sexta-feira, agosto 03, 2018

A CRUCIFICAÇÃO: A impiedade da cruz




RESUMO
SEGUNDO CAPÍTULO - 
THE CRUCIFIXION DE FLEMING RUTLEDGE
THE GODLESSNESS OF CROSS

É necessário algum esforço para entendermos o grau singular de desgosto público causado pela crucificação como método de execução.  Ainda assim, precisamos entender melhor o significado do termo grego skandalon (pedra de tropeço), que Paulo usa em Gálatas 5:11, quando fala no escândalo da cruz. 

A maioria de nós está condicionado a pensar a morte de Jesus como escândalo, quando de fato não é a morte em si, mas o modo da morte que cria a ofensa.

O MÉTODO COMO MENSAGEM


A morte de Jesus é distinta porque o "COMO" assume uma importância singular. No primeiro ponto, entendemos que o sofrimento e a morte de Jesus tem uma primazia tanto nos evangelhos como nas cartas paulinas. Algo que é digno de nota, é a maneiras como os cristãos falam não apenas da morte ou da execução de Jesus, mas muito especificamente, a respeito da crucificação como a maneira de sua morte carregada de uma significação especial.

Como Paulo em Fp 2:8:

E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.

A maneira da morte de Jesus foi colocada desde o começo. Ele mesmo deixa isto central quando diz que qualquer um quiser segui-lo deve tomar sua própria cruz. Outros líderes, poderiam chamar seus seguidores para morrer heroicamente, mas não chamar a atenção para a maneira como deveria acontecer.

A morte de Jesus aconteceu de maneira pública, como Paulo diz em Atos 26:26, não se passou num lugar qualquer. 
Porque o rei, diante de quem também falo com ousadia, sabe estas coisas, pois não creio que nada disto lhe é oculto; porque isto não se fez em qualquer canto.

Atos 26:26

Porque o rei, diante de quem também falo com ousadia, sabe estas coisas, pois não creio que nada disto lhe é oculto; porque isto não se fez em qualquer canto.

Atos 26:26
Porque o rei, diante de quem também falo com ousadia, sabe estas coisas, pois não creio que nada disto lhe é oculto; porque isto não se fez em qualquer canto.

Atos 26:26
 O rei está familiarizado com essas coisas, e lhe posso falar abertamente. Estou certo de que nada disso escapou do seu conhecimento, pois nada se passou num lugar qualquer.

Ela foi pública, deliberadamente e com impunidade. Sua execução foi levada adiante pelas melhores pessoas, os representantes das maiores religiões e autoridades governamentais.  

A SINGULAR IRRELIGIOSIDADE DA CRUZ COMO UM MODO DE EXECUÇÃO

A cruz não é de modo algum um objeto religioso em sua essência. A cruz é de longe um objeto irreligioso que encontrou seu caminho para o centro do coração da fé. 

J. Christaan Baker diz que ela é o mais não religioso e horrendo ponto do evangelho.

A crucificação marca uma distinção essencial entre cristianismo e religião. A religião é definida como um sistema de crença ou, alternativamente, um apanhado  de ideias e práticas, projetadas das necessidades e desejos humanos.  

Fleming Rutlegde continua ensinando que a cruz é irreligiosa porque nenhum ser humano individualmente ou mesmo uma coletividade teria projetado suas esperanças, desejos e anseios num homem crucificado. 

O cristianismo é a única das grandes religiões que tem como foco central o sofrimento e degradação de seu Deus. A crucificação é tão familiar para nós, e tão comovente, que nos é difícil realizar  quão incomum ela é como uma imagem de Deus. 

Devemos entender que Cristo não apenas morreu, mas foi crucificado. A ênfase deve ser não somente na morte, mas no modo desta morte. Falar da crucificação é falar de como os escravos morriam. 

Foi desprezado e rejeitado pelos homens,
um homem de dores
e experimentado no sofrimento.
Como alguém de quem
os homens escondem o rosto,
foi desprezado,
e nós não o tínhamos em estima.
Isaías 53:3 

Então, o Filho de Deus entrou em solidariedade com o mais pequeno e o menor de toda sua criação, aquele sem nome , aquele que foi esquecido, a escória de todos (1Co 4:13). Não há nada de religioso nisso tudo. 

Se olharmos para Dt 21:23, vemos a proibição sobre pendurar um corpo numa arvore, amaldiçoado por Deus. Nem mesmo o empalamento, nem o enforcamento ou qualquer outro método de extinguir uma vida tem essa especificidade de identificar a pessoa como esquecida de Deus. 


CRUCIFICAÇÃO COMO DEGRADAÇÃO E VERGONHA

A crucificação era especialmente desenhada para ser o maior insulto para a dignidade pessoal,  a última palavra em humilhação e tratamento desumanizador. Degradação era seu ponto. 

Era uma execução pública, situada nas maiores estradas com grande trafego de pessoas, sem roupas, deixadas para serem comidas por pássaros ou bestas, as vítimas da crucificação estavam sujeitas ao ridiculo completo.

Não era apenas uma questão de sofrimento físico, mas também de rejeição e vergonha.

 Jamais ultrapassem, porém, quarenta açoites; mais que quarenta açoites seria uma humilhação pública para seu irmão israelita. (Dt 25:3)
Quarenta açoites lhe fará dar, não mais; para que, porventura, se lhe fizer dar mais açoites do que estes, teu irmão não fique envilecido aos teus olhos.

Deuteronômio 25:3

Esta provisão da Torá mostra que a misericórdia de Deus é refletida mesmo com o infrator no deserto. A palavra de Deus protege o malfeitor ao referir-se a ele como "seu irmão", mesmo ele sendo culpado, ele não deve ser humilhado na percepção daquele que está administrando o castigo.  Há um relacionamento de humanidade comum entre o ofensor e aquele que administra a pena. 

A própria lei de Deus proíbe a degradação do irmão, mas, o próprio filho de Deus morreu num método desenhado precisamente para negar ao condenado quaisquer vestígios de humanidade, esgotando toda irmandade.


Assim como houve muitos
que ficaram pasmados diante dele;
sua aparência estava tão desfigurada,
que ele se tornou irreconhecível como homem;
não parecia um ser humano; 
Is 52:14

Ele cresceu diante dele
como um broto tenro
e como uma raiz saída de uma terra seca.
Ele não tinha qualquer beleza
ou majestade que nos atraísse,
nada havia em sua aparência
para que o desejássemos.
Foi desprezado e rejeitado pelos homens,
um homem de dores
e experimentado no sofrimento.
Como alguém de quem
os homens escondem o rosto,
foi desprezado,
e nós não o tínhamos em estima. 
 Is 53:2-3

Nós ainda escondemos nossas faces da cruz e não temos qualquer estima por ela. Sempre foi difícil para a igreja segurar a cruz como seu centro. 

Nos três primeiros séculos, a cruz não era o símbolo pelo qual os imperadores conquistariam. Ela não adornava medalhas ou honras. Não era trabalhada em metal precioso.  Era um sinal de contradição e escândalo, que significava exílio ou morte para quem a aderisse junto ao caminho do Crucificado.

Depois do estabelecimento do cristianismo como religião oficial sob o império de Constantino, tudo foi modificado, a palavra crux foi santificada. 

Devemos enfatizar que a vergonha da crucificação é mais importante para a determinação de seu significado que o sofrimento físico. No livro do profeta Naum 3:5-7, está escrito:

"Eu estou contra você",
declara o Senhor dos Exércitos;
"vou levantar o seu vestido
até a altura do seu rosto.
Mostrarei às nações a sua nudez
e aos reinos, as suas vergonhas.
Eu jogarei imundície sobre você,
e a tratarei com desprezo;
farei de você um exem­plo.
Todos os que a virem fugirão, dizendo:
'Nínive está arrasada!
Quem a lamentará?'
Onde encontrarei quem a console?" 

Quando lemos a passagem, a partir da perspectiva cristã, é muito difícil não vermos uma referência velada para a vergonha e desonra enfrentadas por Jesus. O julgamento de Deus sobre Nínive se torna o julgamento de Deus sobre a vergonha de todo o mundo, assumido por seu Filho em todos os detalhes. Quando dizemos que Jesus tomou sobre si o pecado do mundo, isto significa especificamente que ele sofreu a vergonha e a degradação que os seres humanos infligiram un aos outros e ele mais que todos nunca fez nada para merecer isto.

 A LUTA DE PAULO COM OS CORINTOS: RELIGIÃO E SECULARIDADE

Podemos pensar que era mais fácil para os primeiros cristãos entenderem a cruz que é para nós, e talvez  também eles tinham mais razões para se esconder disso. Eles sabiam exatamente quão desprezível era a crucificação. 

O texto de 1Co 1:18-25 nos mostra uma dificuldade que havia tanto dos primeiros cristãos como dos atuais:

Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus. Pois está escrito: "Destruirei a sabedoria  dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes".   Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana, agradou a Deus salvar aqueles que creem por meio da loucura da pregação. Os judeus pedem sinais milagrosos, e os gregos procuram sabedoria;
nós, porém, pregamos Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem.
Parece que havia todo um contexto de uma igreja que estava crescendo, contudo havia um grande perigo a frente, a vida dos corintos estava orientada para um centro errado.

Nesta passagem, Paulo está defendendo sua pregação da cruz. Ele está contendendo contra dois fatores: a religiosidade barulhenta dos cristãos de Corínto e a sofisticação urbana dos arredores da cidade. 

Os judeus buscam sinais e os gregos buscam sabedoria. Isto pode ser interpretado em termos modernos como judeus buscam ser pessoas religiosas e gregos denotam pessoas seculares. A crucificação é escândalo para os religiosos em geral, não apenas para os judeus do tempo de Paulo, porque é ofensivamente irreligiosa. É loucura para as pessoas seculares não apenas por causa de sua natureza intrínseca mas também porque ela afronta a mente educada e sofisticada. A maioria dos frequentadores da igreja eram judeus nos grandes cultos de domingo e gregos no resto do tempo. 

As pessoas religiosas buscam experiências visionárias e enriquecimento espiritual, as pessoas seculares buscam provas, argumentos, demonstrações, filosofia e ciência. O fato surpreendente é que nenhum destes grupos buscam ouvir sobre a cruz. Ela é uma pedra de tropeço para os judeus como para os gentios (1:23). 

A cruz não é um objeto adequado de devoção para as pessoas religiosas, e as reivindicações feitas por ela são muito extremas para ser aceitas pelas pessoas seculares. Eis o que somos hoje em dia, ao mesmo tempo, muito religiosos e seculares, pessoas materialistas e pias.

Paulo desenvolve seu argumento ao lembrar aos coríntios que a maioria deles estavam na rabeira da escala social quando foram chamados para a fé cristã: 

Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento. (1Co 1:26)

Aí, Paulo sumariza uma série de paradoxos:

Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios e escolheu o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte. Ele escolheu o que para o mundo é insignificante, desprezado e o que nada é, para reduzir a nada o que é, a fim de que ninguém se vanglorie diante dele. É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção, para que, como está escrito: "Quem se gloriar, glorie-se no Senhor". (1Co 1:27-31)


Paulo usa a palavra vanglória para as atitudes dos próprios coríntios, aparentemente, eles estavam reclamando da falta de glamour espiritual de Paulo. Paulo aceita a acusação deles, e a transforma numa vantagem enquanto ele pleiteia a causa do evangelho do Crucificado.


Eu mesmo, irmãos, quando estive entre vocês, não fui com discurso eloquente nem com muita sabedoria para lhes proclamar o mistério de Deus.  Pois decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este crucificado. E foi com fraqueza, temor e com muito tremor que estive entre vocês. Minha mensagem e minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria, mas em demonstração do poder do Espírito, para que a fé que vocês têm não se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus.(1Co 2:1-5)

Paulo está disposto a abraçar as acusações dos oponentes  sobre sua fraqueza pessoal e aridez retórica para fazer seu ponto. Alguém pode ver uma situação análoga na igreja atual. Pregadores e ensinadores que são corajosos e fiéis ao expor a cruz de Cristo mas que não tem um estilo ostentoso ou uma voz bacana encontram dificuldades em ganhar o auditório. Eles são avisados para melhorar sua imagem e cultivar um apelo mais comercial ou popular. As críticas feitas a Paulo seguem nesta linha, os coríntios  queriam ouvir sabedoria,um discurso inspirador que os tiraria de seus sentidos.

Paulo permanece firme, diz que abre mão de tudo isso, a não ser Jesus Cristo, o crucificado. Sua carta se direciona contra a espiritualidade auto-promotora que havia lá.


Assim, Jesus também sofreu fora das portas da cidade, para santificar o povo por meio do seu próprio sangue.  Portanto, saiamos até ele, fora do acampamento, suportando a desonra que ele suportou.Hb 13:12-13

O PAPEL DO ESPIRITO

Paulo está seriamente preocupado  pelos abusos da igreja de Corínto.  A congregação não está sabendo usar os dons que haviam em abundância.  Não há caminho para o Pentecoste que não passe pelo Calvário, o Espírito é dado da cruz. Devemos escapar de uma visão triunfalista do evangelho sem sacrifício ou sem sofrimento. Isto é o que Paulo encontra em Corínto, como vemos nos dois primeiros capítulos da primeira carta. 

Se a crucificação era "nada e desprezada" (1Co 1:28). Como os próprios romanos colocavam que era ela destinada não para a vida, nem mesmo para seres humanos, apenas para danação das bestas (damnatio ad bestias).  

Paulo insiste que é exatamente essa insignificância, esse nada, esse desprezo que é o poder de Deus. Sem isto, não há evangelho. Sem isto, há apenas uma outra forma difusa de religiosidade. Sem a cruz, somos apenas judeus ou gregos sem nada de novo ou revolucionário para oferecer ao mundo. 

O PARADOXO DA CRUCIFICAÇÃO

Então, deixando-o, todos fugiram.

Marcos 14:50
Então, deixando-o, todos fugiram (Mc 14:50)

Moltmann coloca o fato dos discípulos fugirem como uma certeza histórica já que um autêntico herói jamais seria desertado por todos os seus seguidores. Para o próprio Marcos, era uma indicação do completo abandono que houve na morte de Jesus. Os discípulos não conseguiram ver sua morte ingloriosa e humilhante como uma obediência a Deus, uma reivindicação de sua missão ou um martírio heróico. 

Pelo contrário, porque era uma crucificação, eles apenas puderam ver o descrédito de suas alegações a respeito de Deus. Ele foi julgado como uma ameaça de estado pelas autoridade seculares, mas mais pior que isto, ele foi condenado pelas autoridades religiosas, os guardiões da fé e da moral, como alguém blasfemo merecedor de uma morte ímpia.  É muito difícil para nós entender o quão terrível foi esse fim irreligioso e nada edificador para alguém que vivia ministrando em nome de Deus.

A mais radical de todas as perspectivas na cruz se torna clara para nós se refletirmos sobre  relação entre o novo e o velho testamento. Ninguém espera um Messias crucificado. Isaias 53 deu uma pista disto tudo, mas ninguém o compreendeu assim até sua ressurreição. A coisa nova profetizada por Isaias era interpretada de muitas formas, mas Paulo diz que a unica coisa nova é a palavra da cruz


Vejam, estou fazendo uma coisa nova!
Ela já está surgindo! Vocês não a reconhecem?
Até no deserto vou abrir um caminho
e riachos no ermo.
(Is 43:19)

A CRUZ E A CADEIRA ELÉTRICA

Não é possível comparmos o horror da cruz com a moderna cadeira elétrica norte americana. Se há alguma semelhança, talvez é que  ambos apenas se destinavam aos baixos estratos sociais. Nunca uma cruz foi usada para pessoas que ocupavam altas posições, e nunca para cidadãos romanos. 

Ao contrário da privacidade da cadeira, a cruz era pública, ficava em grandes estradas de muito fluxo de pessoas, o que atraia a curiosidade mais tenebrosa e mórbida das pessoas:

Vocês não se comovem,
todos vocês que passam por aqui?
Olhem ao redor e vejam
se há sofrimento maior do que
o que me foi imposto,
e que o Senhor trouxe sobre mim
no dia em que se acendeu a sua ira.  
(Lm 1:12)

E também, a cadeira moderna é para oferecer uma morte rápida e "humana", mas a crucificação era um método desenhado para intensificar e prolongar a agonia. 

Se na cadeira, há o privilégio de poder usar uma máscara ou um capuz, sendo sua face preservada, a crucificação era para ser vista pelo máximo de pessoas possível como sinal de desprezo e vergonha. Era uma forma  de propaganda, de anúncio público- esta pessoa é a escória da sociedade, não merece viver, é mais um animal que um ser humano, um bicho. 

A TORTURA PSICOLÓGICA DA CRUCIFICAÇÃO

 A crucificação era um meio de execução no Império Romano que tinha como propósito expresso a eliminação das vítimas da consideração delas como membros da raça humana. Era sua função principal afirmar isto. O que significava que era um indicativo para todos que estavam brincando com ideias subversivas em comum com as pessoas crucificadas, elas não eram da mesma espécie que os executores e os espectadores, mas sim, descartáveis e merecedoras deste meio de morte.

Havia uma certa zombaria na crucificação, aqueles que queriam se sobrepor ao Império, seriam colocados acima através da cruz.

MORS TURPISSIMA CRUCIS

Origene cunhou o termo, ao falar da morte mais torpe que havia.
Cicero chamou de summum supplicium, que era pior que incêndio ou decapitação.


A primeira fase da execução romana era o flagelo, os lictors, os legionários romanos designados para esta tarefa, usavam um chicote feito com cordas de couro e pequenos pedaços de metal e ossos. A vítima era deixada nua amarrada junto a um poste numa posição que deixava exposto suas costas e nadegas para um efeito maximo. Com os primeiros golpes do chicote, a pele era arracanda e o tecido subcutâneo era exposto.  Enquanto o processo continuava, as dilacerações começarvam a penetrar nos musculos que resultavam não apenas em grande dor como também numa perda enorme de sangue. A ideia era enfraquecer a vítima para colocar ela perto do colapso ou morte.  Era comum, insultos e ridicularizações acompanhar esse procedimento. 

No caso de Jesus Cristo, o Novo Testamento nos fala da coroa de espinhos, da veste purpura e do cetro que foram usados para a zombaria.

A condição do prisioneiro depois do flagelo era terrivel. Ainda assim, ele deveria carregar o patibulum (a barra da cruz) por si mesmo, que o deixava perto de uma hipovelemia:


Hipovolemia é o estado de diminuição do volume sanguíneo, mais especificamente do volume de plasma sanguíneo. Choque hipovolêmico se refere a uma condição médica ou cirúrgica na qual ocorre perda rápida fluída que resulta no fracasso de múltiplos órgãos devido perfusão inadequada. A maior parte dos choque hipovolêmico é secundária a perda rápida de sangue. (wikipédia)

Aqueles que seriam crucificados faziam uma procissão pelas ruas, se expondo a todo tipo de esculacho da população. Quando ela chegava ao local da crucificação, as vítimas veriam-se diante de pesados postes de madeira (stipes) que ficavam permanente no lugar, onde o patibulum seria atachados através de um sistema de caixa e espiga. A pessoa crucificada seria jogada para baixo em suas costas, aumentando a dor do flagelo e juntada junto a ele. Suas mãos seriam amarradas ou pregadas na barra da cruz, pregos parece ser o instrumento preferido dos romanos. Os pregos eram afixados nos punhos para suportar o peso do corpo. Assim, o patibulum era afixado nas stipes, e os pés eram pregados ou amarrados no poste. Neste ponto, o processo da crucificação começava propriamente.

As vítimas viviam em suas cruzes por periodos que variam de 3 a 4 horas até 3 a 4 dias. O período de Jesus foi relativamente curto talvez porque já estava enfraquecido pelo flagelo, ou tinha perdido mais sangue.

Uma das marcas da cruz é a perda  da exalação passiva que fazemos milhares de vezes sem pensar. Ela é impossível para alguém preso na cruz . O peso do corpo pendurado pelos pulsos  comprime os músculos que fazem soltar o ar. Então, cada respiro de exalação só acontece após um esforço tremendo. O único modo de ganhar ar é empurrar as pernas para cima ou se colocando acima dos braços, o que causaria uma intensa agonia.

Junto de tudo isto, as funções corporais ficam descontroladas, insetos começam a se alimentar nas feridas e orificios, uma sede terrível, câimbras musculares, dores severas nos nervos dos pulsos, as feridas dos flagelos sendo cutucadas pela madeira,. Além do abuso verbal e outras ações depreciativas praticadas pelos espectadores, soldados e passantes.

Algo que devemos notar é que nos relatos dos Evangelhos, não há uma muita importância para a aflição física de Jesus na crucificação, não há detalhes disto. Talvez, os escritores queriam que nos mostrar algo ainda pior que a dor física.

REJEIÇÃO E ABANDONO

Jesus tomou sobre si mesmo o papel do último Outro. Ele permitiu ser mais baixo que a escória humana. Todos os impulsos da maldade da raça humana se focaram nele.

Há ali o grande choro de abandono: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? Que foi descrito por dois evangelistas.

Em Galatas 3:10-14, lemos sobre a morte amaldiçoada de Jesus.

10 Já os que se apoiam na prática da Lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: "Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da Lei". (cf.  Dt 27:26)
 
11 É evidente que diante de Deus ninguém é justificado pela Lei, pois "o justo viverá pela fé". ( cf. Hb 2:4)

 12 A Lei não é baseada na fé; ao contrário, "quem praticar estas coisas por elas viverá"(cf. Lv 18:5)

13 Cristo nos redimiu da maldição da Lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: "Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro". (cf. Dt 21:23b)
14 Isso para que em Cristo Jesus a bênção de Abraão chegasse também aos gentios, para que recebêssemos a promessa do Espírito mediante a fé.

Todos vivemos sob o poder da maldição de Deus, por causa da Lei que pronuncia uma maldição sobre todos os que não cumpriram seus preceitos (Dt 27:26).

A retificação, também traduzida como justificação, significa ser colocado direito. Através da Lei é impossível porque ela não se origina na fé. Fé, diferentemente da Lei, é capaz de dar vida (Lv 18:5, Hb 2:4).

Deus deve, então, retificar por si mesmo. Ele fez isto por meio de Jesus Cristo, que tomou toda a força da maldição da Lei sobre si mesmo na cruz (Dt 21:23). 

Nossa identidade agora é derivada não da observância da Lei mas do dom do Espírito através da fé em Cristo.

Algumas vezes, é objetado que um pai que deixar que seu próprio filho seja amaldiçoado e abandonado deve ser monstruoso. O pensamento trinitário é essencial aqui. O Filho e o Pai estão fazendo isto em concerto, pelo poder do Espírito. A sentença que recaiu sobre Jesus em nosso lugar, veio pelo seu próprio decreto como segunda pessoa da trindade. As obras da Trindade são indivisíveis.

Devemos entender que o Pai não está agindo contra a vontade do Filho, mas através e no Filho, cuja vontade é a mesma do Pai. 

Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 

Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus.

2Co 5:18,21

Como poderia o filho de Deus se tornar pecado? Já que Paulo entende que pecado não é o acúmulo de maus atos, mas como um poder com pulsão de morte sobre toda a raça humana, e certamente soa como se Jesus de alguma forma foi ultrapassado pelo pavor do poder do pecado. ou algo assim. Paulo faz uma diferenciação entre não tinha pecado e se fez pecado e as choca bem de perto.

Paulo não diz que Jesus nunca pecou, porque segundo Rutledge, para Paulo, pecado não é algo que alguém comete, mas é um poder pelo qual alguém pode ser preso sem ajuda na escravidão A conexão com Gálatas é de fato complexa, e não pode ser apreendida se não tivermos em mente o texto de Rm 7:5-25. 

Paulo mostra que o Pecado e a Lei são parceiros numa conspiração, envolvendo um terceiro parceiro, a Morte. 

Em Rm 7:11, Paulo descreve Pecado usando a Lei como um instrumento para lidar com a morte para a humanidade. A morte é a penalidade assinalada pela Lei de Moisés.

Quando usa Dt 21:23, Paulo omite as palavras "por Deus", para ele não é Deus, mas a maldição da Lei que condenou Jesus. Em sua morte, Jesus estava entregando-se a si mesmo ao inimigo - ao pecado, para seu aliado a lei, e seu salário, a morte - Rm 6:23, 7:8-11-.  Isto era guerra, por causa da extremidade da condição humana sob o pecado, nenhuma outra forma de morrer além da cruz retrataria o peso desse mal.

A situação de Jesus perante o julgamento romano também reflete nossa condição debaixo do pecado. Ele foi condenado, estava sem ajuda, sem qualquer poder, foi despido de sua humanidade, foi reduzido ao status de uma besta, um animal, declaro inapto para viver e merecedor de uma morte própria dos escravos (Rm 6:16-18)Na cruz, o Filho de Deus deu a si mesmo para ser escravo do pecado, condenado pela Lei, e assim, sujeito a Morte.

Ele era Deus, e tomou a forma de escravo como está em Fp 2:17. Ele esvaziou-se de toda prerrogativa, inclusive a de não ter pecado. Ele tomou a forma de escravo, literalmente, na cruz.  

Desta forma, Deus alia-se a si mesmo com a nossa alienação:

naquela época, vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. (Ef 2:12)

A Significância da Impiedade

O propósito aqui é mostrar que não somente a morte, mas o modo como aconteceu revelam o plano de Deus. Há uma profunda impiedade e vergonha que estão relacionados com a cruz. A cruz é ofensiva tanto para as pessoas religiosas, os judeus, como também para os seculares, os gregos. 


A SIGNIFICÂNCIA DA IMPIEDADE












Devemos entender o abandono da cruz dentro deste contexto, neste mesmo caminho ver 2Co 5:18,21.

Paulo entende pecado não como um acúmulo de más ações, mas como um poder sobre toda a raça humana.

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