quinta-feira, agosto 23, 2018

CRUCIFICAÇÃO: Justiça e Misericórdia


The Crucifixion – Cap. 3- The Question of Justice

A condenação de Jesus significa redenção para o mundo, e por extensão a condenação do pecado de seu povo é parte de seu proposito redentor – cf. Is. 10:22

 A cruz é o lugar onde podemos ver claramente  o relacionamento entre julgamento (condenação, destruição) e  retidão de Deus (experimentada tanto como julgamento como redenção).



Justiça no Antigo Testamento

Uma coisa que devemos lembrar que a mente e o coração de Jesus foram formados pelo Antigo Testamento, há uma interação continua com as Escrituras. A mente de Cristo (1Co 2:16) está no Antigo Testamento.

Quando procuramos uma descrição de Deus entre as pessoas, normalmente elas dizem que Deus é compassivo, misericordioso, inclusivo e receptivo. Dificilmente, alguém dirá que Deus é justo. Ainda assim, a revelação de Deus como justo ou reto forma uma grande parte do Antigo Testamento, que o povo de Israel tinha como fundamento para sua fé.  Mesmo quando a palavra justiça não é usada literalmente ou explicitamente, a ideia está lá.



'Vocês já caminharam bastante tempo ao redor destas montanhas; agora vão para o norte. E diga ao povo: Vocês estão passando pelo território de seus irmãos, os descendentes de Esaú, que vivem em Seir. Eles terão medo de vocês, mas tenham muito cuidado.  Não os provoquem, pois não darei a vocês parte alguma da terra deles, nem mesmo o espaço de um pé. Já dei a Esaú a posse dos montes de Seir.  Vocês lhes pagarão com prata a comida que comerem e a água que beberem'. (Dt 2:3-6)

Aqui não há uma menção clara para a justiça de Deus, mas ela mostra isto mesmo em seus detalhes que Deus está olhando não apenas para as pessoas corretas ou para os filhos escolhidos de Israel, mas também vela pelos interesses dos ímpios e rejeitados filhos de Esaú.

Uma das expressões favoritas do Antigo Testamento, é O Santo de Israel:

Mas o Senhor dos Exércitos
será exaltado em sua justiça;
o Deus santo se mostrará santo
em sua retidão. (Is 5:16)



Qual seria o conteúdo da justiça de Deus?

"Para que me oferecem tantos sacrifícios?", pergunta o Senhor. "Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos. Não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes! Quando vocês vêm à minha presença, quem pediu que pusessem os pés em meus átrios?  Parem de trazer ofertas inúteis! O incenso de vocês é repugnante para mim. Luas novas, sábados e reuniões! Não consigo suportar suas assembleias cheias de iniquidade.  Suas festas da lua nova e suas festas fixas, eu as odeio. Tornaram-se um fardo para mim; não as suporto mais!  Quando vocês estenderem as mãos em oração, esconderei de vocês os meus olhos; mesmo que multipliquem as suas orações, não as escutarei! As suas mãos estão cheias de sangue! Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal,  aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva.  "Venham, vamos refletir juntos", diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão.  Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os melhores frutos desta terra;  mas, se resistirem e se rebelarem, serão devorados pela espada." Pois o Senhor é quem fala! Vejam como a cidade fiel se tornou prostituta! Antes cheia de justiça e habitada pela retidão, agora está cheia de assassinos!  Sua prata tornou-se escória, seu licor ficou aguado.  Seus líderes são rebeldes, amigos de ladrões; todos eles amam o suborno e andam atrás de presentes. Eles não defendem os direitos do órfão, e não tomam conhecimento da causa da viúva.  Por isso o Soberano, o Senhor dos Exércitos, o Poderoso de Israel, anuncia: "Ah! Derramarei minha ira sobre os meus adversários e me vingarei dos meus inimigos.  Voltarei minha mão contra você; tirarei toda a sua escória e removerei todas as suas impurezas.  Restaurarei os seus juízes como no passado; os seus conselheiros, como no princípio. Depois disso você será chamada cidade de retidão, cidade fiel".  Sião será redimida com justiça, com retidão os que se arrependerem.  (Is 1:11-27)

O Senhor falando através de seu profeta declara em termos muito fortes que Ele não é mais agradado com a observância religiosa  do povo, mesmo através de coisas meticulosas (vs 11-13).

Como em muitas comunidades hoje, os frequentadores de igreja são em si mesmos assassinos, e não  tem sangue em suas mãos numa maneira literal, mas indiretamente e o chamado para o arrependimento é unívoco  (vs 16-17).

A justiça de Deus não é algo vago ou amórfico, não é geral ou indeterminada. Ela é especifica e particular, mostrando que Deus está atento aos detalhes materiais das necessidades humanas (Ex 23:6, Dt 24:17, Ez 45:9)



A perversão da justiça é odiada por Deus. A justiça dos indefesos é a própria obra de Deus (Dt 10:17-19).  O cuidado dado pela comunidade para seus membros mais fracos, e mesmo aqueles que são membros é um espelho do próprio cuidado de Deus pelos israelitas quando eles eram escravos. As atividades da comunidade não eram tomadas em princípios gerais, mas elas surgiram da vivida rememoração da iniciativa justa e misericordiosa para com eles (Dt 26:5)

Porque a justiça é uma parte central da natureza de Deus, ele declarou inimizade contra toda a forma de injustiça. Sua ira vira sobre aqueles que exploram o pobre e o fraco, ele não permitirá que seu proposito seja subvertido (Mq 2:1-3, 3:9-12 e Jr 5:27-29)

Como vimos em Isaias 1, a adoração é odiosa para Deus quando ela está desligada de justiça (Am 5:21-24) Quando a justiça fluir como um rio, este é um sinal que Deus está em movimento. Além disso, as vitórias provisionais da justiça neste mundo presente, sejam grandes ou pequenas, são um antegosto do Dia de Yahweh. O advento do Dia do Senhor quando toda a injustiça será retificada para sempre é um tema central da literatura profética e apocalíptica do Antigo Testamento. A promessa de um reinado de perfeita justiça que trará alegria mesmo agora como uma antecipação dele, como está evidenciado no salmo 146:5,7,9-10.



O MESSIAS VEM TRAZENDO JUSTIÇA

Quando Jesus vem anunciando o reino de Deus, o Antigo Testamento forma o plano de fundo desta proclamação.  A expectativa deste reino no contexto  da sua pregação (Mc 1:15, Jr 23:5, Is 9:6-7)

Jesus tomou este papel messiânico sobre  si mesmo de maneira deliberada na ocasião de seu sermão inaugural  que esta em Lc 4:16-21.

Quando fala deste modo sobre o cumprimento da profecia. Os sinais do reino estão presente no seu ministério com especial ênfase na intervenção de Deus em favor daqueles que não podem ajudar a si mesmos. Esta é o desenho da justiça de Deus que reconhecemos nos profetas.

Outro lugar, onde a mensagem profética do Antigo Testamento mais claramente penetra a historia de Jesus é na canção de Maria, no Magnificat. Quando entendemos ele, devemos lembrar que Maria está na parte mais baixa da sociedade (Lc 1:46-48a, 51b-53).

Quando vemos em comparação com a canção de Ana (1Sm 2:1-10), seu protótipo, o tema da justiça para aqueles que estão na base da escala social salta aos olhos. A justiça de Deus envolvera uma reversão dramática.

Quando vemos as canções, podemos ver que a vinda do Senhor não foi projetada como um evento apenas confortável. Aqueles que pensam que estarão seguros, se enganam. Aqueles que confiam em suas conquistas irão se surpreender. Aqueles que foram religiosos, descobrirão que Deus esta buscando outras coisas. A vinda do Messias não trará paz, mas espada (Mt 10:34).



PERDÃO OU ESQUECIMENTO?

Ele mostrou a você, ó homem,

o que é bom

e o que o Senhor exige:

pratique a justiça, ame a fidelidade

e ande humildemente com o seu Deus.

Mq 6:8

 Esta passagem declara que a justiça e a misericórdia são dois aspectos fundamentais do caráter de Deus. Trabalhar a relação entre os dois é uma tarefa essencial da teologia cristã, da pregação e do cuidado pastoral. Em nosso próprio tempo, isto se tornou uma questão importante. Há uma impressão comum que o perdão cristão pode ser construído separado da questão da justiça – que, de fato, o perdão pode ser ofertado sem referência a justiça-. Contudo, perdão é uma questão complexa. A questão do perdão e da compensação realmente não deve ser discutida longe da questão da justiça. Quando um mau terrível foi cometido e uma desculpa é oferecida, as pessoas erradas talvez sejam justificadas sentindo que muito tem sido pedidas para elas. As coisas não podem apenas ser esquecidas e perdoadas.



Perdao não é essência do Cristianismo. Perdao deve ser entendido em seu relacionamento com a justiça se o evangelho cristão for visto em todo seu escopo.



A injustiça demonstra que há algo errado em nosso mundo e que pede para ser corrigido.  Apesar  de toda esta evidencia, há uma crença moderna tentando nos convencer que a felicidade é um estado natural das nossas espécies.

A mensagem da cruz de Jesus Cristo é que apenas o criador do universo pode fazer perfeita justiça vir sobre o mundo que ele criou, que ele fez isto no corpo do seu próprio Filho e ele fara mais no futuro no Dia do Senhor:

Não agirá com justiça o Juiz de toda a terra? Gn 18:25

 A RELAÇÃO ENTRE JUSTIÇA E MISERICÓRDIA

Este é o mal que há em tudo o que acontece debaixo do sol: o destino de todos é o mesmo. O coração dos homens, além do mais, está cheio de maldade e de loucura durante toda a vida; e por fim eles se juntarão aos mortos.  (Ec 9:3)

Fleming Rutledge coloca dois desafios: primeiro, numa sociedade da auto estima com a natureza caída humana? Segundo, é ajudar os cristãos entenderem  que mesmo a justiça secular deve ser e pode ser administrada vindo de um senso profundo de solidariedade entre todos os seres humanos, então nunca devemos cessar de lembrar que apenas pela graça de Deus prosseguimos. Isto é paradoxal, mas se nós pensamos que todos os seres humanos como igualmente necessitados tanto de justiça como de misericórdia, seremos mais capazes  de apoiar um sistema legal que poderá ser severo sem sentimentalidade, ainda assim oposto a degradação de qualquer tipo.

ALÉM DO PERDÃO

Segundo Reginald Fuller, o perdão é uma palavra muito fraca para abraçar o escopo pleno daquilo que Cristo fez e o que nos chama a fazer.  Perdão não é o suficiente, deve haver justiça também.

Existe algo de errado no mundo e deve ser retificado. A cruz não é puro e simples perdão, mas Deus endireitando o mundo da injustiça e decepção.  Esta correção é chama de retificação (DIKAIOSIS em grego) pelo apostolo Paulo.



A encarnação do Filho de Deus não deve ser entendida como uma divina bendição sobre tudo que há. Mas como uma encarnação debaixo da cruz,  e então se coloca como uma questão contra as coisas como estão.

O Messias não veio para purificar e iluminar o mundo espiritualmente preparado para sua chegada, mas ao invés disso, para uma humanidade longe da bondade original que foi criada. A barbaridade da crucificação revela precisamente este diagnóstico. Do inicio ao fim, as Escrituras testificam que a condição da humanidade caída é tão séria, tão grave, tão irremediável que nada senão a divina intervenção poderia retificar ela.



E Caifás, um deles que era sumo sacerdote naquele ano, lhes disse: Vós nada sabeis, Nem considerais que nos convém que um homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação. Ora ele não disse isto de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos. (João 11:49-52)

Há duas ideias aqui neste trecho.  A primeira é que uma pessoa seria responsável por muitas e  a segunda é que a grandeza da ofensa requer algo de igual valor indicando a magnitude da transgressão.

A mensagem bíblica é que o ultraje está antes de tudo no coração de Deus. Se estamos resistentes a ideia da ira de Deus, devemos pausar para refletir na próxima vez que ficarmos ultrajados com algo. A ira de Deus é pura. Ela não é para a manutenção de privilegio como seu objetivo, mas vai em favor daqueles que não tem privilégios. A ira de Deus não é uma emoção que surge de tempos em tempos, como se fosse um temperamento. É um modo para explicar a sua absoluta inimizade contra todo o mau.

A nova criação de Deus deve ser justa, ou as promessas de Deus para correção do mundo seriam ignoradas (Is 10:1-2)

A ira de Deus se coloca contra tudo aquilo que se põe contra seu proposito redentor. Não é uma emoção, é a retidão de Deus ativa em corrigir aquilo que está errado. É a intervenção de Deus em favor daqueles que não podem salvar a si mesmos.

Ao se tornar um dos pobres que tiveram seus direitos privados, ao morrer como um que foi injustiçado pela justiça, o filho de Deus se submeteu a mais extrema humilhação, entrando em total solidariedade com aqueles que não tem ajuda. (Mc 15:31).

Ele se submeteu a esta humilhação e vulnerabilidade não apenas por aqueles que foram vitimizados mas também pelos perpetuadores. Na cruz, Deus colocou a si mesmo debaixo de sua própria sentença. Então, nem vitima nem aquele vitimiza podem alegar exceção do julgamento por seus próprios méritos, mas penas nos méritos do Filho.



DIKAIOSYNE: Justiça e a Retidão de Deus



Os sistemas humanos de justiça  são cruciais para o funcionamento da sociedade,  mas ela não pode endireitar o que está errado.  

Uma coisa que precisamos entender é que dikaiosyne é traduzido na bíblia tanto por retidão, justificação, justo, reto. Então, precisamos entender que a justiça de Deus e a retidão de Deus são a mesma ideia dentro do contexto bíblico.



A ideia de retidão na cultura hebraica não esta ligada a nossa ideia de legalismo ou moralismo, é mais uma ideia de verbo do que substantivo, porque se refere ao poder de Deus para endireitar aquilo que está errado.

A ideia é de retificação



DIKAIOSYNE como meta, como agressão.

O movimento de Deus em nossa direção quando deixamos Ele de lado é descrito de muitas formas biblicamente. Oseas coloca em termos de paternidade e filhos, a retidão seria um aspecto do amor parental (Os 11:1-9)

A retidão de Deus o leva a buscar redimir, assim ela se opõe aquilo que procura destruir o que ele ama, declarando inimizade contra tudo que se resiste ao seu proposito redentor.  A retidão divina não é estática, não é retributiva, mas restauradora.

Nesse sentido, Is 1:24-27,  a retidão não se refere a uma virtude humana ou a um comportamento correto, mas a ação de Deus em restaurar a justiça e a retidão para Israel. Não é tanto que Deus seja retidão, mas que Ele pratica retidão.  O objetivo é restauração e renovação. Na plenitude dos tempos, o povo da aliança se tornará um espelho da própria fidelidade de Deus com sua aliança, isto não vai acontecer por causa da competência humana, mas somente a partir de Deus.


Os escritos do Novo Testamento pressupõe a queda da raça humana e a ordem da criação decaida estão doente ate a morte além dos recursos humanos. O fator crucial aqui é precisamente identificado na parábola Jesus lhes contou outra parábola, dizendo:

"O Reino dos céus é como um homem que semeou boa semente em seu campo.
Mas enquanto todos dormiam, veio o seu inimigo e semeou o joio no meio do trigo e se foi.
Quando o trigo brotou e formou espigas, o joio também apareceu.
"Os servos do dono do campo dirigiram-se a ele e disseram: ‘O senhor não semeou boa semente em seu campo? Então, de onde veio o joio? ’
" ‘Um inimigo fez isso’, respondeu ele. "Os servos lhe perguntaram: ‘O senhor quer que vamos tirá-lo? ’
"Ele respondeu: ‘Não, porque, ao tirar o joio, vocês poderão arrancar com ele o trigo.
Deixem que cresçam juntos até à colheita. Então direi aos encarregados da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro’ ". Mateus 13:24-30

O reino do pecado e da morte sobre o cosmos é inseparável da questão sobre por que as três pessoas da trindade concordaram com essa maneira tão cruel para a morte da segunda pessoa? O que o método nos fala sobre o significado desta morte?

A cruz mostra que não somente as vitimas da opressão e da justiça precisam de Deus como também os malfeitores.

A perversidade e monstruosidade da natureza da injustiça no mundo nos força a compreender que o perdao somente não dá um desenho claro do proposito de Deus.

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