sexta-feira, novembro 16, 2012

Ralf K Wustenberg: Cristologia

Ralf K Wustenberg   Cristologia: como falar hoje sobre Jesus. Editora Sinodal

O livro é construído em cima de cinco objeções à mensagem de Jesus como o Cristo:

a. objeção da intolerância - pluralismo religoso.
b. objeção científica: a historicidade de Jesus.
c. objeção existencial-espiritual: a frieza da cristologia
d. objeção iluminista-humanista: Como conciliar a morte de Jesus com um Deus bom?
e. objeção da teologia feminista: como homem Jesus pode salvar?


a. Cristologia num mundo plural de validades iguais.


O autor coloca algumas respostas para a questão do relacionamento entre o cristianismo e as outras religiões. 

1. Exclusivismo.

Karl Barth aparece como o defensor desta posição no sec. 20, Deus não pode ser reconhecido, a não ser que ele se dê a conhecer anteriormente por meio da revelação, esta autocomunicação de Deus se consuma exclusivamente em Jesus Cristo.


2. Pluralismo relativista.

Para John Hick, as religiões são meios diferenciados do transcendente, que servem para conduzir as pessoas num processo designado por ele de soul-making, que vai de uma existência self-centredness para uma existência reality-centredness.

"Jesus é reduzido a um catalisador para a nossa relação com o transcendente, uma função que tambem pode ser desempenhada por outras figuras religiosas" p. 21

3. Inclusivismo.

Todas religiões precisam ser entendidas sob a ótica cristã, Karl Rahner fala aqui em um cristianismo anônimo, Ernst Troeltsch em estrutura inicial de todas as coisas, Paul Tillich em Deus como razão da existência.

4. Pluralismo posicional 
"Absoluto para a fé cristã é só o próprio Deus, cuja essência é a verdade. Toda verdade, independentemente de onde seja deduzida, é rigorosamente relativa em relação à verdade que é Deus" p. 23

b. Cristologia num mundo de progresso e da ciência histórica.


Jesus é só uma quimera de fantasistas religiosos? Há dois fatos que não podem ser questionados: a crucificação de Jesus em Jerusalém e os relatos que de Jesus apareceu vivo  após a sua morte.

A grande questão é a tentativa de desassociar Jesus de Nazaré de Jesus Cristo. A pergunta que o próprio Jesus fez em Mateus 16:15.  A cristologia é assunto de fé ou é um ensino histórico-científico?

A questão do Jesus histórico começou em 1778, quando Reimarus no livro de Lessing (Von dem Zwecke Jesu und seiner Junger) apresentava Jesus como um profeta fracassado, executado com essa característica pelas autoridades romanas. O cadáver teria sido roubado pelos seus discípulos, os quais começaram um mito em torno do morto.

Wustenber dá como exemplo a filiação divina de Jesus para os quatro modelos de hipóteses  do relacionamento entre fé e história:

1.na nomeação para filiação designada pela ressurreição segundo Rm 1:4
2. a vocação para a filiação divina pelo batismo
3. nascimento do Filho de Deus pela virgem Maria
4. a preexistência do Filho de Deus (Jo 1)

Duas heresias estão em jogo aqui, o adocianismo que dizia que no batismo Jesus foi adotado como filho de Deus ( Teodoto de Bizância, 190 d.C.)  e como também o docentismo, que acreditava que Jesus só era aparentemente um verdadeiro ser humano.


c. Cristologia num mundo de busca espiritual.


O questionamento histórico de Jesus levou ao questionamento dos dogmas em torno de sua  pessoa, que relativiza sua divindade. 

Mais tarde, Bultmann pensava que a mensagem cristã deve ser compreensível para as pessoas modernas, assim o revestimento teológico deveria ser traduzido, num projeto de desmitoligização.  Para ele, não interessava nem o Jesus histórico nem o Cristo dogmático.  As formulações cristológicas dos credos se deve à necessidade de expressar a fé cristã na linguagem do helenismo. Ele rejeita a doutrina das duas naturezas.

No Concílio de Niceia, 325 d.C., ficou convencionada a fórmula dogmática de que Jesus foi gerado e não criado, e é de uma natureza com o Pai - homoousios-. Em Jesus aparece o próprio Deus.

Verdadeiramente homem, Cristo pode estar presente num ser humano? Jesus Cristo deve ter sido também igual a nós, pessoas, portanto homoousios com os seres humanos, mas sem pecado.


Divino e humano num só-  alexandrinos Gregório Nazianceno, Basílio e Gregório de Nissa desenvolveram uma doutrina pela qual se deveria contemplar, de um lado, o Logos de Deus e, por outro, o ser humano. Ambos se uniram pelo nascimento de Maria, numa "mistura". 

Divino e humano devem ser mantidos separados segundo os antioquenos, Diodoro de Tarso, Nestório. A unidade das duas naturezas não pode ser pensada como interpenetração natural, já que esta admissão leva à mistura anulando tanto a peculiaridade de Jesus quanto a do Logos. 

O concílio da Calcedônia (451 d.C.) estabeleceu que precisa-se pensar Cristo, que é pleno Deus e ser humano, como um em duas naturezas. 

Não misturadas e não modificadas - contra Eutico - Alexandria.
Não separadas e não divididas - contra Nestório- Antioquia.

"Jesus Cristo não é de forma alguma dedutível conceitualmente. Ele permanece como aquele que não está ao nosso alcance- aos judeus um escandâlo, aos gregos uma loucura (1Co 1,23). O dogma só é verdadeiro enquanto oferecer espaço para o futuro de Jesus predito na Escritura Sagrada, retirando-se, dessa forma, a si próprio na provisoriedade do tempo" (p. 60)

O concílio não pode ser pensado como sub-produto da cultura helenista.

A solução proposta é da proporcionalidade, quanto mais se reconhece Deus em Jesus, mais se reconhece como essencialmente humano.  O dogma não é uma "determinação negativa, vazia" (Harnack), "guardião do segredo que envolve a pessoa de Jesus Cristo" (Wirsching), compromisso político (Simonis).


d. Cristologia num mundo de humanismo e de direitos humanos.


A pergunta do livro é como pode um Deus amoroso encenar a morte de seu filho como se fosse um drama de horror? A resposta está na interpretação do sacrifício oferecido por nós.

Anselmo de Cantuária diz que Jesus reconcilia por meio da satisfação (remoção voluntária da culpa) pelo pecado da humanidade. Sua morte foi necessária. O pecado é para ele que a criatura não serve à vontade de Deus e deixa,assim,de lhe prestar a honra devida. É dirigido contra o próprio Deus - rejeita seu domínio e representa uma infração contra o primeiro mandamento. O ser humano não pode satisfazer a Deus, só um ser superior, que leva necessariamente ao ser humano-Deus Jesus Cristo. Assim, Deus se tornou homem, para se entregar voluntariamente à morte.  A morte de Jesus foi necessária para a purificação das pessoas, pois havia a necessidade de algo que sobrepujasse a grandeza da culpa humana (p. 68-69).

Pedro Abelardo faz uma cristologia da pessoa, coloca no surgimento humano de Deus durante sua existência a revelação do amor de Deus. A reconciliação passa a ser um movimento subjetivo que se realiza no ser humano. Os socianos que levaram adiante a idéia de Abelardo colocam Jesus como exemplo a ser seguido, um processo moral que ocorre no interior das pessoas. Nesta corrente, coloca-se Albrecht Ritschl.

A solução de Calvino, a doutrina do tríplice ofício:

- ofício profético de Jesus terreno como pregador do reino de Deus. Em Cristo, Deus se torna acessível aos homens (revelação)

-ofício real como o domínio pacífico espiritual do exaltado, em Cristo o ser humano é libertado para a vida em comunhão com Deus (redenção)

-ofício sacerdotal em que Cristo oferece na morte o sacrifício para a reconciliação do mundo, em Cristo Deus restabelece a comunhão com o ser humano perdido.

A solução de Lutero se inicia com a humanidade de Cristo, Deus está próximo para a nossa salvação. "A proximidade de Jesus é a proximidade do Logos, bem como do ser humano de Jesus na pessoa de Jesus Cristo. Onde Jesus Cristo está, ali ele também se encontra segundo sua humanidade. Assim, no contexto da teoria da união hipostática,a própria humanidade da pessoa de Jesus Cristo está unida como verdadeira humanidade, direta e não só indiretamente, por meio da pessoa, como a divindade" (p. 77).

Seria a comunicação de propriedades que está em relação com a alegre permuta, Cristo assume nossos pecados por meio da sua morte e nos dá sua justiça em troca.

Bonhoeffer coloca que não se pode diferenciar a obra da pessoa, pois é o "pro me" definição da própria pessoa de Cristo. "Também se poderia formular: a alegre permuta é a essência de Jesus Cristo. O Filho de Deus é definido pelo fato de ser pro me, de colocar-se em meu lugar. Vicariedade e Deus-humanidade se condicionam mutuamente" (p.79-80).

Cristãos estão juntos de Deus no sofrimento dele. Aquela pessoa que não se esquiva desse chamado é um cristão. Assumir a responsabilidade é participação no sofrimento de Deus no mundo. (p.83)


e. Cristologia num mundo de justiça entre os gêneros.


Como o homem Jesus pode redimir? A releitura feminista da Bíblia coloca outra questão na interpretação, a posição patriarcal. Deveria haver uma cristologia pessoal sem qualquer diferenciação de gêneros - Schussler-Fiorenza-.

O que se procura é questionar a mera dimensão teológica da libertação por Jesus Cristo. O assunto está ligado a redenção.

"Ponto de partida da teologia feminista é a tentativa de ganhar, a partir de Jesus, critérios para um novo entendimento da totalidade do ser humano e de sua estética, para uma forma não repressiva de religião e, sobretudo,para uma ética que não seja mais determinada por concepções de domínio masculinas" (p. 86)

A teologia feminista tem uma corrente que possui uma concepção de uma absoluta imanência do divino e da unidade do divino com o homem, o autoconhecimento é conhecimento de Deus, e assim, uma tarefa espiritual.

Outra linha entende a relação entre justificação e santificação num sentido mais particular,  com um viés mais sexista, devendo estar em foco a co-participação dos seres humanos na redenção, há então uma primazia da santificação em relação à justificação, e uma admissão da imanência de Deus, onde "Jesus Cristo é o ser humano paradigmático e, assim, a representação simbólica de graça e redenção, ele é a imanência de Deus" (p.89).

Os problemas levantados pelo autor é que:

a imagem de Deus não é compatível com a Bíblia.
o caminho do conhecimento não é claro
a tensão escatológica é trocada por uma imanência de um novo mundo.

Mais uma vez o autor volta-se para Bonhoeffer, e sua ética das últimas e penúltimas coisas. "a cristologia  transforma-se em modelo para a antropologia (...) a reconciliação com Cristo tem continuidade na vida da comunidade e dos cristãos: a vida dos cristãos transforma-se em agir vicário. Tornar-se um Cristo para o próximo significa sempre também entrar em uma troca com os sofredores e marginalizados, participar do sofrimento de Deus no mundo"(p.96). Isto só pode ser pensado a partir da encarnação.

As últimas e penúltimas coisas é uma interpretação de Bonhoeffer para a ética política de Lutero da doutrina dos dois reinos.  As coisas penúltimas são tudo aquilo que necessita de redenção, justificação e libertação: sofrimento,opressão, tornar-se culpado.  Para Bonhoeffer trata-se de algo que veio a ser, dinâmico e não estático como em Lutero.

As coisas últimas significa rompimento com as penúltimas, que são julgadas e rompidas, aí é o tempo da graça.

"A pessoa do cristão se transforma em um Cristo para seu próximo, entra numa alegre permuta com o que sofre. Cristologia da libertação de acordo com Bohoeffer (e Lutero) é, portanto, sempre ambas as coisas: exclusiva e inclusiva; exclusiva, contanto que o Filho de Deus sofra ( e seja ressuscitado); conclusiva, contanto que Cristo insira o cristão no cossofrimento (bem como também no horizonte da ressurreição e libertação)." (p.103)

A teologia de Bonhoeffer deixa os sofrimentos de Cristo entrarem na vida como um horizonte interpretativo e é justamente na falta de sentido de todo sacrifício após jesus que levanta a pergunta do por quê. Assim, os cristãos são desafiados a participar dos sofrimentos de Cristo no mundo, mas não há aqui uma cooperação para a redenção, porque ela provém de Deus. O que se vê são sinais  da libertação advinda de Deus. 

"Trata-se da esperança de que Deus não deixa o mundo só, mas o conduz à sua vocação, fundamentado na esperança de transformação por ele provocada e que já tem reflexo no aqui e agora" (p.104).

Numa última crítica ao feminismo, o autor diz que "em sua crítica ao monoteísmo bíblico e  à cristologia do Filho, o feminismo teológico radical corresponde surpreendentemente às características neopagãs da modernidade pós moderna"  (p.108).

Conclusão...


"Jesus Cristo é sempre diferente da imagem que se faz dele, seja ela partiarcal ou matriarcal. Isso justamente ensina a cristologia clássica com sua rejeição de afirmações positivas a respeito de Jesus Cristo. Ele permanece um mistério em sua pessoa. Se, entretanto, é verdade que com Jesus Cristo veio coisa nova e decisiva para a vida dos crentes individuais e de todo o mundo, então não vale a pena só refletir sobre ele, vale também a pena aceitar os desafios e encorajar para falar teologicamente sobre Jesus bem hoje" (p.112)

























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