sexta-feira, agosto 28, 2009

RENE GIRARD: O Bode Expiatório


2. OS ESTEREÓTIPOS DA PERSEGUIÇÃO

"As perseguições que nos interessa, se desenvolvem de prefêrencia em períodos de crise que provocam o enfraquecimento de instituições normais e favorecem a formação de multidões, isto é, de ajuntamentos populares espontâneos, suscetíveis de substituir instituições enfraquecidas ou de exercer uma pressão decisiva sobre elas" p. 19
.
"Os perseguidores acabam sempre por se convencer de que um pequeno número de indíviduos ou até mesmo um só pode tornar-se extremamente nocivo para a toda a sociedade, apesar de sua relativa fraqueza. É a acusação estereotipada que autoriza e facilita esta crença, desempenhando com toda evidência um papel mediador. Ela serve de ponto entre a pequenez do indivíduo e a enormidade do corpo social"(...) "Os membros da multidão são sempre perseguidores em potência, pois sonham purificar a comunidade de elementos impuros que a corrompem, de triadores que a subvertem. "p. 23
.
"Em todo lugar o vocabulário dos preconceitos tribais, nacionais, etc exprime o ódio, não da diferença, mas da privação. Não é o outro nomos qe se vê no outro, mas a anomalia, não é a outra norma, mas a anormalidade; o enfermo se torna disforme, o estrangeiro se torna apátrida(...) Em nossos dias, por exemplo, o anti-americanismo crê diferir de todos os preconceitos anteriores porque esposa todas as diferenças contra o vírus indiferenciador de proveniência exclusivamente americana" (p. 31).
.
"Contrariamente ao que se repete ao nosso redor, não é nunca a diferença que aborrece os perseguidores, e sim seu contrário indizível, a indiferenciação" (p. 32).
.
.
CAP. 2- O QUE É UM MITO?
.
"A cada vez que um testemunho oral ou escrito relata violências direta ou indiretamente coletivas, nós nos perguntamos se ele igualmente relata: 1. a descrição de uma crise social e cultural , ou seja, de uma indiferenciação generalizada- primeiro estereótipo, 2. crimes indiferenciadores- segundo estereótipo, 3. se os autores mencionados desses crimes possuem marcas de seleção vitimária, marcas paradoxiais de indiferenciação- terceiro estereótipo". (p.33)

quarta-feira, agosto 26, 2009


Um escritor é apenas um indivíduo em que a vaidade normal de todasas pessoas encontra-se tão exagerada que ele acha simplesmente impossívelguardá-la para si. Seu impulso invencível é o de rodopiar diante de seussemelhantes, batendo as asas e emitindo berros de desafio.”

H.L. MENCKEN

quinta-feira, agosto 20, 2009

WILLIAM FAULKNER: Enquanto Agonizo

"É por isso que ele está lá fora embaixo da janela, martelando e serrando aquele maldito caixão. Onde ela pode vê-lo. Onde todo ar que ela aspira está impregnado das marteladas e serradas onde ela pode vê-lo dizendo Veja. Veja que beleza estou fazendo para a senhora" p. 17


Em "Enquanto agonizo", Faulkner costura dezenas de monólogos de 15 pessoas para mostrar o perfil psicológico de uma família que conduz o corpo da matriarca ao cemitério. A partir de "O lugarejo", o destino dos personagens de Faulkner não é mais tão trágico. Ao menos surge alguma esperança para a condição humana como uma promessa de liberação.



Eleito uns dos cem melhores romances do século XX, Enquanto agonizo é um grandioso exemplar da linguagem e do estilo praticados pelo escritor norte-americano William Faulkner. Neste romance publicado em 1930, o autor distancia-se da aristocracia sulista americana para falar sobre a gente comum e humilde da região.


O livro acompanha o cortejo da família Bruden, reunida para cumprir o último desejo da matriarca: ser enterrada na cidade de Jefferson, condado de Yoknapatawpha, longe da miserável cidade de. Sem saber que essa viagem mudaria suas vidas, o marido e os cinco filhos partem com o caixão determinados a cumprir seu objetivo.


Durante o percurso, Faulkner apresenta ao leitor os dramas pessoais familiares, mas também a miséria do sul dos Estados Unidos. A aparente tranqüilidade da vida rural esconde as relações complexas entre os membros da família, reveladas pelo escritor de forma cativante e inovadora: cada capítulo é narrado em primeira pessoa e de forma não-linear pelos personagens, com flashbacks que vão se entrelaçando e formando um espelho da condição humana.


Enquanto Leio

do site odisséia 2005


Quem nunca comprou um produto exclusivamente por causa da marca? Inconscientemente, há a certeza de que aquele produto satisfará nossos anseios, que aquela marca representa qualidade. Para quem conhece um pouco da obra de William Faulkner, o inicio da leitura de um livro do autor se dá mais ou menos da mesma maneira: uma sensação de qualidade, de um autor que domina plenamente a capacidade de narrar. Às vezes isso pode ser até um pouco prejudicial, uma sensação de que não é preciso ficar atento às qualidades da obra, pois elas são evidentes. De fato, livros como "O Som e a Fúria", "Absalão, Absalão", "Luz em Agosto" e "Enquanto Agonizo" são constantemente citados como verdadeiras obras-primas. Mas ao prestar atenção à medida que lemos tais obras, serve para descobrir qualidades literárias que podem passar por alto.


Quando Faulkner escreveu "Enquanto Agonizo" o mundo já conhecia autores que usavam o 'stream-of-consciousness', um recurso literário bastante interessante (algo como descrever exatamente o pensamento dos personagens, com a desordem típica de um pensamento em formação). De fato, Virginia Woolf e James Joyce são autores exemplares neste tipo de escrita e são lidos e estudados até hoje. No entanto, para o leitor que não está acostumado com a atividade de 'ler' pensamentos, o recurso pode causar estranhamento. Muitos enfadados por descrições nada ordenadas - onde tempo, espaço e formas se misturam -, acabam simplesmente abandonando tais obras em busca de algo mais linear. No entanto, Faulkner em "Enquanto Agonizo" consegue oferecer o mesmo recurso literário complexo de um jeito altamente atraente, irresistível, que nos faz avançar a cada página quase que com voracidade.



"Enquanto Agonizo" tem um enredo aparentemente comum: Addie Bundren, a matriarca da família, está gravemente enferma e todos se preparam para seu funeral. Um pedido feito em seu leito de morte, faz com que os outros membros da família se preparem para viajar até Jefferson, uma cidade vizinha, onde a personagem será enterrada. A aparente simplicidade do roteiro esconde relações complexas entre todos os membros da família e a obra procura refletir isso dum modo poderoso e inovador para a época: cada capítulo da história é narrado em primeira pessoa por algum personagem. São, portanto, várias primeiras pessoas nos informando sobre o que acontece ao seu redor e (claro) em seu interior. O recurso põe em evidência assim o 'stream-of-consciousness' de maneira a enriquecer a narrativa, com um domínio que somente um mestre da literatura mundial poderia exercer.


O eixo da roda
do artigo de Silviano Santiago para folha

O eixo da roda narrativa dramatiza a agonia e morte de Addie Bundren, mulher e mãe, responsável por um único e solitário capítulo no meio do romance. Do eixo central saem e a ele retornam os raios da roda, ou seja, os 59 curtos capítulos do romance. Cada capítulo é um monólogo. Os monólogos são de responsabilidade do marido e dos cinco filhos de Addie, bem como dos vizinhos com quem mantêm laços de amizade. O todo da narrativa constitui o aro externo da roda. Eis o resumo do romance que Faulkner escreveu com a ajuda da água e do fogo. Da água que desce dos céus em chuva, fazendo transbordar o rio, derrubando pontes, isolando ainda mais o grupo social. Do incêndio com que o mais ardiloso dos filhos pretende dar por encerrado o périplo tragicômico, às vezes grotesco, do caixão até o cemitério de uma cidade vizinha. Os raios da roda se articulam ao eixo fixo central no tempo do enquanto -para se valer de palavra tomada de empréstimo ao título da obra.
Tentemos descrever essa forma do tempo mítico, circular, com a ajuda da mecânica da roda. Enquanto a mulher e mãe agoniza, morre e é enterrada, cada um dos membros da família repassa experiências que foram definitivas na sua configuração de seres humanos e por elas se deixa obsedar. No tempo do enquanto, o que é tido como superficial no calendário das pequenas ações e conversas do cotidiano passa a calar fundo graças às reminiscências. O monólogo que constitui um personagem leva água para o monjolo do outro. Na família, cada um é diferente do outro e são todos iguais. Como montar o quebra-cabeça da esquizofrenia familiar faulkneriana? Não há progresso nos 59 micromonólogos que compõem "Enquanto Agonizo". O tempo da narrativa gira sobre si mesmo como a roda na areia. Com a ajuda de Nathalie Sarraute, digamos que a mulher e mãe, semelhante ao sol, afeta a todos da família e da comunidade pelo efeito de tropismo. Tal qual plantas numa paisagem inóspita, todos os personagens reagem a ela. Dela se aproximam em busca de vida, dela se afastam em busca de autonomia e a ela retornam reconciliados com o destino. A mulher e mãe irradia uma luz feiticeira. Ao atrair, sua claridade espetaculariza vontades, desejos e devaneios. Ao refluir, revela a sordidez, a imundície e a miséria em que vivem esses camponeses do Mississippi. Addie é a força amorosa e traiçoeira que deixa à vista essa família de "white trash" (lixo branco), para usar a expressão que os negros usam para designar os brancos que se igualam a eles na pobreza. Como na novela "A Morte de Ivan Ilitch", de Tolstói, o romance exala o cheiro (catinga e perfume) da morte. Um cheiro forte, como teria dito o camponês Guerasim, alçado à condição de ajudante de mordomo, diante do urinol usado pelo patrão. Faulkner, é sabido, teve primeiro sucesso junto aos intelectuais franceses. Anos depois será reconhecido pelos compatriotas e ingleses. Tenho uma hipótese. A literatura francesa, na sua forma mais tradicional, que é a do "récit", sempre se interessou pelo monólogo longo, que no fundo nada mais é do que suporte para a prosa introspectiva (observações sobre a vida íntima pelo próprio sujeito).

Intimidade caipira

De Madame de la Fayette, no século 17, a André Gide, Albert Camus e Patrick Modiano, nos nossos dias, criou-se a tradição do monólogo ficcional francês. Na literatura francesa, cartesiana por definição, o narrador/ personagem da prosa introspectiva tem de ser inteligente, capaz de destrinchar sentimentos e emoções que constituem o sujeito no mundo, ao lado de pares cujo maior prazer é se exercitarem na perversidade e sutileza dos jogos sociais aristocratizantes.

Faulkner não tem medo de usar o monólogo quando o personagem é destituído de raciocínio lógico. Seus colegas de ofício, como Hemingway ou Steinbeck, preferem imitar a técnica do romance policial. Ambos se valem dos recursos da psicologia comportamental (behaviorista) que lhes é proposta por William James e seus seguidores. Nada de vida íntima nos romances dos expoentes da geração perdida europeizada, tudo é ação e gesto. Faulkner trata a brutalidade de outra forma. Ele é o detetive da intimidade caipira. Devassa-a para descobrir (e mostrar) seres tão complexos na sua fúria de viver quanto os citadinos.Calculem a bomba que explode nos arraiais artísticos franceses quando figuras como Valery Larbaud, tradutor de James Joyce, são levadas a defrontar com um, com vários narradores/personagens de Faulkner. Estão diante de seres ignorantes, violentos e brutos, mas ao mesmo tempo extremamente sensíveis, capazes duma fala profética e poética modelar, como é o caso, respectivamente, de Darl e Vardaman. Uma baforada de ar do campo abre as janelas e varre os salões cosmopolitas.

Como não admirar Faulkner por ter dado ao caçula dos Bundren, Vardaman, um capítulo com uma única e curta frase que, na sua verdade poética, exprime a riqueza simbólica tanto do romance imerso na chuva quanto do caixão submerso nas águas furiosas do rio. Pensa Vardaman: "Minha mãe é um peixe". É o mesmo Vardaman que faz furos no caixão para que a mãe defunta possa respirar. Como não admirar Faulkner por ter emprestado a Cash, o mestre carapina da família, uma lógica construtiva que faria inveja a muitos arquitetos diplomados. Ele idealiza e fabrica o caixão da mãe, imaginando que ele teria de ser feito "de esguelha": "O magnetismo animal de um corpo morto faz com que a pressão funcione obliquamente, de forma que as junturas e as ligações de um caixão devem ser feitas de esguelha".

Faca de dois gumes

A ignorância no universo dos personagens faulknerianos é uma faca de dois gumes. Tanto aponta para a iluminação poética de raiz mítico-religiosa como pode ainda apontar para formas inaceitáveis de violência contra o indivíduo e a sociedade.Ao tentar salvar o caixão da mãe das águas revoltosas do rio, Cash quebra uma vez mais a perna. Não recorre a médico ou farmacêutico. Deseja acompanhar o féretro da mãe até a cidade vizinha. Custe o que custar. O pai não titubeia. Compra um saco de cimento. Mistura o pó com água. Encana a perna do filho com a mistura, sem antes untá-la com gordura. Lá vai ele montado no caixão da mãe. No dia seguinte a perna de Cash parece a de um crioulo, como diz o texto. Na profundidade do equívoco assassino do pai não está a evidência da barbárie humana. Antes a vontade de curar pelos meios que estão a bordo da navegação pobre pela vida. Na vítima filial, no seu rosto e palavras resplandece a dor sem sofrimento, tema de que será arauto entre nós o cristão Mário de Andrade. À pergunta do médico: "Está doendo?", Cash responde: "Nada que não seja suportável".

terça-feira, agosto 18, 2009

HAROLD BLOOM : Como e por que ler


O auto-aperfeiçoamento é projeto suficientemente grandioso para ocupar a mente e o espírito: não existe a ética da leitura. A mente deve guardar certa cautela, até ser expurgada da ignorância original; incursões precoces pelo ativismo têm o seu fascínio, mas consomem tempo demais, e, para a leitura, jamais haverá tempo bastante. p. 15
Se buscarmos, na leitura, algo que nos diz respeito, e que pode ser por nós usado para refletir e avaliar, constataremos que esse algo, provavelmente, terá um conteúdo irônico, mesmo que muitos professores de literatura desconheçam o que seja ironia, ou onde a mesma possa ser encontrada. A ironia liberta a mente da presunção dos ideólogos, e faz brilhar a chama do intelecto. p. 24



Harold Bloom, Como e por que ler. p. 15

segunda-feira, agosto 17, 2009

CHRISTOPHER VOGLER: A Jornada do Escritor



Mas existem outras tantas histórias que levam o herói para uma jornada interior, uma jornada da mente, do coração ou do espírito. Em qualquer boa história, o herói cresce e se transforma, fazendo uma jornada de um modo de ser para outro: do desespero à esperança, da fraqueza à força, da tolice à sabedoria, do amor ao ódio, e vice-versa. Essas jornadas emocionais é que agarram uma platéia e fazem com que valha a pena acompanhar uma história. p. 33


Estágios da Jornada do Herói

1. Mundo Comum
.

A maioria das histórias desloca o herói para fora de seu mundo ordinário, cotidiano, e o introduz em um Mundo Especial, novo e estranho. É a conhecida idéia de "peixe fora d'água",
.
Os momentos iniciais são uma poderosa oportunidade para dar o tom e criar uma impressão. Você pode criar uma atmosfera, uma imagem ou uma metáfora que dará à platéia um quadro ou uma referência para viver melhor a sua obra. O enfoque mitológico da história, no fundo, é a maneira como você vai usar metáforas e comparações, a fim de transmitir seus sentimentos sobre a vida (pag. 85)
.
Um prólogo pode servir a várias funções. Poderá dar ao público uma informação essencial sobre o passado da história, poderá sugerir à platéia que tipo de filme ou história vai ser esse, ou, também, dar início à história com um impacto, e só então permitir que a platéia se acomode em seus assentos. (p. 87)
.
Outra importante função do Mundo Comum é sugerir a questão dramática da história. Toda boa história levanta uma série de perguntas sobre o herói. Será que ele vai atingir seu objetivo, superar seu defeito, aprender a lição que precisa? (p. 89)
.
Todo herói precisa de um problema interno e outro externo. (...)Personagens que não têm um problema interno parecem chatos e superficiais, por mais heróicos que sejam em suas ações. A fim de evitar essa impressão, é preciso que esses personagens tenham um problema íntimo, uma falha de personalidade ou um dilema moral, para que funcionem bem. (pág 90)
.
A primeira ação do personagem é uma magnífica oportunidade para informar uma porção de coisas sobre sua atitude, estado emocional, contexto, forças e problemas. A primeira ação deve ser um modelo da atitude característica do herói e dos futuros problemas e soluções que dela resultam. O primeiro comportamento que vemos deve ser característico, deve definir e revelar o personagem, a não ser que se queira, expressamente, iludir a platéia e esconder a verdadeira natureza dele. (p. 91)
.
o Mundo Comum estabelece um vínculo entre as pessoas e destaca alguns interesses comuns, para que seja possível o diálogo começar. De algum modo, devemos reconhecer que o herói é como nós. Num sentido muito real, uma história nos convida a entrar na pele do herói, ver o mundo com seus olhos. Como se fosse mágica, projetamos no herói uma parte de nossa consciência. Para que essa mágica funcione, é preciso que se estabeleça um vínculo forte de solidariedade ou interesse comum entre o herói e o público. (p. 92-93)
.
O Mundo Comum é o melhor lugar para se lidar com a história pregressa e a exposição. História Pregressa é o conjunto de toda informação relevante sobre o passado e os antecedentes de um personagem — aquilo que o deixou na situação de risco exposta no começo da história. Exposição é a arte de ir revelando com elegância essa história pregressa e qualquer outra informação pertinente sobre o enredo: a classe social do herói, sua formação, seus hábitos, experiências, bem como as condições sociais dominantes e as forças adversárias que podem afetá-lo. A exposição soma tudo o que a platéia precisa saber para compreender o herói e a história. Na verdade, a História Pregressa e a Exposição estão entre as maiores dificuldades de se escrever. Uma exposição desajeitada tende a congelar a história. (p. 96)
.
.
2. Chamado à Aventura
.
Apresenta-se ao herói um problema, um desafio, uma aventura a empreender. Uma vez confrontado com esse Chamado à Aventura, ele não pode mais permanecer indefinidamente no conforto de seu Mundo Comum.
.
Uma série de acasos e coincidências pode ser a mensagem que chama o herói para a aventura. Essa é a misteriosa força da sincronicidade, que C. G. Jung explorou em seus escritos. A recorrência acidental de palavras, idéias ou acontecimentos pode adquirir significado e chamar a atenção para a necessidade de ação e mudança. p. 101
.
Um Chamado à Aventura pode chegar sob a forma de uma perda ou subtração da vida do herói no Mundo Comum. (..) Em algumas histórias, o Chamado à Aventura pode ser simplesmente a total falta de opções por parte do herói. Os mecanismos de defesa deixam de funcionar, outras pessoas se enchem do herói, ou ele é encurralado num beco sem saída, de tal modo que só lhe resta mergulhar na aventura. (p. 104- 105)

.
.

3. Recusa do Chamado
Agora é a hora do medo. Com freqüência, o herói hesita logo antes de partir em sua aventura, Recusando o Chamado, ou exprimindo relutância. Afinal de contas, está enfrentando o maior dos medos — o terror do desconhecido. O herói ainda não se lançou de cabeça em sua jornada, e ainda pode estar pensando em recuar. É necessário que surja alguma outra influência para que vença essa encruzilhada do medo — uma mudança nas circunstâncias, uma nova ofensa à ordem natural das coisas, ou o encorajamento de um Mentor.
.
Geralmente, os heróis Recusam o Chamado, dando uma interminável lista de desculpas. Numa evidente tentativa de adiar o momento de enfrentar o destino inevitável, dizem que aceitariam, se não fosse por uma série premente de compromissos. Trata-se de bloqueios temporários na estrada, geralmente derrubados pela urgência da busca. (p. 108)
.
A Recusa do Chamado pode ser uma oportunidade para redirecionar o foco da aventura. Uma aventura que entrou num desvio ou necessita escapar a alguma conseqüência desagradável pode aproveitar para enfronhar-se em algo mais profundo, algo do espírito. (p. 113)

.

.

4. Encontro com o Mentor
A relação entre Herói e Mentor é um dos temas mais comuns da mitologia, e um dos mais ricos em valor simbólico. Representa o vínculo entre pais e filhos, entre mestre e discípulo, médico e paciente, Deus e o ser humano. p.37
.


Entretanto, o Mentor só pode ir até um certo ponto com o herói. Mais adiante, o herói deve ir sozinho ao encontro do desconhecido. E, algumas vezes, o Mentor tem que lhe dar um empurrão firme, para que a aventura possa seguir em frente p. 38
.
Muitas vezes não é má idéia recusar um Chamado, até que se tenha tempo para sentir-se bem preparado para tomar o rumo da "região desconhecida" que está à espera. Na mitologia e no folclore, essa preparação pode ser feita com a ajuda da figura sábia e protetora do Mentor, cujos inúmeros serviços ao herói incluem a proteção, orientação, experimentação, treinamento e fornecimento de dons ou presentes mágicos. Em seu estudo sobre os contos populares russos, Vladimir Propp chama esse tipo de personagem de "doador" ou "provedor", porque sua função exata é fornecer ao herói algo de que ele vai precisar na jornada. O Encontro com o Mentor é o estágio da Jornada do Herói em que este recebe as provisões, o conhecimento e a confiança necessários para superar o medo e começar sua aventura. (p. 114)
.
Os Mentores, nas histórias, agem, principalmente, nas mentes dos heróis, mudando a consciência ou redirecionando a vontade. Mesmo quando dão presentes físicos, os Mentores também reforçam a mente do herói, para enfrentar uma provação com confiança. Menos também significa coragem. (p. 117)
.
5. Travessia do Primeiro Limiar
O Primeiro Limiar marca a passagem do primeiro para o segundo ato. Tendo dominado seu medo, o herói resolveu enfrentar o problema e partir para a ação. Acaba de partir em sua jornada, e não pode mais voltar atrás p.38
.
Ao se aproximar do Limiar, provavelmente você vai encontrar seres que tentam impedir sua passagem. São os chamados Guardiões de Limiar, um arquétipo poderoso e útil. Podem surgir para bloquear o caminho, em qualquer ponto da história, mas tendem a ficar junto a portas, portões e desfiladeiros próximos das travessias de limiar. (p. 124)
.
6. Testes, Aliados, Inimigos
Uma vez ultrapassado o Primeiro Limiar, o herói naturalmente encontra novos desafios e Testes, faz Aliados e Inimigos, e começa a aprender as regras do Mundo Especial.
.
A função mais importante desse período de adaptação ao Mundo Especial são os testes. Os contadores de histórias usam esta fase para testar o herói, fazendo-o passar por uma série de provas e desafios, com o objetivo de prepará-lo para provações maiores que ainda virão pela frente. (p. 130)
.
Os heróis também podem fazer inimizades amargas, neste estágio. Podem encontrar a Sombra ou seus servidores. O aparecimento do herói no Mundo Especial pode chamar a atenção da Sombra, e, assim, desencadear uma série de acontecimentos ameaçadores. (p. 132)
.
Lugar de beber água

Por que tantos heróis passam por bares e saloons, neste ponto da história? A resposta está na metáfora de caça da Jornada do Herói. Ao sair do Mundo Comum da aldeia ou da caverna, muitas vezes os caçadores dirigem-se diretamente ao local de beber água, para procurar caça. Outras numerosas vezes, os predadores seguem as pegadas que as presas deixam na lama junto ao poço, quando ali vieram beber. O "lugar de beber água" é um local natural de reunião, um bom ponto para observar os outros e obter informação.A Travessia do Primeiro Limiar pode ter sido longa, solitária e seca. Os bares são lugares naturais para quem quer se recuperar, restaurar as forças (repare no nome "restaurante"), ouvir fofocas, fazer amigos, encarar Inimigos. Também nos deixam observar as pessoas sob pressão, naquele momento especial em que revelam seu verdadeiro caráter. (p.134)
.
.
.

7. Aproximação da Caverna Oculta
Finalmente, o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, onde está escondido o objeto de sua busca
Na mitologia, a Caverna Oculta pode representar a terra dos mortos. O herói pode ter que descer aos infernos para salvar a amada (Orfeu) ou a uma caverna para enfrentar um dragão e ganhar um tesouro (Sigurd, nos mitos noruegueses), ou a um labirinto para se defrontar com um monstro (Teseu e o Minotauro).
.
No caminho, encontram outra zona misteriosa, com seus próprios Guardiões de Limiar, seus próprios testes. É a Aproximação da Caverna Oculta, onde, finalmente, vão encontrar a suprema maravilha e o terror supremo. É hora dos preparativos finais para a provação central da aventura. A esta altura, os heróis são como alpinistas que já subiram até um acampamento básico, por meio dos trabalhos dos testes, e agora vão fazer o assalto final ao ponto culminante. (p.136)
.
A Aproximação reúne todos os preparativos finais para a Provação Suprema. Geralmente, traz o herói à cidadela da oposição, àquele âmago bem defendido em que terão de entrar em cena todas as lições e aliados da Jornada recebidos até agora. Novas percepções são testadas, superam-se os obstáculos finais para se chegar ao coração da aventura. Agora, a Provação Suprema pode começar. (p. 145)
.
.

8. Provação
Aqui se joga a sorte do herói, num confronto direto com seu maior medo. Ele enfrenta a possibilidade da morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil. A Provação é um "momento sinistro" para a platéia, pois ficamos em suspense e em tensão, sem saber se ele vive ou morre. O herói, como Jonas, está "no ventre da fera".
Esse é um momento crítico em qualquer história. É uma Provação em que o herói tem de morrer ou parecer que morre, para poder renascer em seguida. É uma das principais fontes da magia do mito heróico. As experiências dos estágios precedentes levaram a platéia a se identificar com o herói e seu destino. O que acontece com ele está acontecendo conosco. Somos encorajados a viver com ele esse momento de iminência de morte. Nossas emoções são temporariamente deprimidas, para poderem reviver no "quando o herói retorna da morte". O resultado desse reviver é uma sensação de entusiasmo e euforia.
.
Agora, o herói está no aposento mais profundo da Caverna Oculta, enfrentando o maior desafio e o mais temível adversário. Este, sim, é o âmago da questão, o que Joseph Campbell chamou de Provação. É a mola-mestra da forma heróica, a chave de seu poder mágico. (p.147)
.
O segredo simples da Provação é este: 05 Heróis têm que morrer para poderem renascer. O movimento dramático de que a platéia mais gosta, acima de qualquer outro, é o de morte e renascimento. De algum modo, em toda história os heróis enfrentam a morte ou algo semelhante: seus maiores medos, o fracasso de um empreendimento, o fim de uma relação, a morte de uma personalidade velha. Na maioria das vezes, os heróis sobrevivem, magicamente, a essa morte e renascem — literal ou simbolicamente — para colher as conseqüências de terem derrotado a morte. Passaram pelo teste principal, aquele que consagra um herói.
(p. 147)
.
.
A crise, não o clímax

A Provação é um dos principais núcleos nervosos da história. Muitos fios da história do herói conduzem a ela, e muitos fios de possibilidades e mudanças saem dela para um outro lado. Mas não deve ser confundida com o clímax da Jornada do Herói — este é outro centro nervoso, mais adiante, perto do fim da história (como o cérebro, na base da cauda de um dinossauro).
A Provação, geralmente, é o acontecimento central da história, ou o principal acontecimento do segundo ato. Vamos chamá-la de crise, para diferenciá-la do clímax (o grande momento do terceiro ato, que é o coroamento de toda história).
(p.148)
.
Pontos de tensão

O segundo ato é um longo trecho, tanto para o escritor como para a platéia, com duração de quase uma hora, num filme médio. Pode-se considerar uma estrutura em três atos como uma linha dramática esticada entre dois grandes pontos de tensão, os intervalos entre os atos. Como uma lona de circo apoiada em grandes postes, a estrutura está sujeita à gravidade — a diminuição da atenção do público, no tempo decorrido entre esses pontos de tensão. Uma história que não tenha um momento central de tensão pode pesar como uma lona de circo que precisa de um poste de sustentação extra no meio. O segundo ato é um estirão no seu filme, umas cem páginas no seu romance. Precisa de uma estrutura que o mantenha tenso.
A crise no meio é um divisor de águas, uma divisão continental na Jornada do Herói, que mostra que o viajante alcançou o meio da viagem. As Jornadas se arrumam, naturalmente, em redor de um acontecimento central: chegar ao topo da montanha, ao ponto mais profundo da caverna, ao coração da floresta, ao interior mais íntimo de um país estrangeiro, ao lugar mais secreto de sua própria alma. Tudo na viagem levava a esse momento, e tudo depois de tal momento será apenas a volta para casa. Pode haver ainda aventuras maiores no futuro — os momentos finais de uma viagem podem ser os mais emocionantes e memoráveis — mas toda jornada parece ter um centro, um fundo ou um pico, em algum ponto perto do meio.
A palavra "crise" — e também "crítico, criticar" — vem de uma palavra grega que significa "separar". Uma crise é um evento que separa duas metades da história. Após cruzar essa zona, muitas vezes nos limites da morte, o herói renasce, literal ou metaforicamente, e nada jamais será igual.
(p. 150)
.
As emoções humanas, ao que parece, têm certas propriedades elásticas, como bolas de basquete. Se jogadas com muita força para baixo, quicam de volta. Em qualquer história, quando você estiver tentando estimular o público, aumente seu grau de consciência, amplie as emoções. A estrutura da história age como uma bomba, para intensificar o envolvimento da platéia. Uma boa estrutura funciona através de uma diminuição e um aumento alternados da sorte do herói e, paralelamente, da emoção do público. Deprimir as suas emoções tem o mesmo efeito que segurar uma bola com força debaixo d'água. Quando a pressão é retirada, a bola pula com força para cima. As emoções deprimidas pela presença da morte podem quicar de volta, em um dado instante, a uma altura ainda não atingida antes. Isso pode se tornar a base sobre a qual você vai construir um nível ainda mais alto. A Provação é uma das "depressões" mais fundas de uma história e, portanto, leva em seguida a um dos picos mais altos. (p.152)
.
De longe, a forma mais comum de Provação é algum tipo de batalha ou confrontação com uma força oposta. Pode ser um inimigo mortal, vilão, antagonista, adversário, ou mesmo uma força da natureza. Uma idéia que, de certo modo, abrange todas essas possibilidades, é o arquétipo da Sombra. Um vilão pode ser um personagem externo mas, num sentido mais amplo, essas palavras todas representam as possibilidades negativas do próprio herói. Em outras palavras, o maior adversário do herói é sua própria Sombra.
Em geral, a Sombra representa os medos e as qualidades desagradáveis e rejeitáveis do herói — tudo aquilo de que não gostamos em nós mesmos e tendemos a projetar em outras pessoas. Essa forma de projeção é chamada de demonização. Pessoas que, às vezes, estão numa crise emocional projetam todos os seus problemas numa certa área em outra pessoa ou grupo, que passam a ser o símbolo de tudo o que odeiam ou temem em si mesmos. (p. 154)
.
Os vilões podem ser vistos como a Sombra do herói em forma humana. Por mais diferentes que sejam os valores do vilão, de alguma forma eles são um reflexo escuro dos próprios desejos do herói, aumentados e distorcidos, reflexo de seus maiores medos. (p. 155)
.
O fio de Ariadne

O fio de Ariadne é um poderoso símbolo da força do amor, da ligação quase telepática que prende as pessoas numa relação intensa. É algo capaz de puxar você, como um cabo. É algo próximo à "barra do avental" ou ao "cordão umbilical" que prende os filhos, mesmo adultos, a suas mães — são fios invisíveis, mas com força de tensão maior que a do aço.O fio de Ariadne é uma fita elástica que liga um herói às pessoas que ama. Um herói pode se aventurar bem longe, para dentro da loucura ou da morte, mas geralmente é puxado de volta por esses vínculos (p. 157)
;
.
9. Recompensa (Apanhando a Espada)
A Provação do herói pode assegurar a ele uma compreensão maior do sexo oposto, uma capacidade de ver além da aparência exterior que se transforma. E, com isso, pode levar a uma reconciliação.
O herói também pode se tornar mais atraente, em razão de ter sobrevivido à Provação. Conquistou o título de "herói" por ter corrido riscos extremos em favor de sua comunidade.
Muitas histórias têm, nessa etapa, algum tipo de cena de fogueira, onde o herói e seus companheiros reúnem-se em volta do fogo — ou equivalente — para fazer uma revisão dos acontecimentos recentes. É também uma oportunidade de dar risada e contar vantagem. É compreensível que haja alívio por terem sobrevivido à morte. Caçadores e pescadores, pilotos e navegadores, soldados e exploradores, todos gostam de exagerar seus feitos. (p. 167)
.
Um dos aspectos essenciais dessa etapa é que o herói toma posse daquilo que veio procurar. Os caçadores de tesouro pegam o ouro, os espiões roubam o segredo, os piratas ocupam o navio capturado, o herói inseguro adquire a auto-estima, o escravo passa a controlar seu próprio destino. Foi feita uma transação — o herói correu risco de vida ou sacrificou sua vida, e agora ganha algo em troca.
.
Como recompensa, o herói pode ganhar a compreensão de um mistério que o faça ver o que há por trás de uma decepção. Lidando com um parceiro camaleônico, pode conseguir ver como ele é por detrás dos disfarces, e, pela primeira vez, perceber a realidade. Apanhar a espada pode ser um momento de iluminação (p. 170)
.
Outros também podem ver o herói de modo mais claro. Podem ver na mudança do comportamento do herói sinais de que ele renasceu e agora participa da imortalidade dos deuses. Essa visão clara e total é o que, às vezes, recebe o nome de um momento de epifania, uma abrupta percepção da divindade. (p. 171)
.
.
.

10. Caminho de Volta
Mas o herói ainda não saiu do bosque. Estamos passando agora para o terceiro ato, no qual ele começa a lidar com as conseqüências de ter-se confrontado com as forças obscuras da Provação. Se ainda não conseguiu se reconciliar com os pais, os deuses, ou as forças hostis, estes podem vir furiosos ao seu encalço.
Essa fase marca a decisão de voltar ao Mundo Comum. O herói compreende que, em algum momento, vai ter que deixar para trás o Mundo Especial, e que ainda há perigos, tentações e testes à sua frente.
.
Em termos psicológicos, este estágio representa a resolução do herói de voltar para o Mundo Comum e aplicar as lições aprendidas no Mundo Especial. Pode não ser nada fácil. O herói tem motivos para supor que a sabedoria e a magia da Provação poderão evaporar à luz da vida cotidiana. Pode ser que ninguém acredite nessa sua miraculosa salvação da morte. As aventuras podem ser encaradas racionalmente pelos céticos. Mas a maioria dos heróis resolve tentar. (p. 176)
.
O Caminho de Volta é um ponto de mudança de direção, mais uma travessia de Limiar, que marca a passagem do segundo para o terceiro ato. Assim como na Travessia do Primeiro Limiar, pode haver uma mudança no objetivo da história. Uma história sobre a chegada a uma meta pode transformar-se numa história de fuga. Um foco nos perigos físicos poderá deslocar-se para os riscos emocionais. O combustível que impulsiona uma história para fora das profundezas do Mundo Especial pode ser um novo desenrolar dos acontecimentos ou uma informação que, tragicamente, redireciona a história. Na verdade, o Caminho de Volta causa o terceiro ato. Pode ser um novo momento de crise, que situa o herói numa nova estrada cheia de vicissitudes — desta vez, finais. (p. 177)
.
.
.
11. Ressurreição
Muitas vezes, este é um segundo momento de vida-ou-morte, quase uma repetição da morte e renascimento da Provação. A morte e a escuridão fazem um último esforço desesperado, antes de serem finalmente derrotadas. É uma espécie de exame final do herói, que deve ser posto à prova, ainda uma vez, para ver se realmente aprendeu as lições da Provação.
O herói se transforma, graças a esses momentos de morte-e-renascimento, e assim pode voltar à vida comum como um novo ser, com um novo entendimento.
.
Agora vem um dos trechos mais difíceis e mais desafiantes, tanto para o herói como para o escritor. Para que uma história fique completa, a platéia precisa experimentar mais um momento de morte e renascimento, parecido com a Provação Suprema, mas ligeiramente diferente. É o clímax — não a crise —, o último encontro com a morte e o mais perigoso. Os heróis precisam passar por uma purgação final, uma purificação, antes de ingressar de volta no Mundo Comum. Mais uma vez, devem mudar. O truque do escritor, nessa ocasião, deve ser explicitar a mudança em seus personagens, no comportamento e na aparência, e não apenas falar sobre ela. Os escritores precisam descobrir um modo de demonstrar que seus heróis passaram por um processo de Ressurreição. (p. 182)
.
A Ressurreição, geralmente, marca o clímax do drama. Em grego, clímax significava "escada". Para nós, que contamos histórias, é um momento explosivo, o ponto mais alto de energia, ou o último grande acontecimento de uma obra. Pode ser um duelo físico, ou uma batalha final, mas também uma escolha difícil, um clímax sexual, um crescendo musical, ou um enfrentamento altamente emocional e decisivo. (p. 187)
.

12. Retorno com o Elixir
O herói retorna ao Mundo Comum, mas a jornada não tem sentido se ele não trouxer de volta um Elixir, tesouro ou lição do Mundo Especial. O Elixir é uma poção mágica com o poder de curar. Pode ser um grande tesouro, como o Graal, que, magicamente, cura a terra ferida, ou pode, simplesmente, ser um conhecimento ou experiência que algum dia poderá ser útil à comunidade.

.

O conceito de arquétipo é uma ferramenta indispensável para se compreender o propósito ou função dos personagens em uma história. Se você descobrir qual a função do arquétipo que um determinado personagem está expressando, isso pode lhe ajudar a determinar se o personagem está jogando todo o seu peso na história. Os arquétipos fazem parte da linguagem universal da narrativa. Dominar sua energia é tão essencial ao escritor como respirar. p.46
.
.
A palavra herói vem do grego, de uma raiz que significa "proteger e servir" (aliás, o lema do Departamento de Polícia de Los Angeles). Um Herói é alguém que está disposto a sacrificar suas próprias necessidades em benefício dos outros. Como um pastor que aceita se sacrificar para proteger e servir a seu rebanho. A raiz da idéia de Herói está ligada a um sacrifício de si mesmo. (Notem que eu uso a palavra para designar um personagem central ou um protagonista, independente do seu sexo.) (pag. 49)
.
Em termos psicológicos, o arquétipo do Herói representa o que Freud chamou de ego — a parte da personalidade que se separa da mãe, que se considera distinta do resto da raça humana. Em última análise, um Herói é aquele que é capaz de transcender os limites e ilusões do ego, mas, de início, os Heróis são inteiramente ego, se confundem com o ego, o "eu", com aquela identidade pessoal que pensa que é distinta do resto do grupo. A jornada de muitos Heróis é a história dessa separação da família ou da tribo, equivalente ao sentido de separação da mãe, que uma criança vivência.
.
O propósito dramático do herói é dar à platéia uma janela para a história. Cada pessoa que ouve uma história ou assiste a uma peça ou filme é convidada, nos estágios iniciais da história, a se identificar com o Herói, a se fundir com ele e ver o mundo por meio dos olhos dele. Para conseguir fazer isso, os narradores dão a seus heróis uma combinação de qualidades que é uma mistura de características universais e únicas. (pag. 50).
.
Como qualquer verdadeira obra de arte, eles precisam, ao mesmo tempo, de universalidade e originalidade. Ninguém quer ver um filme ou ler uma história sobre qualidades abstratas em forma humana. Queremos histórias sobre gente de verdade. Um personagem real, como uma pessoa real, não é apenas um traço, mas uma combinação única de muitas qualidades e impulsos, alguns deles conflitantes. E quanto mais conflitantes, melhor.
.
Defeitos interessantes humanizam um personagem. Podemos reconhecer pedaços de nós mesmos num Herói desafiado a ultrapassar dúvidas internas, erros de pensamento, culpa ou trauma no passado, ou medo do futuro. Fraquezas, imperfeições, cacoetes e vícios imediatamente tornam um Herói ou qualquer personagem mais real e atraente. Parece que quanto mais os personagens forem neuróticos, mais as platéias gostam deles e se identificam com eles. (pag. 53)
.
O caminho dos heróis
.
Os Heróis são símbolos da alma em transformação, e da jornada que cada pessoa percorre na vida. Os estágios dessa progressão, os estágios naturais da vida e do crescimento, formam a Jornada do Herói. O arquétipo do Herói é um campo rico para ser explorado por escritores e por quem está numa busca espiritual. (p. 57)
.
.
.
.
Um arquétipo que freqüentemente encontramos nos sonhos, mitos e histórias é o Mentor— em geral, uma figura positiva que ajuda ou treina o herói. O nome que Campbell dá a essa força é Velho Sábio ou Velha Sábia. Esse arquétipo se expressa em todos aqueles personagens que ensinam e protegem os heróis e lhes dão certos dons.
.
Na anatomia da psique humana, os mentores representam o self, o deus dentro de nós, o aspecto da personalidade que está ligado a todas as coisas. O se//superior é a parte mais sábia, mais nobre, mais parecida com um deus em nós.
.
Dar presentes também é uma importante função desse arquétipo. (...)A doação de presentes, ou seja, a função de doador do Mentor, desempenha um papel importante na mitologia. Muitos heróis receberam presentes de seus Mentores, os deuses. (...) O presente ou ajuda deve ser conquistado, merecido, por meio de um aprendizado, um sacrifício ou um compromisso.
.
Os Mentores fornecem aos heróis motivação, inspiração, orientação, treinamento e presentes para a jornada. Todo herói é guiado por alguma coisa, e uma história que não reconheça isso e não deixe um espaço para essa energia estará incompleta. Quer se exprima como um personagem concreto ou como um código de conduta interno, o arquétipo do Mentor é uma arma poderosa nas mãos do escritor.
.
.
.
.
.
Todos os heróis encontram obstáculos na estrada da aventura. Em cada portão de entrada a um novo mundo há guardiões poderosos defendendo esse limiar, e ali colocados para impedir a passagem e a entrada de quem não for digno. Eles exibem ao herói uma cara ameaçadora, mas, se forem devidamente compreendidos, podem ser ultrapassados, superados, e até transformados em aliados. pag. 66
.
Esses Guardiões podem representar os obstáculos comuns, que todos nós temos que enfrentar no mundo que nos cerca: azar, preconceitos, opressão ou pessoas hostis
.
Testar o herói é a função dramática primordial do Guardião de Limiar. Quando os heróis se confrontam com uma dessas figuras, precisam decifrar um enigma, ou passar por um teste. Como a Esfinge, que apresenta um enigma a Édipo, para que ele possa continuar sua jornada, um Guardião de Limiar desafia o herói e o experimenta, em seu caminho.
.
.
.
.
.
É comum que apareça no primeiro ato uma força que traduz um desafio ao herói. É a energia do arquétipo do Arauto.
.
Os Arautos desempenham função psicológica importante, ao anunciarem a necessidade de mudança. Algo no nosso íntimo sabe quando estamos prontos para mudar, e nos envia uma mensagem. Pode ser uma figura de sonho, uma pessoa real ou uma nova idéia que encontramos.
.
Os Arautos fornecem motivação, lançam um desafio ao herói e desencadeiam a ação da história. Alertam o herói (e a platéia) para o fato de que a mudança e a aventura estão chegando.
.
O arquétipo do Arauto pode entrar em cena em praticamente qualquer ponto da história, mas é empregado com maior freqüência no primeiro ato, para ajudar a impelir o herói à aventura. Seja um chamado interior, um desenvolvimento externo ou um personagem com notícias de mudança, a energia do Arauto é necessária em quase toda história pag. 71
.
.
.
.
.
É comum que se tenha dificuldade em captar o arquétipo fugidio do Camaleão, talvez porque é de sua própria natureza estar mudando e ser instável. Sua aparência e características mudam assim que é examinado de perto. Entretanto, trata-se de um poderoso arquétipo. Entender seu funcionamento pode ser muito útil — tanto na narrativa como na vida
,
Um propósito psicológico importante do arquétipo do Camaleão é expressar a energia do animus e da anima, termos usados pelo psicólogo Carl Jung. O animus é o nome que Jung dá ao elemento masculino no inconsciente feminino, ao emaranhado de imagens positivas e negativas de masculinidade nos sonhos e fantasias de uma mulher. A anima é o elemento feminino correspondente no inconsciente masculino. Segundo essa teoria, as pessoas têm um conjunto completo tanto de qualidades femininas como de masculinas, e ambas são necessárias para a sobrevivência e o equilíbrio interno. pag. 72
.
.
.
.
.
O arquétipo conhecido como Sombra representa a energia do lado obscuro, os aspectos não-expressos, irrealizados ou rejeitados de alguma coisa. Muitas vezes, é onde moram os monstros reprimidos de nosso mundo interior. As Sombras podem ser todas as coisas de que não gostamos em nós mesmos, todos os segredos obscuros que não queremos admitir, nem para nós mesmos. As características a que renunciamos, ou que tentamos arrancar, ainda sobrevivem e agem no mundo das Sombras do inconsciente. A Sombra também pode abrigar qualidades positivas que estão ocultas ou que rejeitamos por um motivo qualquer. A face negativa da Sombra, nas histórias, projeta-se em personagens chamados de vilões, antagonistas ou inimigos. Os vilões e inimigos, geralmente, dedicam-se à morte, à destruição ou à derrota do herói. Os antagonistas podem não ser tão hostis — podem ser aliados que têm o mesmo objetivo, mas discordam do herói quanto à tática. Antagonistas e heróis em conflito são como cavalos numa parelha, que puxam em direções diferentes, enquanto vilões e heróis em conflito são como trens que avançam um de encontro ao outro, em rota de colisão. pág. 77
.
O conceito psicológico do arquétipo da Sombra é uma metáfora útil para compreendermos os vilões e antagonistas em nossas histórias, e também para captarmos os aspectos do herói que não se manifestam, ou ficam ignorados, ou ocultos.
.
.
.
.
.
O arquétipo do Pícaro incorpora as energias da vontade de pregar peças e do desejo de mudança. Todos os personagens de uma história que são principalmente palhaços ou manifestações cômicas expressam esse arquétipo. A forma especializada denominada Herói Picaresco é a figura dominante em muitos mitos e é muito popular no folclore e nos contos de fadas. p. 81
.
Podam os egos grandes demais, trazem heróis e platéias para a real. Ao provocarem nossas gargalhadas saudáveis, ajudam-nos a perceber nossos vínculos comuns, apontando as bobagens e a hipocrisia.
.

quarta-feira, agosto 12, 2009

EUGENE PETERSON: Trovão Inverso


"È compreensível que muitos se ressintam de ter que se relacionar com a igreja,quando se interessam apenas em Cristo. Ela está repleta de ambiguidades, desfigurada por crueldade e covardia, maculada por hipocrisia e sofismas, a tal ponto que muitos se enchem de aversão por ela. A religião cristã é tão suscetível ao ataque da superstição e da fraude que não é de admirar que muitos se recusem a se associar a ela e busquem Cristo por outros caminhos e em outros lugares- em sistemas gnósticos e êxtases místicos, por exemplo" p. 61
.
.
"O sacerdote apresenta Deus para nós e vice-versa. Liga o divino e o humano. Sua função não é proteger a santidade de Deus com a criação de barreiras que impeçam o acesso de humanos pecadores. Também não é proteger as fraquezas humanas do julgamento divino estabelecendo rituais como sistemas de defesa. Ele abre as passagens fechadas por medo, culpa, ignorância ou superstição para que o acesso seja livre. O sacerdote faz intermediação. Coloca-se ao nosso lado e ao lado de Deus" p. 62
.
.
NÃO podemos deixar de reconhecer o contraste entre a visão de João e da grande estatua do sonho de Nabucodonosor, que Daniel interpretou (Dn 2:31-45). Ela tinha cabeça de ouro, torso de prata, ventre e quadris de bronze, pernas de ferro, mas pés de uma mistura de ferro e barro, que não fazem boa liga. A imagem era magnifica, construída com metais fortes e preciosos, mas sua base era defeituosa. Atingida por uma pedra , ela se desfez. (...)Aquele que sobrevive e triunfa interpreta a sucessão histórica de reinos condenados ao julgamento - a imagem do sonho de Nabucodonosor-. O contexto da interpretação vai além do texto que interpreta.
O Filho de Homem, Cristo, se coloca, na visão de João, em contraste com a estátua de pés defeituosos do sonho de Nabucodonosor e em continuação ao anjo de pernas de bronze- um ser que parecia homem, que fortaleceu a Daniel - Dn10.16-. Por mais impressionante e magnifica que seja, a sucessão de reinos deste mundo assenta-se sobre uma base imperfeita. Já o de Cristo repousa sobre um fundamento tão forte quanto sua superestrutura magnifica. A base de bronze é sólida. O bronze combina o ferro, que é forte mas enferruja, com o cobre que não enferruja, mas é maleável. Na ligação, a melhor qualidade de cada um fica preservada- a força do ferro e a durabilidade do cobre. Sobre essa base repousa o governo de Cristo: o fundamento de seu poder foi testado pelo fogo. p. 63-64
.
.
.
"João destaca sete características para descrever o Filho do Homem, em arranjo simétrico. O primeiro e o último elementos: a cabeça branca e a face brilhante, são os mais importantes: perdão e bênção são a primeira e a ultima impressões. O segundo e o sexto, olhos e boca, são os órgãos do relacionamento, visão e audição são os meios principais de comunicação: Cristo mostra que Deus se relaciona conosco. O terceiro e quinto itens, pés e mão direita, os membros em par do corpo representam a capacidade - os pés concedem base sólida e mobilidade, a mão dirieta é instrumento para execução da vontade: Deus é capaz, e age em nosso favor. O quarto item, dessa série de sete, é a voz. A Voz está no centro. Todas as palavras proféticas e apóstolicas convergem para esta voz que troveja sons de amor apaixonado e de misericórdia urgente." p. 67
.
.
.
"O treinamento acontece em sete áreas: somos ensinados a amar (Éfeso), sofrer (Esmirna), falar a verdade ( Pérgamo), ser santos (Tiatira), ser autênticos (Sardes), cumprir a missão ( Filadélfia) e adorar, usando tudo para louvar a Deus e recebendo dons para servi-lo (Laodicéia)" p. 84
.
.
.
"Uma porta, apenas isso, separa o povo miserável, digno de compaixão da fartura da mesa da Comunhão. O próprio Cristo bate à porta. Com persistência e paciência, semana após semana, o convite ressoa. Vamos adorar a Deus? Abra a porta. Venha para a festa. Aceitarão eles o convite?
(...) através da porta, ele vê os membros de sua igreja reunidos na adoração no Dia do Senhor, como tinha sido costume desde o começo. A visão agora mostra a eles o significado glorioso do que fazem nos cultos dominicais" p. 91
.
.
.
"Fracasso na adoração nos relega a inclinações instáveis, ficamos à mercê de toda propaganda, sedução, engodo. Sem o culto, passamos a manipular e ser manipulados. Avançamos em pânico aterrador ou letargia enganosa e, então, ficamos alarmados por espectros e nos acalmamos com placebos" p. 92
.
.
.
"As colinas são um engano, assim como todo lugar casual ou pomposo em que as pessoas procuram um centro fácil e instantãneo. Gente que não adora vive em um enorme shopping center e avança de uma loja a outra, desperdiçando imensas quantidades de energia e fazendo infinitas incursões para atender primeiro às suas necessidades e depois a seus apetites, inclinações e fantasias. A vida se volta de repente de uma satisfação parcial para outra, interrompida apenas por fossos de decepção. o movimento se alimenta de ilusões sucessivas de que, comprando tal armário, tendo certo carro, comendo determinado alimento, ou bebendo certa bebid, a vida terá um centro e uma coerência" p. 93
.
.
.
"A adoração é como uma pedra preciosa que revela todas as cores da luz que está em nosso interior e à nossa vida e nos deixa ofuscados" p. 96

terça-feira, agosto 11, 2009

sábado, agosto 08, 2009

Richard Foster: Dízimo


"O dízimo simplesmente não é um conceito radical o bastante para incorporar a indiferença por riquezas que marca a vida no Reino de Deus. Jesus Cristo é o Senhor de todos os nosso bens, não apenas de dez por cento. É possível obedecer a lei do dízimo sem lidar com o pecado da avareza, sentir que nosso pagamento mensal obedece à nova lei de Jesus e jamais cria raízes na cobiça e na ganância. É possível dar o dízimo e, ao mesmo tempo, oprimir os pobres e necessitados...

(p. 81)


"O aspecto mais traiçoeiro do ministério da contribuição é a falsa sensação de poder que ele proporciona....Uma importante sensação gerada pelo dinheiro é a de poder, temos nas mãos o futuro deste projeto ou daquela causa, e os outros sabem disso. Pior ainda, nós sabemos disso. O orgulho espiritual ergue sua horrenda cabeça no omento em que começamos a pensar que estamos no comando e acender os holofotes. O processo degenerativo continua até que vejamos nascer outro pseudo-salvador" p. 190