quarta-feira, setembro 26, 2018

A CRUCIFICAÇÃO: O SACRIFICIO DE SANGUE


O SACRIFÍCIO DE SANGUE

O motivo do sacrifício e, especialmente, um sacrifício de sangue é central para a historia da nossa salvação através de Jesus Cristo, e sem este tema a proclamação cristã perde muito do seu poder.
Algumas referencias do Novo Testamento a respeito:
At 20:28
Cl 1:19-20
1Pe 1:18-19
Hb 13:11-12
Olhando para estas passagens como representativa de muitas outras, podemos ver que o motivo não é descartável. Se removermos o sacrifício, perdemos o coração de tudo isto.
O SANGUE DE CRISTO COMO METÁFORA
Uma razão para a reação contra o motivo sacrificial é claramente o literal.  Para a cultura moderna, isto parece de mau gosto, politicamente incorreto, etc. Entretanto, não devemos ter uma leitura exclusivamente literal, devemos ver o poder metafórico que há ali.
No Novo Testamento, ao invés de se ater ao aspecto físico, mas ele é entendido quanto aos seus efeitos, sua significância interna, a conquista de Jesus.
Hebreus é um bom exemplo. O autor, conhecido por seu tratamento do tema  do sacrifício, não fica preocupado com os detalhes do sacrifício do Antigo Testamento. Uma compreensiva e fluida imaginação trabalha ali. Os motivos do Antigo Testamento são combinados num modo completamente novo. A ideia geral é suficiente. O ponto saliente era que Deus, conhecendo que os israelitas não podiam se aproximar dele enquanto eles estão na culpa, proveu os meios para eles viverem em sua presença. Uma outra vida, sem manchas, foi oferecida. O sangue aspergido de um animal ofertado pelo sacerdote como meio para obter remissão do pecado.
Em Romanos 5:9-10, Paulo diz pelo seu sangue como sinônimo da morte de Jesus. Em 1Co 5:7, ele diz que Cristo é o nosso cordeiro pascoal que foi sacrificado. Em 1Co 10:16, fala de nossa participação no sangue de Cristo.
No Novo Testamento, as referencias para o sangue de Cristo são três vezes mais frequentes que as da morte de Cristo. Por séculos, o sistema sacrificial de Israel preparado para o povo de Deus para entender que sem o derramamento de sangue não existe perdão dos pecados (Hb 9:22).
Em suas próprias palavras, Jesus se refere ao seu sacrifício, este é o meu sangue que é derramado por muitos (Mc 14:24). O testemunho bíblico consiste de muitos temas e muitas variações  e não há duvida que a morte de Jesus deve ser interpretada como sacrifício pelo pecado.

O sangue de Cristo não é uma descrição do acontecimento físico no Golgota. É uma metominia ou sinédoque- o uso de uma ideia por outra, ou parte pelo todo, para alargar seu significado.
O SANGUE: VIDA OU MORTE?
Existe uma grande debate sobre se o sangue representa vida ou morte.
Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas; porquanto é o sangue que fará expiação pela alma. Levítico 17:11
Outras passagens sustentam que a vida de cada criatura está no sangue dela – Gn 9:4, Dt 12:23. O argumento é que o sangue significa derramamento da vida. Isto se torna quase que um artigo de fé para muitos estudiosos. Nesta visão, o elemento essencial na morte sacrificial é o derramamento da vida. Morte é quase que incidental no processo que busca obter sangue. O assunto aqui é de extrema importância. Se toda a ênfase é na doação da vida de Jesus, então ficamos sem uma explicação dele ter sido abandonado ou estar sobre alguma maldição, que é um dos aspectos mais profundos da crucificação. É claramente correto dizer que a essência do sacrifício de Cristo é a doação de sua vida, mas a insistência destes estudiosos nos deixa longe de outros assuntos como representação, substituição, propriciação, sofrimento vicário.
A divisão entre vida e morte é desnecessária, as duas ideias estão presentes no sacrifício.

O CONCEITO DE SACRIFICIO
Algo de valor é deixado
O proposito é obter um bem maior
Quando vemos Jesus, ele toma sobre si o papel sacerdotal, oferecendo sacrifício em ir deliberadamente para Jerusalem onde sabia que a morte o aguardava. Ele então permite que tomem a si mesmo como sacrifício, recusando em resistir, e dando a si mesmo, ele mesmo se torna o sacrifício.
A OFERTA PELO PECADO EM LEVITICO
O motivo bíblico do sacrifício ofertado para  Deus é um tema maior nos Testamentos.
Precisamos lembrar que os códigos de Levitico foram dados para o povo de Deus para viver num território estrangeiro. O que foi verdade para o povo de Israel na maioria da historia bíblica. O período quando estiveram em casa foi de todo breve. Isto ainda é verdade para os cristãos, ou deveria ser, porque o povo de Deus sempre esta mal situado, vivemos como exilados num território cercado por deuses estrangeiros. A igreja deveria sempre tem um senso de ser numa terra estranha, e se não sentirmos esta tensão, não estamos sendo realmente igreja: Ai dos que vivem sossegados em Sião (Amós 6:1).
O código sagrado começa no capitulo 18 de Levítico, o código foi desenhado para diferenciar o povo de Deus do povo da Babilonia e das outras terras da Diáspora. Essa diferenciação tem um proposito: a comunidade santa é para ser uma testemunha perpetua de Deus (1 Co 8:5).

Disse o Senhor a Moisés: "Diga o seguinte aos israelitas: Eu sou o Senhor, o Deus de vocês. Não procedam como se procede no Egito, onde vocês moraram, nem como se procede na terra de Canaã, para onde os estou levando. Não sigam as suas práticas. Pratiquem as minhas ordenanças, obedeçam aos meus decretos e sigam-nos. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês. Obedeçam aos meus decretos e ordenanças, pois o homem que os praticar viverá por eles. Eu sou o Senhor.  Levítico 18:1-5
Santidade cuja raiz significa viver separadamente. O proposito de viver separado é para glorificar a Deus no meio de uma cultura pagã. O único modo que isto poderia ser feito é por um modo distinto de viver. O povo de Deus adere a um diferente modo de existir no mundo, um que proclama o verdadeiro Deus contra os muitos deuses e muitos senhores que Paulo fala a igreja de Corinto.
Esta distinção não significa desdém pelas pessoas em volta:
O estrangeiro residente que viver com vocês será tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês. Levítico 19:34
A separação não é um encorajamento para um senso de superioridade do povo de Deus, é Deus que é superior e não seus servos.
Em Levítico 1:3, lemos: “Se o holocausto for de gado, oferecerá um macho sem defeito. Ele o apresentará à entrada da Tenda do Encontro para que seja aceito pelo Senhor”.

A pressuposição básica aqui é que não somos aceitos perante Deus do modo como somos, existe uma distancia entre a santidade de Deus e a pecaminosidade humana que é assumida por um sacrifício.
As instruções no começo de Levitico dizem que o adorador deve ofertar um macho sem defeito, ele deve apresentar a porta da Tenda do Encontro para que seja aceito pelo Senhor, e porá a mão sobre a cabeça do animal do holocausto para que seja aceito como propiciação em seu lugar (Lv 1:3-4). 
O colocar das mãos tem o efeito de declarar que o animal será o representante vicário do adorador. Há uma clara sugestão da substituição. De alguma forma, o animal toma o lugar da pessoa que precisa do perdão e da restituição. O sangue do animal substituto é recebido como reparação ou para cobrir o pecado:
Em paralelo: "Para a ordenação de Arão e seus filhos, faça durante sete dias tudo o que lhe mandei. Sacrifique um novilho por dia como oferta pelo pecado para fazer propiciação. Purifique o altar, fazendo propiciação por ele, e unja-o para consagrá-lo. Durante sete dias faça propiciação pelo altar, consagrando-o. Então o altar será santíssimo, e tudo o que nele tocar será santo. Êxodo 29:35-37
As provisões para a oferta pelo pecado começam no capitulo 4. Há menções tanto individuais como coletivas. Havendo o sacrifício de sangue, os pecados serão perdoados. Há uma pressuposição fundamental colocado em Lv 3, sobre a necessidade de reparação para o pecado. O pecado não pode ser simplesmente perdoado e deixado de lado como se nada tivesse ocorrido. Mesmos aqueles que são querer (Lv 4:2,13,22,27)
A ideia básica da reparação é que o pecado tem um custo. Alguma coisa de valor deve ser oferecida em restituição. A vida do animal sacrificado representa este pagamento (Hb 9:22). O sangue representa o maior custo para o doador.
O sacrifício de Cristo não foi uma reação de Deus para o pecado, mas um movimento original e inerente de Deus para si mesmo. É da própria natureza do próprio Deus ofertar a si mesmo sacrificialmente.

O BODE EXPIATÓRIO E O DIA DA EXPIAÇÃO EM LEVITICO.
Levitico 16 tem duas descrições do Dia da Expiação. Há uma versão curta (Lv 16:6-10) e uma longa (11-28).  Na longa, há dois bodes, um para ser morto e outro para ser levado para fora.
"Então sacrificará o bode da oferta pelo pecado, em favor do povo, e trará o sangue para trás do véu; fará com o sangue o que fez com o sangue do novilho; ele o aspergirá sobre a tampa e na frente dela.  Assim fará propiciação pelo Lugar Santíssimo por causa das impurezas e das rebeliões dos israelitas, quaisquer que tenham sido os seus pecados. Fará o mesmo em favor da Tenda do Encontro, que está entre eles no meio das suas impurezas. Levítico 16:15,16
"Quando Arão terminar de fazer propiciação pelo Lugar Santíssimo, pela Tenda do Encontro e pelo altar, trará para a frente o bode vivo. Então colocará as duas mãos sobre a cabeça do bode vivo e confessará todas as iniqüidades e rebeliões dos israelitas, todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do bode. Em seguida enviará o bode para o deserto aos cuidados de um homem designado para isso.  Levítico 16:20,21
O novilho e o bode da oferta pelo pecado, cujo sangue foi trazido ao Lugar Santíssimo para fazer propiciação, serão levados para fora do acampamento; o couro, a carne e o excremento deles serão queimados com fogo. Levítico 16:27

Há dois tipos de animais aqui, um que é oferecido pelo pecado e outro que é o bode expiatório. Temos muitas dificuldades em relacionar os dois com Jesus, já que nenhum deles é um cordeiro, Jesus nunca foi chamado de o bode de Deus. Mesmo o autor de Hebreus, diz por cima que o sangue de touros e bodes eram usados como oferta pelos pecados.
Para Rutledge não podemos fazer um caso claro de Jesus como bode expiatório no Novo Testamento.
Para alguns,  Jesus seria um antítipo do bode expiatório, reconhecendo que ele foi o inocente em quem projetamos todos os nossos anseios e medos. Jesus realmente entrou nos nossos pecados, assim funcionando como um bode expiatório que é enviado para o deserto ou fora do arraial carregando o fardo do pecado para ser assaltado pelos poderes demoníacos.
Rutledge cita Girard e James Alison, o mecanismo expiatório é a transferência do pecado de alguém para uma vitima inocente, o termo é derivado de Lv 16:20-22. Trata-se de um fenômeno universal humano

O sacrifício consiste em descarregar sobre um bode expiatório, vítima inocente e indefesa, os ódios e tensões acumulados que ameaçavam romper a unidade social. Estes ódios e tensões, por sua vez, surgem da impossibilidade de conciliar os desejos humanos. A razão desta impossibilidade reside no caráter mimético do desejo: cada homem não deseja isto ou aquilo simplesmente porque sim, porque é bonito, porque é gostoso, porque satisfaz alguma necessidade, mas sim porque é desejado também por outro ser humano, cujo prestígio cobre de encantos, aos olhos do primeiro, um objeto que em si pode ser inócuo, ruim, feio ou prejudicial. O mimetismo é o tema dominante da literatura, assim como o sacrifício do bode expiatório é o tema dominante, se não único, da mitologia universal e do complexo sistema de ritos sobre o qual se ergue, aos poucos, o edifício político e judiciário. A vítima é escolhida entre as criaturas isoladas, inermes, cuja morte não ofenderá uma família, grupo ou facção: ela não tem vingadores, sua morte portanto detém o ciclo da retaliação mútua. Mas a paz é provisória. Por um tempo, a recordação do sacrifício basta para restabelecê-la. Nesta fase a vítima sacrificial se torna retroativamente objeto de culto, como divindade ou herói cultural. Ritualizado, o sacrifício tende a despejar-se sobre vítimas simbólicas ou de substituição: um carneiro, um boi. Quando o sistema ritual perde sua força apaziguante, renascem as tensões, espalha-se a violência que, se não encontrar novas vítimas sacrificiais, leverá tudo ao caos e à ruína. A sociedade humana ergue-se assim sobre uma violência originária, que o rito ao mesmo tempo encobre e reproduz. (OLAVO DE CARVALHO,  Girard: a revolução).

O TEMA DO SACRIFICIO NA EPÍSTOLA AOS HEBREUS
Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus e fazer propiciação pelos pecados do povo.  Porque, tendo em vista o que ele mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz de socorrer aqueles que também estão sendo tentados. 
Hebreus 2:17,18
O papel assinado para Cristo é o do sumo sacerdote. A morte de Cristo é identificada como um sacrifício na mesma linha dos sacrifícios do Antigo Testamento, mas com diferenças  tão grandes que são incomparáveis, tanto em relação ao sacerdote como ao sacrifício:
Hb 4:15- Cristo é diferente dos antigos sacerdotes, não tem pecado
Hb  7:16- Cristo é o sumo sacerdote não por causa de ancestrais terrenos
Hb 7:23-26 – Cristo nunca morrerá e sempre está em sacerdócio intercedendo
Hb 8:6-7 – Cristo representa uma melhor aliança – Jr. 31:31-34
Hb 9:24- Cristo não entra num santuário feito com mãos, mas no próprio ceu – 8:2, 10:1
Hb 10:3-4,12- Cristo não precisa oferecer sacrifícios diários, ele ofertou-se para todo o tempo uma vez só – 7:27, 9:25-26
Hb 10:11-12- Cristo é o sacrifício eficaz e poderoso
Hb 9:12-14- Cristo não está na oferta de animais, mas do seu próprio sangue.
A palavra uma vez por todas (ephapax) é repetida 4 vezes em Hebreus (7:27,9:12,9:26, 10:10). O evento único da crucificação é totalmente suficiente.
Em sua obediência e autosacrificio, Cristo abole as primeiras ofertas pelo pecado, aqueles em que Deus não tinha prazer (10:6). Na morte sacrificial de Jesus, o sacerdote e a vitima se tornam um.

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