Sim. O recado é para o presidente da República, que eu chamarei de você — porque ele é um homem simples, carioca como eu, mais moço do que eu, pai como eu. Escuta aqui, Figueiredo. Muitos presidentes realizaram obras maravilhosas, faraônicas. Construíram estradas, acabaram com a inflação — o diabo. Mas nenhum deles teve a chance que você tem. A bondade está acima das leis. A generosidade, a clemência, a misericórdia são os mais belos sentimentos que um ser humano pode ter. Deixe o petróleo para lá. A inflação que se dane. Um país não pode viver dividido. Você estendeu a mão. Como podem apertá-la os brasileiros que estão detidos? Solte esses rapazes, Figueiredo. Meia dúzia de obras gigantescas não colocam um presidente na História. Você é o único brasileiro que tem essa oportunidade na mão. Solte esses moços, Figueiredo. Por favor, Figueiredo, solte meu filho.
Cunha, Martim Vasques da. A poeira da glória: Uma (inesperada) história da literatura brasileira . Record. Edição do Kindle.
Essa declaração é prova de que ainda é possível uma resistência verdadeira ao ódio que contamina a vida atual do brasileiro. É a resistência do sujeito que sabe que, antes de qualquer coisa, o verdadeiro estadista é aquele que pratica o Bem e sabe que nada adianta realizar feitos superficiais, que podem até ajudar a vida econômica de uma nação, mas não alimentam sua vida moral. Ao dirigir-se de maneira tão sincera a um presidente da República, a um homem que, supostamente, está ungido pelo poder de mandar e desmandar, Nelson é mais subversivo do que qualquer guerrilheiro de esquerda. Ele evita ser contaminado pelo mundo infernal que invadiu a própria família e evita que o poder comande seus sentimentos. Pouco se importa com o que os poderosos vão pensar do seu gesto. A única coisa importante naquele momento é apelar para a bondade de um homem que, espera-se, ainda não se esqueceu de que é também um ser humano.
Cunha, Martim Vasques da. A poeira da glória: Uma (inesperada) história da literatura brasileira . Record. Edição do Kindle.
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