pai; da vida como sacrifício, usando nossos pés para seguir Deus, o Filho; da vida como amor, envolvendo e sendo envolvidos pela comunidade de Deus, o Espírito.

A teologia espiritual não é uma área a mais que pode ser listada juntamente com as disciplinas da teologia sistemática, bíblica, prática e histórica; ela representa a convicção de que toda teologia, sem exceção, diz respeito ao Deus vivo, que nos torna criaturas vivas cujo propósito é viver para a sua glória. É o desenvolvimento da consciência e de percepções ao mesmo tempo alertas e responsivas em nosso local de trabalho e no local de culto; igualmente ativas quando trocamos as fraldas de um bebê em seu quarto e quando meditamos no meio de um bosque; necessárias tanto ao lermos os editoriais do jornal quanto ao fazermos a exegese de uma frase escrita em hebraico.

Alguns podem querer simplificar tudo mantendo o espiritual e descartando a teologia. Outros se contentarão em continuar com a teologia habitual e deixar de lado o espiritual. No entanto, a verdade é que vivemos apenas porque Deus vive e vivemos bem apenas quando o fazemos de modo coerente com a forma como Deus nos cria, salva e abençoa. A espiritualidade começa com a teologia (a revelação e compreensão acerca de Deus) e é norteada por ela. E a teologia nunca se encontra inteiramente separada de sua expressão no corpo de homens e mulheres aos quais Deus deu vida, sendo o desejo dele que todos vivam a vida de salvação na plenitude (espiritualidade).

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente livro. Muitos tratam a bíblia com um livro comum, outros ficam apenas com discussões vãs de dogmas e doutrinas. Temos que resgatar a verdadeiro cristianismo baseados no amor e na proclamação do evangelho.