O SACRIFÍCIO DE
SANGUE
O motivo do sacrifício e, especialmente, um sacrifício de
sangue é central para a historia da nossa salvação através de Jesus Cristo, e
sem este tema a proclamação cristã perde muito do seu poder.
Algumas referencias do Novo Testamento a respeito:
At 20:28
Cl 1:19-20
1Pe 1:18-19
Hb 13:11-12
Olhando para estas passagens como representativa de muitas
outras, podemos ver que o motivo não é descartável. Se removermos o sacrifício,
perdemos o coração de tudo isto.
O SANGUE DE CRISTO COMO METÁFORA
Uma razão para a reação contra o motivo sacrificial é
claramente o literal. Para a cultura
moderna, isto parece de mau gosto, politicamente incorreto, etc. Entretanto,
não devemos ter uma leitura exclusivamente literal, devemos ver o poder
metafórico que há ali.
No Novo Testamento, ao invés de se ater ao aspecto físico,
mas ele é entendido quanto aos seus efeitos, sua significância interna, a
conquista de Jesus.
Hebreus é um bom exemplo. O autor, conhecido por seu
tratamento do tema do sacrifício, não
fica preocupado com os detalhes do sacrifício do Antigo Testamento. Uma
compreensiva e fluida imaginação trabalha ali. Os motivos do Antigo Testamento
são combinados num modo completamente novo. A ideia geral é suficiente. O ponto
saliente era que Deus, conhecendo que os israelitas não podiam se aproximar
dele enquanto eles estão na culpa, proveu os meios para eles viverem em sua
presença. Uma outra vida, sem manchas, foi oferecida. O sangue aspergido de um
animal ofertado pelo sacerdote como meio para obter remissão do pecado.
Em Romanos 5:9-10, Paulo diz pelo seu sangue como sinônimo
da morte de Jesus. Em 1Co 5:7, ele diz que Cristo é o nosso cordeiro pascoal
que foi sacrificado. Em 1Co 10:16, fala de nossa participação no sangue de
Cristo.
No Novo Testamento, as referencias para o sangue de Cristo
são três vezes mais frequentes que as da morte de Cristo. Por séculos, o
sistema sacrificial de Israel preparado para o povo de Deus para entender que
sem o derramamento de sangue não existe perdão dos pecados (Hb 9:22).
Em suas próprias palavras, Jesus se refere ao seu
sacrifício, este é o meu sangue que é derramado por muitos (Mc 14:24). O
testemunho bíblico consiste de muitos temas e muitas variações e não há duvida que a morte de Jesus deve ser
interpretada como sacrifício pelo pecado.
O sangue de Cristo não é uma descrição do acontecimento
físico no Golgota. É uma metominia ou sinédoque- o uso de uma ideia por outra,
ou parte pelo todo, para alargar seu significado.
O SANGUE: VIDA OU MORTE?
Existe uma grande debate sobre se o sangue representa vida
ou morte.
Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho
dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas; porquanto é o
sangue que fará expiação pela alma. Levítico 17:11
Outras passagens sustentam que a vida de cada criatura está
no sangue dela – Gn 9:4, Dt 12:23. O argumento é que o sangue significa derramamento
da vida. Isto se torna quase que um artigo de fé para muitos estudiosos. Nesta
visão, o elemento essencial na morte sacrificial é o derramamento da vida.
Morte é quase que incidental no processo que busca obter sangue. O assunto aqui
é de extrema importância. Se toda a ênfase é na doação da vida de Jesus, então
ficamos sem uma explicação dele ter sido abandonado ou estar sobre alguma
maldição, que é um dos aspectos mais profundos da crucificação. É claramente
correto dizer que a essência do sacrifício de Cristo é a doação de sua vida,
mas a insistência destes estudiosos nos deixa longe de outros assuntos como
representação, substituição, propriciação, sofrimento vicário.
A divisão entre vida e morte é desnecessária, as duas ideias
estão presentes no sacrifício.
O CONCEITO DE SACRIFICIO
Algo de valor é deixado
O proposito é obter um bem maior
Quando vemos Jesus, ele toma sobre si o papel sacerdotal,
oferecendo sacrifício em ir deliberadamente para Jerusalem onde sabia que a
morte o aguardava. Ele então permite que tomem a si mesmo como sacrifício,
recusando em resistir, e dando a si mesmo, ele mesmo se torna o sacrifício.
A OFERTA PELO PECADO EM LEVITICO
O motivo bíblico do sacrifício ofertado para Deus é um tema maior nos Testamentos.
Precisamos lembrar que os códigos de Levitico foram dados
para o povo de Deus para viver num território estrangeiro. O que foi verdade
para o povo de Israel na maioria da historia bíblica. O período quando estiveram
em casa foi de todo breve. Isto ainda é verdade para os cristãos, ou deveria
ser, porque o povo de Deus sempre esta mal situado, vivemos como exilados num território
cercado por deuses estrangeiros. A igreja deveria sempre tem um senso de ser
numa terra estranha, e se não sentirmos esta tensão, não estamos sendo
realmente igreja: Ai dos que vivem sossegados em Sião (Amós 6:1).
O código sagrado começa no capitulo 18 de Levítico, o código
foi desenhado para diferenciar o povo de Deus do povo da Babilonia e das outras
terras da Diáspora. Essa diferenciação tem um proposito: a comunidade santa é
para ser uma testemunha perpetua de Deus (1 Co 8:5).
Disse o Senhor a Moisés: "Diga o seguinte aos
israelitas: Eu sou o Senhor, o Deus de vocês. Não procedam como se procede no
Egito, onde vocês moraram, nem como se procede na terra de Canaã, para onde os
estou levando. Não sigam as suas práticas. Pratiquem as minhas ordenanças,
obedeçam aos meus decretos e sigam-nos. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês. Obedeçam
aos meus decretos e ordenanças, pois o homem que os praticar viverá por eles.
Eu sou o Senhor. Levítico 18:1-5
Santidade cuja raiz significa viver separadamente. O proposito
de viver separado é para glorificar a Deus no meio de uma cultura pagã. O único
modo que isto poderia ser feito é por um modo distinto de viver. O povo de Deus
adere a um diferente modo de existir no mundo, um que proclama o verdadeiro
Deus contra os muitos deuses e muitos senhores que Paulo fala a igreja de
Corinto.
Esta distinção não significa desdém pelas pessoas em volta:
O estrangeiro residente que viver com vocês será tratado
como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram
estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês. Levítico 19:34
A separação não é um encorajamento para um senso de
superioridade do povo de Deus, é Deus que é superior e não seus servos.
Em Levítico 1:3, lemos: “Se
o holocausto for de gado, oferecerá um macho sem defeito. Ele o apresentará à
entrada da Tenda do Encontro para que seja aceito pelo Senhor”.
A pressuposição básica aqui é que não somos aceitos perante
Deus do modo como somos, existe uma distancia entre a santidade de Deus e a
pecaminosidade humana que é assumida por um sacrifício.
As instruções no começo de Levitico dizem que o adorador
deve ofertar um macho sem defeito, ele deve apresentar a porta da Tenda do Encontro
para que seja aceito pelo Senhor, e porá a mão sobre a cabeça do animal do holocausto
para que seja aceito como propiciação em seu lugar (Lv 1:3-4).
O colocar das mãos tem o efeito de declarar que o animal
será o representante vicário do adorador. Há uma clara sugestão da substituição.
De alguma forma, o animal toma o lugar da pessoa que precisa do perdão e da restituição.
O sangue do animal substituto é recebido como reparação ou para cobrir o pecado:
Em paralelo: "Para a ordenação de Arão e seus filhos,
faça durante sete dias tudo o que lhe mandei. Sacrifique um novilho por dia
como oferta pelo pecado para fazer propiciação. Purifique o altar, fazendo
propiciação por ele, e unja-o para consagrá-lo. Durante sete dias faça
propiciação pelo altar, consagrando-o. Então o altar será santíssimo, e tudo o
que nele tocar será santo. Êxodo 29:35-37
As provisões para a oferta pelo pecado começam no capitulo 4.
Há menções tanto individuais como coletivas. Havendo o sacrifício de sangue, os
pecados serão perdoados. Há uma pressuposição fundamental colocado em Lv 3,
sobre a necessidade de reparação para o pecado. O pecado não pode ser
simplesmente perdoado e deixado de lado como se nada tivesse ocorrido. Mesmos
aqueles que são querer (Lv 4:2,13,22,27)
A ideia básica da reparação é que o pecado tem um custo. Alguma
coisa de valor deve ser oferecida em restituição. A vida do animal sacrificado
representa este pagamento (Hb 9:22). O sangue representa o maior custo para o
doador.
O sacrifício de Cristo não foi uma reação de Deus para o
pecado, mas um movimento original e inerente de Deus para si mesmo. É da própria
natureza do próprio Deus ofertar a si mesmo sacrificialmente.
O BODE EXPIATÓRIO E O DIA DA EXPIAÇÃO EM LEVITICO.
Levitico 16 tem duas descrições do Dia da Expiação. Há uma versão
curta (Lv 16:6-10) e uma longa (11-28).
Na longa, há dois bodes, um para ser morto e outro para ser levado para
fora.
"Então sacrificará o bode da oferta pelo pecado, em
favor do povo, e trará o sangue para trás do véu; fará com o sangue o que fez
com o sangue do novilho; ele o aspergirá sobre a tampa e na frente dela. Assim fará propiciação pelo Lugar Santíssimo
por causa das impurezas e das rebeliões dos israelitas, quaisquer que tenham
sido os seus pecados. Fará o mesmo em favor da Tenda do Encontro, que está
entre eles no meio das suas impurezas. Levítico 16:15,16
"Quando Arão terminar de fazer propiciação pelo Lugar
Santíssimo, pela Tenda do Encontro e pelo altar, trará para a frente o bode
vivo. Então colocará as duas mãos sobre a cabeça do bode vivo e confessará
todas as iniqüidades e rebeliões dos israelitas, todos os seus pecados, e os
porá sobre a cabeça do bode. Em seguida enviará o bode para o deserto aos
cuidados de um homem designado para isso.
Levítico 16:20,21
O novilho e o bode da oferta pelo pecado, cujo sangue foi
trazido ao Lugar Santíssimo para fazer propiciação, serão levados para fora do
acampamento; o couro, a carne e o excremento deles serão queimados com fogo. Levítico
16:27
Há dois tipos de animais aqui, um que é oferecido pelo
pecado e outro que é o bode expiatório. Temos muitas dificuldades em relacionar
os dois com Jesus, já que nenhum deles é um cordeiro, Jesus nunca foi chamado
de o bode de Deus. Mesmo o autor de Hebreus, diz por cima que o sangue de
touros e bodes eram usados como oferta pelos pecados.
Para Rutledge não podemos fazer um caso claro de Jesus como
bode expiatório no Novo Testamento.
Para alguns, Jesus
seria um antítipo do bode expiatório, reconhecendo que ele foi o inocente em
quem projetamos todos os nossos anseios e medos. Jesus realmente entrou nos
nossos pecados, assim funcionando como um bode expiatório que é enviado para o
deserto ou fora do arraial carregando o fardo do pecado para ser assaltado
pelos poderes demoníacos.
Rutledge cita Girard e James Alison, o mecanismo expiatório é
a transferência do pecado de alguém para uma vitima inocente, o termo é
derivado de Lv 16:20-22. Trata-se de um fenômeno universal humano
O sacrifício consiste
em descarregar sobre um bode expiatório, vítima inocente e indefesa, os ódios e
tensões acumulados que ameaçavam romper a unidade social. Estes ódios e
tensões, por sua vez, surgem da impossibilidade de conciliar os desejos
humanos. A razão desta impossibilidade reside no caráter mimético do desejo:
cada homem não deseja isto ou aquilo simplesmente porque sim, porque é bonito,
porque é gostoso, porque satisfaz alguma necessidade, mas sim porque é desejado
também por outro ser humano, cujo prestígio cobre de encantos, aos olhos do
primeiro, um objeto que em si pode ser inócuo, ruim, feio ou prejudicial. O
mimetismo é o tema dominante da literatura, assim como o sacrifício do bode
expiatório é o tema dominante, se não único, da mitologia universal e do
complexo sistema de ritos sobre o qual se ergue, aos poucos, o edifício
político e judiciário. A vítima é escolhida entre as criaturas isoladas,
inermes, cuja morte não ofenderá uma família, grupo ou facção: ela não tem
vingadores, sua morte portanto detém o ciclo da retaliação mútua. Mas a paz é
provisória. Por um tempo, a recordação do sacrifício basta para restabelecê-la.
Nesta fase a vítima sacrificial se torna retroativamente objeto de culto, como
divindade ou herói cultural. Ritualizado, o sacrifício tende a despejar-se
sobre vítimas simbólicas ou de substituição: um carneiro, um boi. Quando o
sistema ritual perde sua força apaziguante, renascem as tensões, espalha-se a
violência que, se não encontrar novas vítimas sacrificiais, leverá tudo ao caos
e à ruína. A sociedade humana ergue-se assim sobre uma violência originária,
que o rito ao mesmo tempo encobre e reproduz. (OLAVO DE CARVALHO, Girard: a revolução).
O TEMA DO SACRIFICIO NA EPÍSTOLA AOS HEBREUS
Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante
a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote
misericordioso e fiel com relação a Deus e fazer propiciação pelos pecados do
povo. Porque, tendo em vista o que ele
mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão
sendo tentados.
Hebreus 2:17,18
O papel assinado para Cristo é o do sumo sacerdote. A morte
de Cristo é identificada como um sacrifício na mesma linha dos sacrifícios do
Antigo Testamento, mas com diferenças tão
grandes que são incomparáveis, tanto em relação ao sacerdote como ao sacrifício:
Hb 4:15- Cristo é diferente dos antigos sacerdotes, não tem
pecado
Hb 7:16- Cristo é o
sumo sacerdote não por causa de ancestrais terrenos
Hb 7:23-26 – Cristo nunca morrerá e sempre está em sacerdócio
intercedendo
Hb 8:6-7 – Cristo representa uma melhor aliança – Jr.
31:31-34
Hb 9:24- Cristo não entra num santuário feito com mãos, mas
no próprio ceu – 8:2, 10:1
Hb 10:3-4,12- Cristo não precisa oferecer sacrifícios diários,
ele ofertou-se para todo o tempo uma vez só – 7:27, 9:25-26
Hb 10:11-12- Cristo é o sacrifício eficaz e poderoso
Hb 9:12-14- Cristo não está na oferta de animais, mas do seu
próprio sangue.
A palavra uma vez por todas (ephapax) é repetida 4 vezes em Hebreus
(7:27,9:12,9:26, 10:10). O evento único da crucificação é totalmente
suficiente.
Em sua obediência e autosacrificio, Cristo abole as
primeiras ofertas pelo pecado, aqueles em que Deus não tinha prazer (10:6). Na morte
sacrificial de Jesus, o sacerdote e a vitima se tornam um.