O presidente do Senado foi logo avisando que ia botar em votação o percentual obrigatório de verbas para segurança pública. Os bandidos de São Paulo devem ter tremido de medo. Assim como na educação e na saúde, o projeto é vincular uma fatia fixa do orçamento federal para segurança. Os criminosos do PCC não esperavam por essa. Com toda certeza, recuarão de seus ataques bárbaros com o rabo entre as pernas.Como em toda crise de segurança pública, está aberto o festival de propostas ornamentais sobre o tema. Quanto mais mirabolante o plano, melhor. Claro que passada a crise, assim como a do ônibus 174, a do assassinato do juiz Antonio Machado Dias (alguém ainda lembra do corregedor de Presidente Prudente?), ou a do “dia do fecha” imposto pelo tráfico ao Rio de Janeiro, essas propostas voltam todas comportadamente para suas respectivas gavetas. Mas o que vale é o efeito cênico que conseguem na hora do pânico. Aí é sucesso garantido.É confortante imaginar que um governo como o de Rosinha Garotinho vai receber mais dinheiro da União, ou seja, dos contribuintes de todo o país, para combater a insegurança. Os brasileiros já imaginam, é claro, que parte desse dinheiro possivelmente vá parar nas mãos das ONGs que ajudam o casal Garotinho a governar (em convênios de “capacitação”, “seleção de mão-de-obra”, “qualificação”, “informatização” e outros serviços etéreos). E ninguém vai estranhar se, dali, pingarem alguns trocados na campanha presidencial de Garotinho. Afinal, ninguém é de ferro e a política não pode parar por causa de meia dúzia de ônibus incendiados.O Brasil é especialmente sensível a esses gestos de obrigatoriedade orçamentária. “A partir de agora, tantos por cento das verbas federais terão que ir para a habitação popular!” Essa ninguém propôs ainda, mas certamente ganharia aplausos imediatos. Evidentemente, carimbar dinheiro não é garantia de nada. Até porque o problema é como o dinheiro público vai ser gasto, uma vez que ele pode tranqüilamente servir para enriquecer algum vendedor esperto de ambulâncias (dinheiro vinculado da saúde) ou algum pastor evangélico vendedor de fraldas geriátricas (idem). Freqüentemente, inclusive, o problema da autoridade nem é a falta de dinheiro, mas a falta de imaginação. O problema é governar. Mas aí a discussão começa a dar muito trabalho.Enquanto políticos e especialistas – o Brasil tem 190 milhões de técnicos de futebol e de especialistas em segurança pública – discutem maravilhas como intervenção do Exército nas cidades, força-tarefa, coordenação inteligente e outros fetiches, o crime continua com os pés no chão e as mãos em sua dupla mina de ouro: faturar (alto e fácil) com as drogas e receptar as melhores armas das próprias instituições de segurança pública. O monopólio dos bandidos sobre a venda de drogas está garantido pela hipocrisia dos governos e da sociedade. O derrame de armas está garantido pelos buracos negros que são as instituições de segurança.Não são muitos os homens de bem que conhecem e se envolvem a fundo com essas instituições. O juiz-corregedor Antonio José Machado Dias era um deles. Especializou-se no sistema carcerário de segurança máxima da região de Presidente Prudente, coincidentemente onde está trancada boa parte da gangue que agora pôs fogo em São Paulo. Machado Dias não vivia na estratosfera das forças-tarefa imaginárias, das propostas espetaculares de mudança da lei e da Constituição. Acreditava em mergulhar nas instituições e administrá-las, apertando parafuso por parafuso da sua engrenagem. A alta bandidagem passou maus bocados nas mãos de Machado Dias. Até conseguir eliminá-lo. O PCC já aprendeu: seu maior inimigo não são os projetos de lei voadores, os pacotões providenciais, o blablablá dos especialistas e seu mundo ideal. O inimigo são pessoas. Indivíduos como o juiz de Presidente Prudente, capacitados a entrar na batalha de táticas e contra-táticas do universo do crime. Machado Dias foi fuzilado e o Brasil não deu a menor bola. As autoridades soltaram notas burocráticas. O terror agradeceu comovido a indiferença.No enésimo fuzil desviado de um quartel do Exército para o tráfico, o governo federal resolveu dar espetáculo. Ocupações gigantescas de favelas cariocas pelas forças armadas para mostrar tolerância zero com o delito. Verificando-se o autêntico queijo suíço que são esses quartéis e outros estabelecimentos policiais, de onde as armas escorrem com alegre desenvoltura para os criminosos, reações governamentais cinematográficas como aquela ficam condenadas ao terreno do ridículo. (Vale lembrar que os tais fuzis do Exército foram devolvidos após a suspensão da ocupação, mediante provável acordo com o tráfico. Um vexame.)São Paulo e o Brasil vão continuar reféns do poder bandido enquanto preferirem discutir o sexo dos anjos em Brasília, ao invés de garantir o trabalho e a vida dos que estão realmente no front do crime – mais organizado a cada um desses arquivos vivos que consegue queimar
Por Guilherme Fiuza de Nominimo.com.br
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