“A pregação centrada em Cristo é muito mais específica do que a pregação centrada em Deus”.
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Das recentes palestras sobre “Pregando Cristo a partir das narrativas de Gênesis”.
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No início de meu ministério, preguei uma série de sermões em Eclesiastes. Um sermão após outro, um pregador aposentado me dizia: “Eu apreciei seu sermão, Sid, mas eu me pergunto: “Será que um rabino poderia ter pregado seu sermão em uma sinagoga?” Esta imagem ficou gravada nitidamente em minha cabeça. O meu sermão era distintivamente cristão? Eu tinha pregado Cristo?Hoje reconheço que mesmo com um doutorado em interpretação bíblica e pregação, eu não sabia como pregar a Cristo com integridade a partir de Eclesiastes, e eu nem estava muito preocupado em como fazê-lo. Minha maior tarefa, eu penso, era fazer justiça ao texto escolhido, e evitar distorcer as Escrituras. Não seria suficiente pregar sermões centrados em Deus? Cristo, afinal, é Deus. Mas pesquisas e reflexões posteriores me convenceram que a “pregação centrada em Cristo” é muito mais específica do que a “pregação centrada em Deus”. De acordo com o Novo Testamento, pregar a Cristo não é o mesmo que pregar a Deus de maneira geral, mas significa pregar Cristo encarnado, Jesus de Nazaré, como o clímax da revelação própria de Deus. Como João explica, “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18).
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A Necessidade de se Pregar Cristo
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A necessidade de se pregar Cristo é claramente comunicada no Novo Testamento. Em primeiro lugar, Jesus ordenou que seus discípulos pregassem sobre ele. Após sua ressurreição, Jesus ordenou a seus discípulos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19-20).Em segundo lugar, devemos pregar Jesus Cristo porque ele é o caminho da salvação. Jesus disse para Nicodemus: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). De fato, Jesus disse que ele é o único caminho da salvação. “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6; cf. Jo 17.3; At 4.12). Em terceiro lugar, deveríamos pregar explicitamente a mensagem de Jesus Cristo em nossa cultura póscristã. Na antiga cultura cristã, pregadores podiam pressupor que os seus ouvintes indistintamente iriam fazer conexões entre a mensagem do sermão e Jesus. Mas ninguém pode partir dessa hipótese em uma cultura pós-cristã. Se de alguma maneira as pessoas ainda pensam em alcançar a Deus, elas são inclinadas a pensar que existem muitos caminhos para ele. Os cristãos seguem um caminho, os judeus seguem outro, e os mulçumanos, ainda outro. No final das contas, todos se encontram no mesmo topo da montanha. Mas, se a Bíblia está correta, existe apenas um caminho até Deus: Jesus Cristo. Portanto, é crucial que em cada sermão nós explicitamente preguemos Jesus Cristo.
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O Significado de “Pregar Cristo”
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Mas o que significa “pregar Cristo?” O entendimento mais comum de “pregar Cristo” é pregar a pessoa e a obra de Cristo - a obra é costumeiramente entendida como o trabalho ungido de Jesus. Esta definição ampla é baseada no Novo Testamento. Embora Paulo tenha dito: “Nós pregamos Cristo crucificado” (1Co 1.23), suas cartas deixam claro sua igual preocupação em pregar o Cristo ressurreto (1Co 15.4), em pregar “Jesus Cristo como Senhor” (2Co 4.5), e pregar a Segunda Vinda de Jesus (1Ts 3.13-18). Mas mesmo esta definição da pregação da pessoa e/ou a obra de Jesus Cristo é muito limitada para que possamos pregar Cristo em todos os sermões com integridade. Muitos textos de sabedoria do Antigo Testamento não podem ser legitimamente ligados a pessoa ou obra de Jesus. Deveríamos acrescentar à nossa definição de “pregar Cristo” um elemento a mais: o ensino de Jesus. Em seu mandado missionário, o próprio Jesus nos ordenou que passássemos adiante seus ensinamentos: “Fazei discípulos de todas as nações..., ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.20). João reiteirou a importância do ensino de Jesus: “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho” (2Jo 9). Portanto, quando pensamos em pregar Cristo, deveríamos incluir o ensino de Cristo a respeito de tópicos tais como Deus, o reino de Deus, o próprio Jesus e sua missão, salvação, a lei de Deus, e nossa responsabilidade e missão. Em conformidade com isso, sugiro a seguinte definição: “Pregar Cristo a partir do Antigo Testamento significa pregar sermões que autenticamente integram a mensagem do texto com o clímax da revelação de Deus na pessoa, obra, e/ou ensino de Jesus Cristo como são revelados no Novo Testamento”.[1]Quando o texto contém uma promessa sobre o Messias que está por vir, os pregadores podem fazer este movimento de modo direto. Eles automaticamente relacionam a promessa com o cumprimento. Por exemplo, quando pregamos em Isaías 61, “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim,” não nos atemos apenas ao significado do texto para os ouvintes de Isaías, mas prosseguir adiante até o seu cumprimento em Jesus (Lc 4) e seu significado para os ouvintes contemporâneos. Do mesmo modo, quando pregamos que Deus redimiu Israel da escravidão do Egito, não deveríamos nos ater apenas à mensagem para Israel, mas deveríamos prosseguir adiante na história da redenção até o ato redentivo final de Deus em Jesus e em sua mensagem para a igreja aqui e agora.
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Os caminhos para a pregação de Cristo a partir do Antigo Testamento
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Estudando tanto o Novo Testamento quanto a história da pregação, cheguei a conclusão de que existem sete caminhos legítimos para relacionar o Antigo Testamento a Jesus. Eles são: (1) a progressão histórico-redentiva, (2) promessa-cumprimento, (3) tipologia, (4) analogia, (5) temas longitudinais, (6) referências neotestamentárias, e (7) contraste.[2]Se o texto pregado é o relato da criação de Gênesis 1.1-2.3, as opções estão limitadas porque o relato descreve o estado anterior a queda. Além disso, os pregadores podem chegar a Jesus através das referências do Novo Testamento: João 1.1-5 faz menção a Gênesis 1 e fala de Jesus como a Palavra de Deus pela qual todas as coisas foram criadas. João continua no verso 14, “A palavra se fez carne,” o que pode ser relacionado com Filipenses 2.6-7, onde Paulo fala de Cristo Jesus, “o qual, sendo o próprio Deus ... esvaziou-se a si mesmo tomando a forma de servo”.Se o texto bíblico fala sobre os eventos posteriores à queda como, por exemplo, a narrativa de Abel e Caim em Gênesis 4, os pregadores podem chegar até Cristo por uma variedade de caminhos:
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Pelo caminho da progressão histórico-redentiva, traçando a batalha entre a semente da serpente e a semente da mulher, a partir de Caim versus Abel, do Egito versus Israel, indo para Canaã versus Israel, para Herodes versus Jesus, para Satanás versus Jesus, para o Mundo versus a igreja, até a derrota final de Satanás (Ap 20.10) e a vitória de Cristo.
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Pelo caminho da tipologia Abel-Cristo: Abel, a semente da mulher que foi morto pela semente da serpente, é um “tipo” de Jesus Cristo, a Semente da mulher que seria morto por Satanás.
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Pelo caminho da analogia: assim como Deus assegurou a Israel que ele preservaria o seu povo da aliança na história humana (veja Gn 4.25-26), Jesus assegura sua igreja que “as portas do inferno não prevalecerão sobre ela” (Mt 16.18).
Traçando o tema longitudinal da semente da mulher a partir de Sete, a “semente” que substituiu o martirizado Abel (4.25), até Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Judá, Davi, e finalmente até Jesus Cristo, a Semente da mulher.
Usando referências neotestamentárias como Hebreus 12.24 ou João 3.11-13 como uma ponte para Cristo.
Para os textos de sabedoria do Antigo Testamento a opção pela analogia combinada com as referências neotestamentárias pode ser uma abordagem frutífera se o pregador identificar um ensino similar de Jesus, o rabi que pensava em parábolas como um homem sábio do passado. Por exemplo, ao pregar sobre “Não te fatigues para seres rico... Pois, certamente, a riqueza fará para si asas, como a águia que voa pelos céus” (Pv 23.4-5), é possível usar analogia para se chegar ao ensino similar de Jesus, “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam” (Mt 6.19). Ou, pregando em Eclesiastes com os seus freqüentes refrões sobre a vaidade, um pregador pode usar a opção do contraste: em razão da ressurreição de Jesus, a vida humana não é vaidade. Isto pode ser baseado pelas palavras finais de Paulo em seu capítulo sobre a ressurreição: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). O fato é que no contexto histórico-redentivo mais amplo é possível se fazer justiça à mensagem original do texto da pregação, e pregar a pessoa, obra e ensino de Jesus, sem distorcer as Escrituras. A pregação cristrocêntrica não se opõe à pregação teocêntrica. Se feita corretamente, a pregação cristrocêntrica expõe o verdadeiro coração de Deus.
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[1] Esta definição é de meu livro, Preaching Christ from the Old Testament (Grand Rapids: Eerdrmans, 1999), p.10.[2] Para uma explicação detalhada disto veja Preaching Christ from the Old Testament., 203-77
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Dr. Sidney Greidanus
Professor de Pregação no Calvin Theological Seminary em Grand Rapids, Michigan.Este artigo, traduzido por Adrien Bausells, foi extraído da revista Forum (primavera de 2003, p. 3-4), publicada pelo Calvin Theological Seminary.
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