terça-feira, julho 31, 2018

A Crucificação: A primazia da cruz


Flemming Rutledge – The Crucifixion: understanding the death of Jesus Christ


A PRIMAZIA DA CRUZ

A PREEMINÊNCIA DA NARRATIVA DA PAIXÃO NOS EVANGELHOS.
Existem diferentes aproximações em cada um dos evangelistas a respeito da morte de Jesus, contudo, há uma concordância na atenção massiva que eles dão à narrativa da paixão e a cruz.  Cada um dos evangelhos apresentam a narrativa da paixão como sua revelação climática que molda o caráter de tudo que foi descrito até então.
Marcos 2:1-4
Lucas 9:44
Mateus 13:54-57
João 9
As sequencias que descrevem a paixão são mais detalhadas que as passagens e historias anteriores.  
As três predições da paixão que estão em cada um dos quatro evangelhos oferecem uma ilustração de um método. Estas passagens chegam com uma gravidade extraordinária:
Desde aquele momento Jesus começou a explicar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse para Jerusalém e sofresse muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei, e fosse morto e ressuscitasse no terceiro dia. Mt 16:21
Estas predições, deliberadas espaçadas com intervalos nos quatro evangelhos, reunindo força e momentum como narrativas que ineroxavelmente leve para um clímax. Marcos e Joao, em particular, arranjaram seus evangelhos para não deixar duvida que a paixão é o evento principal. Por esta razão, a grande declaração do livro de Marcos é:
Quando o centurião que estava em frente de Jesus ouviu o seu brado e viu como ele morreu, disse: "Realmente este homem era o Filho de Deus! " Marcos 15:39
No Evangelho de João, vemos repetidas referencias para sua hora da glória. Ver João 8:28, 3:14,12:32.

A CRUZ COMO CENTRO CRISTÃO DO ENTENDIMENTO
O lugar da cruz na teologia cristã tem sido o assunto desde seu começo.
Ensinar sobre a cruz é algo muito difícil. Vemos isto na Segunda Carta aos Corintios, onde Paulo se esforça para renovar o evangelho. Tomar sua cruz, como Jesus nos chamou para fazer, significa uma total reorientação de nos mesmos em direção ao caminho de Cristo.
A crucificação é a pedra de toque da autenticidade cristã, que dá o real significado a tudo incluindo a ressurreição.  A ressurreição não é uma demonstração de poder divino isolada, não está desvinculada do primeiro ato. A ressurreição é a reivindicação do homem que foi crucificado. Sem a cruz como centro da proclamação cristã, a historia de Jesus pode ser tratada como outra historia de uma figura espiritual carismática. É a crucificação que marca o cristianismo como algo definitivamente distinto na historia da religião. É na crucificação que a natureza de Deus é verdadeiramente revelada. Já que a ressurreição é o poderoso trans-historico SIM para o historicamente crucificado Filho, podemos declarar que a crucificação é o evento histórico mais importante que já aconteceu. A ressurreição é um evento trans-historico plantado com uma história, não cancela a contradição e a vergonha da cruz na vida presente, ao invés disso, a ressurreição ratifica a cruz como a maneira que ela aconteceu.
A igreja de Corinto é um caso teste importante, eles pareciam incapazes de localizar corretamente a historia da cruz. Eles se colocavam ou para além da cruz como levantados da morte, super-espirituais – 1Co 2:15, 14:37-  ou abaixo da cruz, no sofrimento que estava antes dela e através dela – 2Co 12:11. Para Paulo, estes problemas eram deficiências em relação ao amor. Por isto, ele escreve o capitulo 13. Apenas na perspectiva da cruz pode a verdadeira natureza do amor cristão ser vista contrario aquilo que o mundo chama de amor.
O DESAFIO DO GNOSTICISMO PARA  TEOLOGIA DA CRUZ
Em suas muitas formas e maneiras, o gnosticismo tem sido um rival para o cristianismo.
O primeiro passo para entendermos o que seria o gnosticismo é olhar para palavra grega gnosis que significa conhecimento.  Todas as varias formas de gnosticismo estão fundadas na crença que um conhecimento privilegiado espiritual é o caminho da salvação. Esta ideia religiosa familiar não parece muito estranha, afinal, alguns diriam que até mesmo Jesus reuniu um grupo de pessoas privilegiadas que foram ensinadas em privado. A dificuldade começa com a sugestão de que estes privilégios não são para todo mundo. O que Jesus ensinava para seus discípulos foi para ser conhecido por todo mundo:
Portanto, não os temais; porque nada há encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se. O que vos digo em trevas dizei-o em luz; e o que escutais ao ouvido pregai-o sobre os telhados. Mateus 10:26,27
Gnósticos são monges do mistério, eles afirmam que sabem coisas que outras pessoas não sabem.  Paulo alertou os cristãos de Corinto: nem todos possuímos gnosis (1Co 8:7) – as referências sarcásticas para esta suposta sabedoria – 3:18,4:10,6:5- são parte de sua tentativa de corrigir a soberba gnóstica que havia naquela congregação. Ele espera vencer fazendo tola a sabedoria deste mundo. Os corintos tinham aparentemente enviado uma mensagem para Paulo dizendo que todos possuíam gnosis. Sim, Paulo replica, mas há limites para a gnosis.
Ora, no tocante às coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que todos temos ciência. A ciência incha, mas o amor edifica. E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber. Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele.  1 Coríntios 8:1-3
Paulo aqui faz duas coisas: 1. Muda a ênfase de conhecimento para amor e 2. Reverte a direção do conhecer. É Deus que tem conhecimento de nós, através do amor. (ver 1Co 13:2,8-9,12-13)
Uma leitura cuidadosa de 1Co 13 em seu contexto revela que há ali um texto anti-gnostico. O conceito todo do privilegio espiritual gnosis é colocado em questão pela iminência do dia do Senhor, os pares de agora/então apontam para a segunda vinda quando toda gnosis humana será trocada pela perfeita gnosis de Deus, aquele que nos conhece está encarnado no amor de Jesus Cristo.
A ênfase gnóstica num conhecimento esotérico tem varias ramificações. Onde há gnosticismo, haverá uma hierarquia espiritual. Isto não é sempre obvio porque muitos dos programas gnósticos prometem bem-estar, crescimento pessoal e acesso ao divino para todos, por vezes, com ênfase em mulheres e minorias e marginalizados. Mais tarde ou mais cedo, a hierarquia será conhecida, porque no gnosticismo a realidade mais alta é espiritual, então o avanço depende de alcançar os degraus espirituais.
Em 1Co 12, há uma correção contra uma certa soberba espiritual.
Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela; Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros.  1 Coríntios 12:24,25
Quando Paulo diz inferior, ele não está expressando sua opinião, mas refletindo sobre as visões gnósticas. Já que aqueles que tinham o conhecimento gnóstico se achavam vivendo num plano superior. O conceito de sofrimento redentivo no mundo tão central para a THEOLOGIA CRUCIS é estranho ao gnosticismo. Já que esta considera a realidade material não espiritual, uma conduta no mundo não poderia ser central eticamente como o é no cristianismo.
1Jo é uma carta anti-gnóstica, ela é enfática na materialidade da encarnação de Jesus – 1Jo1:1-2- busca guardar o amor como o verdadeiro texto do conhecimento de Cristo -1Jo 2:4-5, 9. E até em 1Tm 6:20 aparece a mesma ideia.

Virtualmente, toda a religião humana é gnóstica.  E suas características são:
1.       Uma ênfase no conhecimento espiritual – gnosis
2.       A conquista de uma hierarquia espiritual
3.    O menosprezo da vida física/material e um correspondente evitar das lutas éticas neste mundo material.

O gnosticismo difere do cristianismo de diversas formas, por exemplo, vários sistemas gnósticos não fazem uma clara distinção entre Deus e a humanidade, entre Deus e a criação. Então, se Jesus é filho de Deus, mas todos nós, potencialmente, também seriamos filhos de Deus. Há uma confusão entre o homem como imagem de Deus e como uma substancia igual a divina.

A declaração de Jesus que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus pode ser interpretada num sentido gnóstico como dizendo que o corpo em si mesmo é não-espiritual, mas a intenção de João é claramente anti-gnostica, o que ele quer dizer que sem ajuda o ser humano não tem naturalmente ou qualquer potencial inato para o conhecimento espiritual a não ser por dom imerecido de Deus. Alguns podem interpretar esta passagem como carne sendo sinônimo de maldade ou insignificância, o problema é que a palavra carne (sarx) nunca é usada  desta forma no Novo Testamento. Em João, carne carrega a conotação de incapacidade não maldade. O Espírito dá vida; a carne não produz nada que se aproveite (Jo 6:63). De fato, é exatamente a mesma palavrava que Jesus nos dá para comer: Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece (Jo 6:55-56).

Paulo também combateu essa depreciação da materialidade como má: 1 co 6:15-19.

Em todas as variantes gnósticas, esta a crença que o ser humano por meio de um conhecimento especial pode alcançar Deus, normalmente, negando sua natureza física.

GNOSTICISMO E A CRUZ

Em todas as suas formas, o gnosticismo nos impede de enxergar a cruz por completo. Estes ensinos religiosos que recomendam uma satisfação pessoal espiritual sem o custo da luta e do conflito. No cristianismo gnóstico, a iluminação da mente permite que se evite o sofrimento.  Nos evangelhos, o caminho para a gloria passa por um sofrimento real, pela cruz.

Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados.  Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos;  E assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na nossa carne mortal. De maneira que em nós opera a morte, mas em vós a vida.  2 Co 4:8-12

A CENTRALIDADE DA NARRATIVA DAS PAIXOES

Hoje em dia, a grande questão é a respeito da divindade de Jesus, já na igreja primitiva, a grande questão era a respeito de sua humanidade – a heresia chamada de DOCETISMO-. 

Precisamos enxergar que a cruz foi conquistada com a condição humana de Jesus, lembrando de sua dor, limitação, abandono e desespero. Assim, a igreja deve entender a si mesma como uma comunidade da cruz que sofre junto
(compaixão). 

“a distinção básica entre religião e a fé cristã é a propensão das religiões em evitar, precisamente, o sofrimento: ter luz em trevas, visão sem risco, esperança sem desespero” Douglas John Hall

Devemos lembrar que pregação da igreja primitiva estava centrada na cruz e ressurreição, que significou uma mudança no pensamento daquelas pessoas, o que a gente vê na frase “mas, agora” – 1Pe 1:12, 2:10,2:25 – Rm 3:21-22, Ef 2:11-13

É a cruz, somente a cruz que sela sua missão e ilumina e explica tudo que Jesus fez. Está consumado –João 19:30

A cruz é o novo fator na experiência humana, o ato definitivo de Deus que mudou o mundo que faz da proclamação do novo testamento algo único no mundo todo.

nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus.  1 Coríntios 1:23,24

é a tarefa do pregador manter Cristo crucificado como símbolo de loucura e escândalo, um sinal de contradição, e mostrar assim a turbulência que deve haver na alma para que a palavra seja poder de salvação. A proclamação da morte de Cristo envolve um engajamento com o Cristo ferido, o Cristo que sofre.

Quando Paulo escreve aos corintos, reprovando o modo como participavam da santa ceia, ele nos lembra que a base da unidade da igreja é a proclamação da morte do Senhor até que Ele venha – 1Co 11:26-. Discernir o corpo aqui tem um significado duplo: o corpo de Cristo crucificado dado por nós (11:24) e o corpo de Cristo como a igreja em si. Naquela situação, eles estavam negligenciando os membros mais humildes.

Nos evangelhos, vemos uma ligação ainda mais clara da ceia com a cruz como em Jo 13:1. Mesmo no modo como Lucas constrói o capitulo 22, com a conspiração dos sacerdotes e a entrada de satanás em Judas –Lc 22:2-6. O mesmo termo é usado por Paulo em 1Co 11:23-26, a noite que foi traído.
 





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