segunda-feira, outubro 03, 2011

Martin Barcala : Cristianismo Arreligioso


Estou lendo o livro CRISTIANISMO ARRELIGIOSO escrito pelo Pr. Martin Barcala, o livro tem dois subtítulos que explicam seu propósito, o primeiro, guia para entender o contexto histórico e a produção literária, bem como a recepção e interpretação do pensamento do teólogo alemão, e o outro, uma introdução à cristologia de Dietrich Bonhoeffer.

O livro em português é filho único, não há por aqui nenhum outro título que analise e pense a obra de Bonhoeffer. E é um bom livro. O autor a partir das obras de Bonhoeffer vai analisando a cristologia e sua evolução -ou não- histórica no pensamento do autor alemão.

É bem diferente do livro de Eric Metaxas, que analisa mais a vida mesma de Bonhoeffer, aqui a preocupação é mais com a obra teológica. Se Metaxas escreveu um roteiro de cinema, pintando o alemão como um autor quase envangelical, Barcala traz um autor inovador da teologia radical.

Quantos Bonhoeffers cabe nele mesmo? Acho que isto acontece pela própria diversidade dos escritos do próprio autor, e sua vida e obra inacabada. 


Vale muito a leitura deste livro, é uma contraposição científica a história de Metaxas.


O livro está dividido em três partes, a 1a. - DE CRISTO EXISTINDO EM COMUNIDADE AO CRISTO SENHOR DO MUNDO, a 2a. CRISTIANISMO ARRELIGIOSO NAS CARTAS E ESCRITOS DA PRISÃO e 3a.  DO CRISTIANISMO ARRELIGIOSO À TEOLOGIA DA MORTE DE DEUS.


No primeiro capítulo, De Cristo existindo em comunidade ao Cristo, Senhor do mundo, o autor analisa as primeiras obras acadêmicas de Bonhoeffer e conceito de cristologia apresentado nelas. 


No primeiro, SANCTORUM COMMUNIO, está o conceito de cristologia como Cristo existindo em comunidade, o pecado original se fundamenta e expande sempre desde uma ação egocêntrica  que não aceita afirmar o outro como valor. Há oito princípios que são apresentados por Barcala que são sustentados por Bonhoeffer a respeito da igreja (p. 27-28):


1. a igreja é concebida como ecclesia, que é a plenitude de qahal- termo pelo qual era designada a reunião do povo de Israel no AT-. 


2. existe pela ação de Cristo.


3. existe uma identificação de Cristo com a comunidade, ser em Cristo equivale a ser em comunidade.


4. pessoa coletiva de Cristo,sem que isso seja uma plena identificação com Cristo




5. é Cristo existente como comunidade, a presença de Cristo no mundo


6. é o corpo de Cristo, como anúncio escatológico da nova comunidade de pessoas.


7. visível pelo coletivo no culto e na ação de uns para os outros.


8. ao invés de imposição (totalitarismo), há um serviço mútuo (organicidade paulina).


"a importância dada a igreja como comunidade que representa concretamente a presença de Cristo no mundo; a transcendência  no interior da imanência possibilitada pelo encontro com o semelhante na comunidade da fé e condensada no conceito de ser-para-os-outros como modo de existir de Jesus Cristo e dos cristãos; e a critica à religião como tentativa humana de recuperar seu estado original por meio de rituais e práticas  individualizantes e especulações metafísicas" (p. 41)
A causa do desespero humano e a principal característica de sua existência é a transitoriedade, não é o ser humano que prepara a glória de Deus, ela já está lá na criação e, portanto, não desaparece totalmente com a queda humana. Bonhoeffer ao contrário de Barth, preserva o conceito de ordem de preservação mesmo após a queda, mas como o mestre suiço, nega a ordem da criação. A única continuidade entre Deus e sua criação é sua Palavra, há a transcendência a partir do encontro com o outro, há uma analogia relationis, e não analogia entis entre Deus e o ser humano, ou seja, apenas na relação com o seu semelhante o ser humano se descobre como imagem de Deus e, portanto, conhece a Deus na presença de seu próximo. (p. 46)


A teologia natural seria pretender ir além da palavra dada por Deus, a religião é o produto do ser humano que deixou de ser a imago dei e tornou-se sicut deus, ser religioso é tentar encontrar uma nova forma de ser para Deus que vá além da palavra de Deus, que se origina do conhecimento humano sobre Deus e sobre o bem e o mal. Para Bonhoeffer, o ser humano perde a noção de sua criaturalidade tornando-se seu próprio deus, assim sendo, "a consciência leva o ser humano de Deus para o seu lugar escondido, para que, sentindo-se seguro em seu próprio saber do bem e do mal, o ser humano se erija como juiz e anule, assim, o juízo de Deus. A consciência é esta vergonha diante de Deus, na qual se oculta a própria maldade, na qual o ser humano justifica-se a si mesmo... A consciência não é a voz de Deus no ser humano pecador, senão que é precisamente a defesa contra esta voz" (p.49)


Para Bonhoeffer, o sacramento não é um ritual praticado pela igreja, nem um símbolo da presença de Jesus, como entendia Lutero, mas é a presença existencial de Cristo no meio da comunidade. A linguagem aqui assemelhasse ao existencialismo de Kierkegaard, já que Cristo está presente no mundo em forma de comunidade, não como ideal ético ou princípio religioso. Não é o ato religioso que faz o cristão, mas a participação nos sofrimentos de Deus na vida secular.


Quanto a Tillich e o método da correlação, Bonhoeffer diz que o pecado é uma realidade antropológica do ser humano, nada pode se saber do ser humano antes que Deus se torne ser humano em Jesus Cristo. Cristo não aparece como o portador de uma nova religião, mas o portador de Deus mesmo.


"A morte e ressurreição de Cristo privaram a igreja primitiva do convívio com a presença física de Jesus. Portanto, a missão da igreja passou a ser conquistar o espaço no mundo para o corpo de Cristo que, desde a encarnação até a morte na cruz, foi rejeitado pela humanidade. À semelhança do que disse anteriormente em outras obras, novamente aqui a igreja é concebida por Bonhoeffer como presença física de Jesus Cristo no mundo. A igreja é o corpo de Cristo buscando ocasião para se encarnar no mundo" p. 71
Para Bonhoeffer, a única coisa que devia diferenciar o cristão do mundo, o elemento extraordinário, era a cruz, concebida como amor aos inimigos e participação nos sofrimentos de Cristo pelo mundo. Nenhum privilégio, nenhuma doutrina ou ritual, mas a cruz era o sinal visível dos cristãos no mundo. A pergunta é a mesma de Kierkegaard, o que faz um cristão um cristão? Neste aspecto, a ética cristã vai além de uma modelagem dogmática, somente o agir livre e responsável aliado apenas à vontade de Deus seria capaz de expressar a conformação com Cristo. 








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