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sexta-feira, novembro 16, 2012

Ralf K Wustenberg: Cristologia

Ralf K Wustenberg   Cristologia: como falar hoje sobre Jesus. Editora Sinodal

O livro é construído em cima de cinco objeções à mensagem de Jesus como o Cristo:

a. objeção da intolerância - pluralismo religoso.
b. objeção científica: a historicidade de Jesus.
c. objeção existencial-espiritual: a frieza da cristologia
d. objeção iluminista-humanista: Como conciliar a morte de Jesus com um Deus bom?
e. objeção da teologia feminista: como homem Jesus pode salvar?


a. Cristologia num mundo plural de validades iguais.


O autor coloca algumas respostas para a questão do relacionamento entre o cristianismo e as outras religiões. 

1. Exclusivismo.

Karl Barth aparece como o defensor desta posição no sec. 20, Deus não pode ser reconhecido, a não ser que ele se dê a conhecer anteriormente por meio da revelação, esta autocomunicação de Deus se consuma exclusivamente em Jesus Cristo.


2. Pluralismo relativista.

Para John Hick, as religiões são meios diferenciados do transcendente, que servem para conduzir as pessoas num processo designado por ele de soul-making, que vai de uma existência self-centredness para uma existência reality-centredness.

"Jesus é reduzido a um catalisador para a nossa relação com o transcendente, uma função que tambem pode ser desempenhada por outras figuras religiosas" p. 21

3. Inclusivismo.

Todas religiões precisam ser entendidas sob a ótica cristã, Karl Rahner fala aqui em um cristianismo anônimo, Ernst Troeltsch em estrutura inicial de todas as coisas, Paul Tillich em Deus como razão da existência.

4. Pluralismo posicional 
"Absoluto para a fé cristã é só o próprio Deus, cuja essência é a verdade. Toda verdade, independentemente de onde seja deduzida, é rigorosamente relativa em relação à verdade que é Deus" p. 23

b. Cristologia num mundo de progresso e da ciência histórica.


Jesus é só uma quimera de fantasistas religiosos? Há dois fatos que não podem ser questionados: a crucificação de Jesus em Jerusalém e os relatos que de Jesus apareceu vivo  após a sua morte.

A grande questão é a tentativa de desassociar Jesus de Nazaré de Jesus Cristo. A pergunta que o próprio Jesus fez em Mateus 16:15.  A cristologia é assunto de fé ou é um ensino histórico-científico?

A questão do Jesus histórico começou em 1778, quando Reimarus no livro de Lessing (Von dem Zwecke Jesu und seiner Junger) apresentava Jesus como um profeta fracassado, executado com essa característica pelas autoridades romanas. O cadáver teria sido roubado pelos seus discípulos, os quais começaram um mito em torno do morto.

Wustenber dá como exemplo a filiação divina de Jesus para os quatro modelos de hipóteses  do relacionamento entre fé e história:

1.na nomeação para filiação designada pela ressurreição segundo Rm 1:4
2. a vocação para a filiação divina pelo batismo
3. nascimento do Filho de Deus pela virgem Maria
4. a preexistência do Filho de Deus (Jo 1)

Duas heresias estão em jogo aqui, o adocianismo que dizia que no batismo Jesus foi adotado como filho de Deus ( Teodoto de Bizância, 190 d.C.)  e como também o docentismo, que acreditava que Jesus só era aparentemente um verdadeiro ser humano.


c. Cristologia num mundo de busca espiritual.


O questionamento histórico de Jesus levou ao questionamento dos dogmas em torno de sua  pessoa, que relativiza sua divindade. 

Mais tarde, Bultmann pensava que a mensagem cristã deve ser compreensível para as pessoas modernas, assim o revestimento teológico deveria ser traduzido, num projeto de desmitoligização.  Para ele, não interessava nem o Jesus histórico nem o Cristo dogmático.  As formulações cristológicas dos credos se deve à necessidade de expressar a fé cristã na linguagem do helenismo. Ele rejeita a doutrina das duas naturezas.

No Concílio de Niceia, 325 d.C., ficou convencionada a fórmula dogmática de que Jesus foi gerado e não criado, e é de uma natureza com o Pai - homoousios-. Em Jesus aparece o próprio Deus.

Verdadeiramente homem, Cristo pode estar presente num ser humano? Jesus Cristo deve ter sido também igual a nós, pessoas, portanto homoousios com os seres humanos, mas sem pecado.


Divino e humano num só-  alexandrinos Gregório Nazianceno, Basílio e Gregório de Nissa desenvolveram uma doutrina pela qual se deveria contemplar, de um lado, o Logos de Deus e, por outro, o ser humano. Ambos se uniram pelo nascimento de Maria, numa "mistura". 

Divino e humano devem ser mantidos separados segundo os antioquenos, Diodoro de Tarso, Nestório. A unidade das duas naturezas não pode ser pensada como interpenetração natural, já que esta admissão leva à mistura anulando tanto a peculiaridade de Jesus quanto a do Logos. 

O concílio da Calcedônia (451 d.C.) estabeleceu que precisa-se pensar Cristo, que é pleno Deus e ser humano, como um em duas naturezas. 

Não misturadas e não modificadas - contra Eutico - Alexandria.
Não separadas e não divididas - contra Nestório- Antioquia.

"Jesus Cristo não é de forma alguma dedutível conceitualmente. Ele permanece como aquele que não está ao nosso alcance- aos judeus um escandâlo, aos gregos uma loucura (1Co 1,23). O dogma só é verdadeiro enquanto oferecer espaço para o futuro de Jesus predito na Escritura Sagrada, retirando-se, dessa forma, a si próprio na provisoriedade do tempo" (p. 60)

O concílio não pode ser pensado como sub-produto da cultura helenista.

A solução proposta é da proporcionalidade, quanto mais se reconhece Deus em Jesus, mais se reconhece como essencialmente humano.  O dogma não é uma "determinação negativa, vazia" (Harnack), "guardião do segredo que envolve a pessoa de Jesus Cristo" (Wirsching), compromisso político (Simonis).


d. Cristologia num mundo de humanismo e de direitos humanos.


A pergunta do livro é como pode um Deus amoroso encenar a morte de seu filho como se fosse um drama de horror? A resposta está na interpretação do sacrifício oferecido por nós.

Anselmo de Cantuária diz que Jesus reconcilia por meio da satisfação (remoção voluntária da culpa) pelo pecado da humanidade. Sua morte foi necessária. O pecado é para ele que a criatura não serve à vontade de Deus e deixa,assim,de lhe prestar a honra devida. É dirigido contra o próprio Deus - rejeita seu domínio e representa uma infração contra o primeiro mandamento. O ser humano não pode satisfazer a Deus, só um ser superior, que leva necessariamente ao ser humano-Deus Jesus Cristo. Assim, Deus se tornou homem, para se entregar voluntariamente à morte.  A morte de Jesus foi necessária para a purificação das pessoas, pois havia a necessidade de algo que sobrepujasse a grandeza da culpa humana (p. 68-69).

Pedro Abelardo faz uma cristologia da pessoa, coloca no surgimento humano de Deus durante sua existência a revelação do amor de Deus. A reconciliação passa a ser um movimento subjetivo que se realiza no ser humano. Os socianos que levaram adiante a idéia de Abelardo colocam Jesus como exemplo a ser seguido, um processo moral que ocorre no interior das pessoas. Nesta corrente, coloca-se Albrecht Ritschl.

A solução de Calvino, a doutrina do tríplice ofício:

- ofício profético de Jesus terreno como pregador do reino de Deus. Em Cristo, Deus se torna acessível aos homens (revelação)

-ofício real como o domínio pacífico espiritual do exaltado, em Cristo o ser humano é libertado para a vida em comunhão com Deus (redenção)

-ofício sacerdotal em que Cristo oferece na morte o sacrifício para a reconciliação do mundo, em Cristo Deus restabelece a comunhão com o ser humano perdido.

A solução de Lutero se inicia com a humanidade de Cristo, Deus está próximo para a nossa salvação. "A proximidade de Jesus é a proximidade do Logos, bem como do ser humano de Jesus na pessoa de Jesus Cristo. Onde Jesus Cristo está, ali ele também se encontra segundo sua humanidade. Assim, no contexto da teoria da união hipostática,a própria humanidade da pessoa de Jesus Cristo está unida como verdadeira humanidade, direta e não só indiretamente, por meio da pessoa, como a divindade" (p. 77).

Seria a comunicação de propriedades que está em relação com a alegre permuta, Cristo assume nossos pecados por meio da sua morte e nos dá sua justiça em troca.

Bonhoeffer coloca que não se pode diferenciar a obra da pessoa, pois é o "pro me" definição da própria pessoa de Cristo. "Também se poderia formular: a alegre permuta é a essência de Jesus Cristo. O Filho de Deus é definido pelo fato de ser pro me, de colocar-se em meu lugar. Vicariedade e Deus-humanidade se condicionam mutuamente" (p.79-80).

Cristãos estão juntos de Deus no sofrimento dele. Aquela pessoa que não se esquiva desse chamado é um cristão. Assumir a responsabilidade é participação no sofrimento de Deus no mundo. (p.83)


e. Cristologia num mundo de justiça entre os gêneros.


Como o homem Jesus pode redimir? A releitura feminista da Bíblia coloca outra questão na interpretação, a posição patriarcal. Deveria haver uma cristologia pessoal sem qualquer diferenciação de gêneros - Schussler-Fiorenza-.

O que se procura é questionar a mera dimensão teológica da libertação por Jesus Cristo. O assunto está ligado a redenção.

"Ponto de partida da teologia feminista é a tentativa de ganhar, a partir de Jesus, critérios para um novo entendimento da totalidade do ser humano e de sua estética, para uma forma não repressiva de religião e, sobretudo,para uma ética que não seja mais determinada por concepções de domínio masculinas" (p. 86)

A teologia feminista tem uma corrente que possui uma concepção de uma absoluta imanência do divino e da unidade do divino com o homem, o autoconhecimento é conhecimento de Deus, e assim, uma tarefa espiritual.

Outra linha entende a relação entre justificação e santificação num sentido mais particular,  com um viés mais sexista, devendo estar em foco a co-participação dos seres humanos na redenção, há então uma primazia da santificação em relação à justificação, e uma admissão da imanência de Deus, onde "Jesus Cristo é o ser humano paradigmático e, assim, a representação simbólica de graça e redenção, ele é a imanência de Deus" (p.89).

Os problemas levantados pelo autor é que:

a imagem de Deus não é compatível com a Bíblia.
o caminho do conhecimento não é claro
a tensão escatológica é trocada por uma imanência de um novo mundo.

Mais uma vez o autor volta-se para Bonhoeffer, e sua ética das últimas e penúltimas coisas. "a cristologia  transforma-se em modelo para a antropologia (...) a reconciliação com Cristo tem continuidade na vida da comunidade e dos cristãos: a vida dos cristãos transforma-se em agir vicário. Tornar-se um Cristo para o próximo significa sempre também entrar em uma troca com os sofredores e marginalizados, participar do sofrimento de Deus no mundo"(p.96). Isto só pode ser pensado a partir da encarnação.

As últimas e penúltimas coisas é uma interpretação de Bonhoeffer para a ética política de Lutero da doutrina dos dois reinos.  As coisas penúltimas são tudo aquilo que necessita de redenção, justificação e libertação: sofrimento,opressão, tornar-se culpado.  Para Bonhoeffer trata-se de algo que veio a ser, dinâmico e não estático como em Lutero.

As coisas últimas significa rompimento com as penúltimas, que são julgadas e rompidas, aí é o tempo da graça.

"A pessoa do cristão se transforma em um Cristo para seu próximo, entra numa alegre permuta com o que sofre. Cristologia da libertação de acordo com Bohoeffer (e Lutero) é, portanto, sempre ambas as coisas: exclusiva e inclusiva; exclusiva, contanto que o Filho de Deus sofra ( e seja ressuscitado); conclusiva, contanto que Cristo insira o cristão no cossofrimento (bem como também no horizonte da ressurreição e libertação)." (p.103)

A teologia de Bonhoeffer deixa os sofrimentos de Cristo entrarem na vida como um horizonte interpretativo e é justamente na falta de sentido de todo sacrifício após jesus que levanta a pergunta do por quê. Assim, os cristãos são desafiados a participar dos sofrimentos de Cristo no mundo, mas não há aqui uma cooperação para a redenção, porque ela provém de Deus. O que se vê são sinais  da libertação advinda de Deus. 

"Trata-se da esperança de que Deus não deixa o mundo só, mas o conduz à sua vocação, fundamentado na esperança de transformação por ele provocada e que já tem reflexo no aqui e agora" (p.104).

Numa última crítica ao feminismo, o autor diz que "em sua crítica ao monoteísmo bíblico e  à cristologia do Filho, o feminismo teológico radical corresponde surpreendentemente às características neopagãs da modernidade pós moderna"  (p.108).

Conclusão...


"Jesus Cristo é sempre diferente da imagem que se faz dele, seja ela partiarcal ou matriarcal. Isso justamente ensina a cristologia clássica com sua rejeição de afirmações positivas a respeito de Jesus Cristo. Ele permanece um mistério em sua pessoa. Se, entretanto, é verdade que com Jesus Cristo veio coisa nova e decisiva para a vida dos crentes individuais e de todo o mundo, então não vale a pena só refletir sobre ele, vale também a pena aceitar os desafios e encorajar para falar teologicamente sobre Jesus bem hoje" (p.112)

























domingo, setembro 16, 2012

A queda: por que sofremos?



Genesis 3.1-24:   Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos,  mas, do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então, foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. E ouviram a voz do SENHOR Deus, que passeava no jardim pela viração do dia; e escondeu-se Adão e sua mulher da presença do SENHOR Deus, entre as árvores do jardim. E chamou o SENHOR Deus a Adão e disse-lhe: Onde estás? E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me.  E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?  Então, disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.    E disse o SENHOR Deus à mulher: Por que fizeste isso? E disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isso, maldita serás mais que toda besta e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás e pó comerás todos os dias da tua vida. E porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos e cardos também te produzirá; e comerás a erva do campo.  No suor do teu rosto, comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás. E chamou Adão o nome de sua mulher Eva, porquanto ela era a mãe de todos os viventes.   E fez o SENHOR Deus a Adão e a sua mulher túnicas de peles e os vestiu. Então, disse o SENHOR Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente, o SENHOR Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra, de que fora tomado. E, havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida.



"o tentador somente se faz presente onde há inocência,  pois, onde há culpa ele já é vencedor"  
D. Bonhoeffer, Tentação, p.33


Fomos criados dentro de um mundo perfeito, regido por Deus, onde homem e a mulher eram alimentados pela palavra de Deus. Mas, Deus também deu a cada um de nós, a liberdade para adorar a Ele ou não. Logo, com nossos primeiros pais, o mal entrou na vida,  como fruto da escolha humana, a escolha de sermos autonomos em relação a Deus.

A rebelião de nossos pais resultou no pecado, vergonha e nudez. Desde então, a humanidade tenta cobrir sua maldade com tantas coisas que acabam apenas aumentando sua própria maldade.

1. Pecado: como o mal opera em nossa vida.

O capítulo 3 de Gênesis começa com uma serpente que fala, mas este animal esta possuído pelo diabo conforme  podemos ver em Ap. 12:9. Ele começa a falar uma mentira como sempre faz: não comereis de toda a árvore do jardim?. 

O diabo começa sua tentação sobre o homem sempre tentando colocar dúvida e desconfiança sobre aquilo que Deus falou ao seu respeito.

Deus havia dito que de toda árvore do jardim comerá livremente, a liberdade é a raiz da verdadeira adoração a Deus. Mas, o coração de Eva parece que já estava começando a desconfiar da palavra de Deus, no verso 3, ela acrescenta uma frase a fala divina, nela nem tocarás.

A serpente encontra seu espaço, e chama Deus  de mentiroso agora. Dizendo que não irão morrer, ele leva Eva a acreditar que Deus não foi generoso em apenas cria-los a imagem e semelhança de Deus, eles poderiam e deveriam ser como o próprio Deus, reinar sobre suas vidas, escolhendo o mal e o bem.

Eva nota 3 qualidade no fruto: 1. boa para se comer, 2.agradável aos olhos  e 3. desejável para dar entendimento.  Aqui está a essência do pecado, quando pecamos estamos escolhendo outra fonte para nosso sustento, nossa alegria e nossa capacidade.

 Eva e Adão queriam escolher por si mesmos o que era bom ou ruim para eles, deixando de lado, aquilo que Deus falara. Começam a viver por sua própria palavra, abandonando a Deus. E como se eles tivessem dito não queremos mais sua ajuda, vamos viver por nós mesmos agora. Ou, como C.S. Lewis explica:

Eles queriam, como dizemos hoje, ser "seus próprios donos". Mas isso significa viver uma mentira, porque na verdade não somos donos de nós mesmos, nossa alma não é nossa. Eles queriam um lugar no universo de onde pudessem dizer a Deus: "Este negócio é nosso e não seu." Mas não existe um canto assim. Eles queriam ser substantivos, mas eram, e serão eternamente, simples adjetivos. (Problema do Sofrimento, p.39)

O que na verdade conseguiram foi nudez, vergonha e pecado. Estavam perdidos no paraíso, perderam sua glória, sua alegria e sua prosperidade. Tentando ser donos da alegria encontraram  desespero, tentando ser donos do sustento encontram fome e tentando ser cheios de capacidade ficaram fracos.

O pecado manchou a vida humana que agora sempre está coberta para ser amada, consigo mesmo (Adão e sua desculpa), do outro (a vergonha da nudez) e com Deus ( a fuga). 

O pecado e o mal começa a se expalhar sobre a face da terra, primeiro na descedência dos nossos pais com Caim, depois há uma multiplicação em Lameque. Há tanta maldade que Deus usa Noé para afogar o mal, mas que ressurge em Babel com os homens criando uma torre na cidade para fazerem um nome para si mesmos, o homem tenta por si conquistar os céus.
Dessa forma o orgulho e a ambição, o desejo de ser belo a seus próprios olhos e de oprimir e humilhar todos os rivais, a inveja e a busca incessante de mais e mais segurança, eram agora as atitudes que tomava com maior facilidade. Ele não era apenas um rei fraco sobre a sua natureza, mas um mau rei: enviando ao organismo psicofísico desejos bem piores do que este os enviava a ele. Esta condição foi transmitida a todas as gerações posteriores pela hereditariedade, pois não se tratava simplesmente do que os biólogos ( C.S. Lewis, Problema do Sofrimento, p. 40)

Deus intervém na história e os confundi a língua e os espalha sobre o mundo. E esta é a situação hoje, o mal e a confusão dos homens está espalhada sobre o mundo a partir da semente de Adão no jardim.

2. A esperança do Jardim.

"Só no juízo há reconciliação com Deus e entre os seres humanos. A todo raciocínio que gravitava em torno do sucesso ou insucesso Jesus contrapõe o ser humano julgado por Deus, tanto o bem-sucedido como o mal sucedido (...) A humanidade só adquire sua verdadeira forma na cruz de Cristo, isto é, como submetida ao juízo" Bonhoeffer, Ética, p.53

Quando o primeiro casal foi expulso do jardim, Deus estabeleceu alguns juízos para com a serpente, para a terra e para os homens. O pecado trouxe uma maldição sobre todo o mundo pelo juízo de Deus.


Então, disse o SENHOR Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente, o SENHOR Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra, de que fora tomado. E, havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida.


E o casal foi lançado para leste do Éden e foi colocado querubins com espada inflamada para andar ao redor do jardim guardando a árvore da vida dos homens.





Somente pela morte, o homem poderia estar de novo com Deus, o juízo de Deus sobre a humanidade foi a morte como recompensa daquilo que fizeram. Na cruz, Jesus tomou a morte e a desintegração em nosso lugar para nos trazer de volta junto a Deus.


Romanos 5.10, 19-21  Porque, se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida.Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos. Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor

E assim, em Cristo, todos nós temos mais uma vez acesso a árvore da vida:

Apocalipse 22.1-3, 14:   E mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça e de uma e da outra banda do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a saúde das nações. E ali nunca mais haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão(...) Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida e possam entrar na cidade pelas portas.

sábado, maio 26, 2012

O que significa seguir a Jesus?



LUCAS 9:57-62: E aconteceu que, indo eles pelo caminho, lhe disse um: Senhor, seguir-te-ei para onde quer que fores.  E disse-lhe Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.  E disse a outro: Segue-me. Mas ele respondeu: Senhor, deixa que primeiro eu vá enterrar meu pai.  Mas Jesus lhe observou: Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos; porém tu, vai e anuncia o Reino de Deus.  Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas deixa-me despedir primeiro dos que estão em minha casa.  E Jesus lhe disse: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus.


O que significar seguir a Jesus? A definição mais simples que podemos ter é a de entrar no Reino de Deus. Este reino é o poder de Deus que invade este mundo transforma tudo através do poder do Espírito Santo, não é um reino deste mundo, mas que vêm de Deus.

Diferente dos líderes humanos, Jesus não coloca seu reino como uma fantasia ou mundano, seu reino é celestial, e somente pode se entrar nele se for chamado por Jesus.

Neste texto de Lucas, nós vemos quem são as pessoas que entram e que não entram neste reinado. Para entrar neste reino, precisamos ser salvos por Jesus e ter Ele como nosso rei. Pensando em Bonhoeffer, é preciso duas coisas que, normalmente, separamos: crer (Jesus como salvador) e obedecer (Jesus como senhor).

O primeiro homem narrado por Lucas, é aquele que apenas crê, mas não entende a dureza do reino, não entende o que é obediência. Ele quer seguir a Jesus pensando que se ele seguir Ele por todos os lados,  sua vida ficará melhor. Há apenas obediência, há apenas a ilusão de que o esforço pode mudar a vida. Não há um crença em Jesus como salvador, o que salva este homem é sua obediência.

A resposta de Jesus, é que as raposas tem covis e e as aves tem ninhos, ou seja, haverá problemas. Jesus está dizendo que não tem status, não tem riquezas, não tem influência, não tem ao menos um lugar para morar. A promessa dele não está em comida ou bebida, mas em justiça, paz e alegria que é o Reino de Deus.

Muitos começam a seguir por entusiasmo próprio como este homem, achando que vão melhorar as suas vidas, mas quando acontece um revés não entendem por que aquilo que está acontecendo com eles. Estes não entendem o que Jesus diz, que haverá sofrimentos, haverá problemas, há uma cruz que devemos carregar e compartilhar com Ele, crendo que Ele e não nossos esforços vão produzir descanso para a nossa alma.

Os dois últimos homens são os exemplos de um outro lado da questão, muitos acreditam em Jesus, mas não querem obedecê-lo.  Porque não entendemos a grandeza do chamado de Jesus.

O segundo homem diz que primeiro quer enterrar seus pais, ele coloca as obrigações antes  do seguir a Jesus, ele quer cuidar do seu passado antes de começar a seguir a Jesus.  O terceiro homem diz que primeiro quer despedir dos seus familiares antes de segui-lo.  É a questão de muitos de nós, eu vou segui-lo, contudo, existe o mas antes ou o contanto que.

Entrar no reino de Deus significa um compromisso absoluto com este reinado, Jesus não pode ser nosso salvador e rei se não abrirmos mãos dos nosso mas antes.

Se você tiver qualquer condição ou qualificação, isto é, o seu verdadeiro rei, você mesmo. Você é que está no controle da sua vida. Você diz que quer ser bom, mas ainda não. Ou seja, você diz sim ou não para Jesus, diz acreditar nele mas nega sua obediência.

A primeira resposta de Jesus, deixe os mortos enterrarem seus mortos, quer dizer que se existe alguma coisa mais importante que seguir a Ele, nós estamos mortos.  E isto vai matá-lo. 

Quando dizemos a Jesus, eu vou segui-lo mas antes deixe eu fazer tal coisa ou contanto que tal coisa aconteça, esta condição é, na verdade, nosso rei e salvador, acreditamos que quando resolvemos isto estaremos salvos e vivos, por isto mesmo, estamos mortos.

A terceira resposta de Jesus diz que quem coloca a mão no arado e fica olhando para trás é apto para o reino de Deus.  Quando estamos arando uma terra é essencial que fiquemos olhando para frente para que não saia nada torto e o trabalho seja bem feito, quando estamos seguindo a Jesus há momentos em que não enxergamos claramente o fruto que será produzido com a nossa retidão em segui-lo, mas devemos continuar seguindo crendo que Ele tem o melhor para nós.

A obediência está ligada a crença de maneira inseparável, porque cremos que Ele é o nosso salvador e obedecemos porque ele é o nosso senhor, assim crer em Jesus é que Ele melhor que nós sabe o que é vida para nós e obedecemos porque confiamos em seu juízo.

Quando ficamos olhando para trás para as coisas que deixamos antes de começar a segui-Lo, os antigos ídolos do nosso coração começam a reviver, deixamos o reino de Deus.

Ninguém que ama qualquer coisa mais do que Ele pode permanecer no reino de Deus, para glorificar a Deus em nossa vida, devemos buscar nossa alegria nele somente a todo instante. Nenhum de nós está isento disto.

Para concluir, lembro-me da frase de C.S. Lewis, que muitos preferem reinar no inferno, do que servir no reino de Deus". Esta é a escolha que se coloca para cada um de nós nessa vida, uma vida ou uma morte, crer e obedecer ou morrer.


fonte:

Bonhoeffer - Discipulado.
Timothy Keller - Let the Dead Burry Their Dead
C.S. Lewis- O Grande Abismo


quarta-feira, março 28, 2012

Jesus e Judas por Bonhoeffer

Os adversários, por si mesmos, não tem poder sobre Jesus. É necessária a colaboração de um amigo, de um amigo próximo que o entregasse, de um discípulo que o traísse. O mais  terrível não vem de fora, mas sim de dentro. 


Jesus  diz entregue e isso signifca que não é o mundo que dele se apodera. Jesus é entregue pelos seus., abandonado, deixado só. A proteção lhe é negada. A gente não quer mais se comprometer com ele, deixem-no para os outros.

Ninguém fora capaz de imaginar isso do outro. Por isso é que todos perguntaram, Porventura sou eu? Acaso sou eu? Na realidade, o próprio coração seria mais capaz de perpetrar a ação do que outro, o irmão.


sexta-feira, dezembro 02, 2011

Martin Barcala: Cristianismo Arreligioso




Terminei o livro CRISTIANISMO ARRELIGIOSO escrito pelo Pr. Martin Barcala, - agora retomo o resumo até o final do livro... recolando partes do post original.




O livro tem dois subtítulos que explicam seu propósito, o primeiro, guia para entender o contexto histórico e a produção literária, bem como a recepção e interpretação do pensamento do teólogo alemão, e o outro, uma introdução à cristologia de Dietrich Bonhoeffer.

O livro em português é filho único, não há por aqui nenhum outro título que analise e pense a obra de Bonhoeffer. E é um bom livro. O autor a partir das obras de Bonhoeffer vai analisando a cristologia e sua evolução -ou não- histórica no pensamento do autor alemão.

É bem diferente do livro de Eric Metaxas, que analisa mais a vida mesma de Bonhoeffer, aqui a preocupação é mais com a obra teológica. Se Metaxas escreveu um roteiro de cinema, pintando o alemão como um autor quase envangelical, Barcala traz um autor inovador da teologia radical.

Quantos Bonhoeffers cabe nele mesmo? Acho que isto acontece pela própria diversidade dos escritos do próprio autor, e sua vida e obra inacabada. 


Vale muito a leitura deste livro, é uma contraposição científica a história de Metaxas.


O livro está dividido em três partes, a 1a. - DE CRISTO EXISTINDO EM COMUNIDADE AO CRISTO SENHOR DO MUNDO, a 2a. CRISTIANISMO ARRELIGIOSO NAS CARTAS E ESCRITOS DA PRISÃO e 3a.  DO CRISTIANISMO ARRELIGIOSO À TEOLOGIA DA MORTE DE DEUS.


No primeiro capítulo, De Cristo existindo em comunidade ao Cristo, Senhor do mundo, o autor analisa as primeiras obras acadêmicas de Bonhoeffer e conceito de cristologia apresentado nelas. 


No primeiro, SANCTORUM COMMUNIO, está o conceito de cristologia como Cristo existindo em comunidade, o pecado original se fundamenta e expande sempre desde uma ação egocêntrica  que não aceita afirmar o outro como valor. Há oito princípios que são apresentados por Barcala que são sustentados por Bonhoeffer a respeito da igreja (p. 27-28):


1. a igreja é concebida como ecclesia, que é a plenitude de qahal- termo pelo qual era designada a reunião do povo de Israel no AT-. 


2. existe pela ação de Cristo.


3. existe uma identificação de Cristo com a comunidade, ser em Cristo equivale a ser em comunidade.


4. pessoa coletiva de Cristo,sem que isso seja uma plena identificação com Cristo




5. é Cristo existente como comunidade, a presença de Cristo no mundo


6. é o corpo de Cristo, como anúncio escatológico da nova comunidade de pessoas.


7. visível pelo coletivo no culto e na ação de uns para os outros.


8. ao invés de imposição (totalitarismo), há um serviço mútuo (organicidade paulina).


"a importância dada a igreja como comunidade que representa concretamente a presença de Cristo no mundo; a transcendência  no interior da imanência possibilitada pelo encontro com o semelhante na comunidade da fé e condensada no conceito de ser-para-os-outros como modo de existir de Jesus Cristo e dos cristãos; e a critica à religião como tentativa humana de recuperar seu estado original por meio de rituais e práticas  individualizantes e especulações metafísicas" (p. 41)
A causa do desespero humano e a principal característica de sua existência é a transitoriedade, não é o ser humano que prepara a glória de Deus, ela já está lá na criação e, portanto, não desaparece totalmente com a queda humana. Bonhoeffer ao contrário de Barth, preserva o conceito de ordem de preservação mesmo após a queda, mas como o mestre suiço, nega a ordem da criação. A única continuidade entre Deus e sua criação é sua Palavra, há a transcendência a partir do encontro com o outro, há uma analogia relationis, e não analogia entis entre Deus e o ser humano, ou seja, apenas na relação com o seu semelhante o ser humano se descobre como imagem de Deus e, portanto, conhece a Deus na presença de seu próximo. (p. 46)


A teologia natural seria pretender ir além da palavra dada por Deus, a religião é o produto do ser humano que deixou de ser a imago dei e tornou-se sicut deus, ser religioso é tentar encontrar uma nova forma de ser para Deus que vá além da palavra de Deus, que se origina do conhecimento humano sobre Deus e sobre o bem e o mal. Para Bonhoeffer, o ser humano perde a noção de sua criaturalidade tornando-se seu próprio deus, assim sendo, "a consciência leva o ser humano de Deus para o seu lugar escondido, para que, sentindo-se seguro em seu próprio saber do bem e do mal, o ser humano se erija como juiz e anule, assim, o juízo de Deus. A consciência é esta vergonha diante de Deus, na qual se oculta a própria maldade, na qual o ser humano justifica-se a si mesmo... A consciência não é a voz de Deus no ser humano pecador, senão que é precisamente a defesa contra esta voz" (p.49)


Para Bonhoeffer, o sacramento não é um ritual praticado pela igreja, nem um símbolo da presença de Jesus, como entendia Lutero, mas é a presença existencial de Cristo no meio da comunidade. A linguagem aqui assemelhasse ao existencialismo de Kierkegaard, já que Cristo está presente no mundo em forma de comunidade, não como ideal ético ou princípio religioso. Não é o ato religioso que faz o cristão, mas a participação nos sofrimentos de Deus na vida secular.


Quanto a Tillich e o método da correlação, Bonhoeffer diz que o pecado é uma realidade antropológica do ser humano, nada pode se saber do ser humano antes que Deus se torne ser humano em Jesus Cristo. Cristo não aparece como o portador de uma nova religião, mas o portador de Deus mesmo.


"A morte e ressurreição de Cristo privaram a igreja primitiva do convívio com a presença física de Jesus. Portanto, a missão da igreja passou a ser conquistar o espaço no mundo para o corpo de Cristo que, desde a encarnação até a morte na cruz, foi rejeitado pela humanidade. À semelhança do que disse anteriormente em outras obras, novamente aqui a igreja é concebida por Bonhoeffer como presença física de Jesus Cristo no mundo. A igreja é o corpo de Cristo buscando ocasião para se encarnar no mundo" p. 71
Para Bonhoeffer, a única coisa que devia diferenciar o cristão do mundo, o elemento extraordinário, era a cruz, concebida como amor aos inimigos e participação nos sofrimentos de Cristo pelo mundo. Nenhum privilégio, nenhuma doutrina ou ritual, mas a cruz era o sinal visível dos cristãos no mundo. A pergunta é a mesma de Kierkegaard, o que faz um cristão um cristão? Neste aspecto, a ética cristã vai além de uma modelagem dogmática, somente o agir livre e responsável aliado apenas à vontade de Deus seria capaz de expressar a conformação com Cristo. 


Devido a participação de Dietrich nos planos de assassinato de Hitler, sua própria concepção do lugar de Jesus no mundo transformou-se.  O sofrimento humano além daquele em nome de Cristo deve ser valorizado, a igreja não pode esconder-se sobre a idéia de que os judeus não tinham nada a ver com ela. 


Para Bonhoeffer, a primeira tarefa da ética cristã é suspender o saber do bem e do mal,  a possibilidade do julgamento de bem e de mal está na origem da queda e rompimento com Deus. A vontade de Deus é sempre única, e está na concretização de Jesus no ser humano e no mundo. "Somente o agir livre e responsável, aliado apenas à vontade de Deus seria capaz de expressar a conformação com Cristo, modelo para a ética cristã" p. 83


Cristo como Senhor do mundo.


Chegamos a conclusão do capítulo - que começou com as reflexões de Cristo como existindo em comunidade ao Cristo como Senhor do mundo. Para Bonhoeffer, na visão de Barcala, precisamos entender a diferença entre as coisas últimas e as penúltimas como estão no Discipulado.


"Esforçar-se pela causa justa é tomar a sério a realidade do mundo como criação preservada de Deus e reconciliada em Jesus Cristo. É respeitar a legitimidade das coisas penúltimas.......As coisas últimas não estão ao alcance da humanidade. É a palavra misericordiosa de Deus àqueles que perseveram e caem pelo caminho da justiça. É a graça obtida como resultado do seguimento a Jesus Cristo. Nada que se faça no mundo pode garantir a salvação. Portanto, a última palavra de Deus ao ser humano e ao mundo continua sendo sua misericordia. As coisas penúltimas se referem ao que fazer humano em seu cotidiano no mundo. É o caminho  que deve ser trilhado por aqueles que desejam participar do sofrimento de Cristo. Tudo aquilo que, apesar de não garantir o alcance às coisas últimas deve ser assumido seriamente como preparação para o que é ultimo. Resumidamente, é a relação dos cristãos com o mundo no qual estão inseridos" p. 85
 Bonhoeffer começa a emancipar sua teologia da instituição, a participação no corpo de Cristo não incluia apenas a participação na comunidade eclesiástica, mas também os sofrimentos de Cristo no e pelo mundo todo.


Há um certo desencanto com a situação do germanismo cristão e, em especial, o luteranismo alemão e seu distanciamento da questão nazista ou/e judaica e sua (ausência de) participação na vida  alemã.


2. O Cristianismo arreligioso nas cartas e escritos da prisão.


A segunda parte do livro chega ao momento mais angustiante da vida de Bonhoeffer, seu encarceramento por participar de atividades conspiratórias, a SS não sabia na época de sua prisão de sua participação em planos para assassinar Hitler, coisa que só foi saber com o fracasso da operação  Valquíria.


Barcala acredita em evolução e não ruptura no pensamento de Bonhoeffer, o ponto de partida do teólogo alemão foi velho testamento, num momento em que teólogos liberais a serviço do Reich relativizavam a importância dos escritos do primeiro testamento. Em ruptura a isto, Bonhoeffer passou a dedicar-se ao estudo vetero-testamentário.


Bonhoeffer foi além do conceito prenunciatório de Seeberg ou do conceito preparatório de Troeltsch, para Bonhoeffer o Antigo Testamento era o paradigma hermenêutico mais apropriado para se entender o novo.


Quanto a questão da religião, Bonhoeffer parte da distinção barthiana entre religião e revelação.  Sua posição é mais flexível que a de Karl Barth, mas também luta contra o positivismo da religião. O relacionamento do homem com Deus não deveria estar pautado na necessidade barthiana, mas que  em Jesus Cristo, Deus se revela e nos revela o centro da existência. 


Assim,  a linguagem na pregação cristão não é resultado de um esforço para se encontrar o lugar e a revelância de Deus, antes, é a decorrência de uma compreensão mais adequada de Deus. "A autonomia humana é a condição para a qual Deus conduz o ser humano que aceitou a viver como Jesus Cristo, ou seja, existir para-os-outros" p. 121


Então, é no Deus que se identifica conosco que está baseada a nossa fé, não como os deuses gregos que são expressão de força e vontade, o Deus cristão revelado em Jesus é aquele que sofre e se humilha por amor ao humano.


"Nossa relação com Deus não é uma relação religiosa com o ser mais elevado, mais poderoso, melhor que possa imaginar-isto não é transcendência genuína- mas nossa relação com Deus é uma nova vida na existência para os outros, na participação do ser de Jesus. O transcendente não são as tarefas infinitas, inatingíveis, mas é o respectivo próximo que está ao alcance. Deus em figura humana! Não o monstruoso, o caótico, distante, terrível; mas tampouco nas figuras conceptuais do absoluto, metafísico, infinito, etc; tampouco na figura grega do homem-Deus, do ser humano em si, mas do ser humano para os outros! Por isso o crucificado" (na pág. 126)
Há uma concretude no relacionamento com Deus, ele passa pelo nosso relacionamento com  o outro. A negação de um discurso religioso,metafísico deve ser entendida dentro do contexto histórico de Bonhoeffer, da falência do discurso eclesiástico de sua época, ser religioso é insistir numa concepção errônea de Deus.


3. Do Cristianismo Arreligioso à Teologia da Morte de Deus.


No capítulo 3, Barcala analisa a recepção da teologia de Bonhoeffer, a leitura que muitos fizeram de seu cristianismo arreligioso como uma teologia da morte de Deus após sua morte em 9 de abril de 1945, pouco tempo depois de completar 39 anos.


Bethge, amigo e divulgador póstumo da obra de Bonhoeffer, esforçava para demonstrar que não há uma ruptura na obra, há um amadurecimento de conceitos que já estavam presentes em sua teologia antes da prisão. Para tanto, ele parte da análise da cristologia de Bonhoeffer.  Barcala coloca isto claros nas páginas 136-139.


A cristologia de Bonhoeffer deve ser entendida como anti-especulativa, ou seja, Jesus Cristo é tratado como uma pessoa, a pergunta sobre Ele não deve ser o como se deu a encarnação ou que Ele fez, mas antes, quem Ele é.  Por isto, sua teologia se mistura com eclesiologia, no sentido, da presença física de Jesus no mundo.


Outro aspecto é o relacional, em Cristo, os cristãos recebem sua identidade, e assim estão livres para identificarem com a realidade do mundo em se confundir com ela. 


Outro caráter é o universal, Cristo não é a fronteira da existência humana, mas sim seu sustentador, ele é o próprio  centro da existência. Há em Cristo, uma redenção histórica e universal.


Por fim, ela é aberta, admite a inclusão de novos símbolos, significados e títulos.


Em sua crítica à religião, Bonhoeffer seria completamente incompreendido se a realização de sua interpretação mundana fosse concebida como significando o fim de qualquer reunião comunitária para o culto ou de forma que a palavra, o sacramento e a comunidade pudessem ser simplesmente substituídos por cartas. (p. 147)


Segundo Godsey, citado pelo autor, "em Bonhoeffer nós temos um teólogo cujo pensamento é tão cristocêntrico quanto aquele de Karl Bart, que levanta a questão sobre a comunicação do evangelho tão precisamente como Rudolf Bultmann, que abordou os problemas de nosso mundo pragmático, auto-suficiente e tecnológico tão seriamente quanto Reinhold Niebuhr, mas que, mais do que qualquer um destes homens, refletiu a partir da perspectiva da igreja concreta" (p. 149).


Em sua conclusão, "a dimensão comunitária da fé cristã, entendida por ele como anúncio escatológico da nova humanidade revelada em Jesus Cristo, sempre foi o nascedouro de suas intuições e reflexões teológicas mais profundas" (p. 191)


"Ao confundir seu fundamento com suas doutrinas, ritos ou estruturas, a igreja deixa imediatamente de ser igreja, tornando-se mais uma comunidade religiosa, com um grave risco para sua missão, o esquecimento de que ela não existe para si mesma e, portanto, não deve esgotar seus esforços na tentativa  de preservar um lugar no mundo em que possa existir à parte dos dilemas e das lutas humanas" p. 193














segunda-feira, outubro 03, 2011

Martin Barcala : Cristianismo Arreligioso


Estou lendo o livro CRISTIANISMO ARRELIGIOSO escrito pelo Pr. Martin Barcala, o livro tem dois subtítulos que explicam seu propósito, o primeiro, guia para entender o contexto histórico e a produção literária, bem como a recepção e interpretação do pensamento do teólogo alemão, e o outro, uma introdução à cristologia de Dietrich Bonhoeffer.

O livro em português é filho único, não há por aqui nenhum outro título que analise e pense a obra de Bonhoeffer. E é um bom livro. O autor a partir das obras de Bonhoeffer vai analisando a cristologia e sua evolução -ou não- histórica no pensamento do autor alemão.

É bem diferente do livro de Eric Metaxas, que analisa mais a vida mesma de Bonhoeffer, aqui a preocupação é mais com a obra teológica. Se Metaxas escreveu um roteiro de cinema, pintando o alemão como um autor quase envangelical, Barcala traz um autor inovador da teologia radical.

Quantos Bonhoeffers cabe nele mesmo? Acho que isto acontece pela própria diversidade dos escritos do próprio autor, e sua vida e obra inacabada. 


Vale muito a leitura deste livro, é uma contraposição científica a história de Metaxas.


O livro está dividido em três partes, a 1a. - DE CRISTO EXISTINDO EM COMUNIDADE AO CRISTO SENHOR DO MUNDO, a 2a. CRISTIANISMO ARRELIGIOSO NAS CARTAS E ESCRITOS DA PRISÃO e 3a.  DO CRISTIANISMO ARRELIGIOSO À TEOLOGIA DA MORTE DE DEUS.


No primeiro capítulo, De Cristo existindo em comunidade ao Cristo, Senhor do mundo, o autor analisa as primeiras obras acadêmicas de Bonhoeffer e conceito de cristologia apresentado nelas. 


No primeiro, SANCTORUM COMMUNIO, está o conceito de cristologia como Cristo existindo em comunidade, o pecado original se fundamenta e expande sempre desde uma ação egocêntrica  que não aceita afirmar o outro como valor. Há oito princípios que são apresentados por Barcala que são sustentados por Bonhoeffer a respeito da igreja (p. 27-28):


1. a igreja é concebida como ecclesia, que é a plenitude de qahal- termo pelo qual era designada a reunião do povo de Israel no AT-. 


2. existe pela ação de Cristo.


3. existe uma identificação de Cristo com a comunidade, ser em Cristo equivale a ser em comunidade.


4. pessoa coletiva de Cristo,sem que isso seja uma plena identificação com Cristo




5. é Cristo existente como comunidade, a presença de Cristo no mundo


6. é o corpo de Cristo, como anúncio escatológico da nova comunidade de pessoas.


7. visível pelo coletivo no culto e na ação de uns para os outros.


8. ao invés de imposição (totalitarismo), há um serviço mútuo (organicidade paulina).


"a importância dada a igreja como comunidade que representa concretamente a presença de Cristo no mundo; a transcendência  no interior da imanência possibilitada pelo encontro com o semelhante na comunidade da fé e condensada no conceito de ser-para-os-outros como modo de existir de Jesus Cristo e dos cristãos; e a critica à religião como tentativa humana de recuperar seu estado original por meio de rituais e práticas  individualizantes e especulações metafísicas" (p. 41)
A causa do desespero humano e a principal característica de sua existência é a transitoriedade, não é o ser humano que prepara a glória de Deus, ela já está lá na criação e, portanto, não desaparece totalmente com a queda humana. Bonhoeffer ao contrário de Barth, preserva o conceito de ordem de preservação mesmo após a queda, mas como o mestre suiço, nega a ordem da criação. A única continuidade entre Deus e sua criação é sua Palavra, há a transcendência a partir do encontro com o outro, há uma analogia relationis, e não analogia entis entre Deus e o ser humano, ou seja, apenas na relação com o seu semelhante o ser humano se descobre como imagem de Deus e, portanto, conhece a Deus na presença de seu próximo. (p. 46)


A teologia natural seria pretender ir além da palavra dada por Deus, a religião é o produto do ser humano que deixou de ser a imago dei e tornou-se sicut deus, ser religioso é tentar encontrar uma nova forma de ser para Deus que vá além da palavra de Deus, que se origina do conhecimento humano sobre Deus e sobre o bem e o mal. Para Bonhoeffer, o ser humano perde a noção de sua criaturalidade tornando-se seu próprio deus, assim sendo, "a consciência leva o ser humano de Deus para o seu lugar escondido, para que, sentindo-se seguro em seu próprio saber do bem e do mal, o ser humano se erija como juiz e anule, assim, o juízo de Deus. A consciência é esta vergonha diante de Deus, na qual se oculta a própria maldade, na qual o ser humano justifica-se a si mesmo... A consciência não é a voz de Deus no ser humano pecador, senão que é precisamente a defesa contra esta voz" (p.49)


Para Bonhoeffer, o sacramento não é um ritual praticado pela igreja, nem um símbolo da presença de Jesus, como entendia Lutero, mas é a presença existencial de Cristo no meio da comunidade. A linguagem aqui assemelhasse ao existencialismo de Kierkegaard, já que Cristo está presente no mundo em forma de comunidade, não como ideal ético ou princípio religioso. Não é o ato religioso que faz o cristão, mas a participação nos sofrimentos de Deus na vida secular.


Quanto a Tillich e o método da correlação, Bonhoeffer diz que o pecado é uma realidade antropológica do ser humano, nada pode se saber do ser humano antes que Deus se torne ser humano em Jesus Cristo. Cristo não aparece como o portador de uma nova religião, mas o portador de Deus mesmo.


"A morte e ressurreição de Cristo privaram a igreja primitiva do convívio com a presença física de Jesus. Portanto, a missão da igreja passou a ser conquistar o espaço no mundo para o corpo de Cristo que, desde a encarnação até a morte na cruz, foi rejeitado pela humanidade. À semelhança do que disse anteriormente em outras obras, novamente aqui a igreja é concebida por Bonhoeffer como presença física de Jesus Cristo no mundo. A igreja é o corpo de Cristo buscando ocasião para se encarnar no mundo" p. 71
Para Bonhoeffer, a única coisa que devia diferenciar o cristão do mundo, o elemento extraordinário, era a cruz, concebida como amor aos inimigos e participação nos sofrimentos de Cristo pelo mundo. Nenhum privilégio, nenhuma doutrina ou ritual, mas a cruz era o sinal visível dos cristãos no mundo. A pergunta é a mesma de Kierkegaard, o que faz um cristão um cristão? Neste aspecto, a ética cristã vai além de uma modelagem dogmática, somente o agir livre e responsável aliado apenas à vontade de Deus seria capaz de expressar a conformação com Cristo. 








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