quinta-feira, maio 06, 2004

Uma cabeça no prato e famílias sendo degoladas.



Desenvolvendo uma ideia do livro “O Bode Expiatório” de René Girard quero aproveitar a semana do Dia das Mães e falar da importância dela, dos pais como modelos de imitação para aqueles que ainda não sabem nada, que tem neles o primeiro ideal de vida.

Girard desenvolve sua teoria no episódio da degolação de João Batista em Mc 6,17-29 e estabelece ligações com a passagem que Cristo diz em Mateus 18,5-6: “E aquele que receber uma criança como esta por causa do meu nome, recebe a mim. Caso alguém escandalize um destes pequeninos que crêem em mim, melhor será que lhe pendurem ao pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar”.

A criança tem naqueles que estão por derredor delas, modelos de bondade e de maldade que elas irão seguir ou padronizar por toda vida, assim como os alunos têm nos mestres os moldes da sabedoria e da maldade.

Em Marcos, temos uma família construída sobre um adultério, sobre a cova de um irmão e um profeta que escandaliza, que serve de pedra de tropeço para que essa “família real” viva feliz para sempre. Herodes mandara acorrentar João Batista por que esse opunha a união dele com a irmã de seu irmão morto, Filipe (Mc 6,17-18). Heroídes, incapaz de dar plena felicidade ao novo amado via em João Batista, a causa da infelicidade e não no seu pecado, quando estamos numa situação de pecado, a igreja sempre parece um mal, e aqueles que falam a verdade de nossa situação são as pessoas a serem evitadas, pessoas a serem esquecidas da consciência, pessoas que queríamos “matar mas não podemos” (Mc. 6,19) pois o Espírito Santo sempre está nos lembrando do pecado por mais que não queremos.

Herodes, aquele que tem poder para exterminar João Batista está ainda confuso e sente prazer na verdade ainda apesar de toda sua situação pecaminosa, Herodes ainda não negou a verdade por completo, ele precisa ter ofuscamento pleno da luz numa multidão e numa situação aparentemente inocente para que possa revelar qual é realmente o desejo de seu coração.

Eis que surge a filha de Heriades, a canalizadora dos desejos paternais, aquela que vai assumir em si as maldades que tanto tempo vem sendo cultivadas naquele seio familiar, por isso, Cristo diz, aquele que escandalizar um desses pequeninos será pendurada sobre o pescoço uma pesada mó, o desejo do pecado dos pais se tornará a corda mais apertada sobre o pescoço, e revela toda a imundícia que é a família.

A filha dança perante o rei e seus convidados ilustres, fascinado pela dança da menina, ele oferta a ela o que foi ofertado a Ester, mas agora a conseqüência não será mais a salvação, mas a perdição de toda a família, ele oferece a menina metade do reino ou qualquer outra coisa.

Ela é uma criança, não tem desejos a não ser aqueles que são lhe dados, então, ela não sabe o que pedir ao rei Herodes, corre a mãe, que não tem outro objeto de desejo no coração senão a morte do profeta, eis o que ela pede a cabeça do profeta, pede a sua morte.

A filha não só compreende o pedido, como o aumenta com uma maldade incapaz ded ser imaginada pelos pais, de ser o objeto do pedido não apenas a morte, mas literalmente a cabeça mesma ser servida num prato. Na filha não há qualquer filtro de consciência, ela simplesmente aprendeu o mal, por isso ela toma a maldade como literal, o mal é toda realidade que ela conhece e deseja, os conflitos paternos não existem para ela. Ela não conhece a bondade do profeta, apenas conhece que ele é um empecilho para a felicidade egoística da mãe.

Muitas vezes, a maldade dos pais não é diluída e desaparece nos filhos, ela toma proporções maiores, a corda pesa mais e mais, o a satisfação que o pecado não tem fim até que venha a morte que se banaliza e entorpece mais ainda as mentes das crianças (o prato).

Como acabar com esse crescimento? A semente do mal deve ser precipitada nas profundezas do mar( Mt 18,6) para que lá não semeia nada a não ser esquecimento.

Contudo, Herodes no meio da multidão acata o pedido da menina mesmo que triste. A multidão, lembra Girard, tem um papel importante porque quanto mais indeferenciado estamos, mais a nossa violência dos nossos pecados que parece a nossos olhos sumir no meio de tanta gente são revelados.

A lição é o aquilo que a mãe e o pai deseja é importantíssimo para a vida familiar, pois aquele desejo é que vai alimentar o filho, é aquela esperança de felicidade que vai mover a família e dizer se ela está colocando uma corda sobre o pescoço dos filhos apressando a morte deles ou colocando-os com os olhos fitos naquele que devemos receber em nosso lar que é Cristo (Mt.6,5), a criança deve ser recebida como Cristo, aquele que é a Verdade (I Co 13,6) e Amor(I Co 13,13), numa família onde a justiça, paz e alegria são as bases, lá será o Reino de Deus( Rm 14,17) e o Reino de Deus é o lugar onde Cristo pode ser recebido. Se os pais precisam de modelo familiar, lembre-se de S. Paulo “Sede meus imitadores, como eu mesmo sou de Cristo”(I Co 11,1), afinal Cristo também é o Caminho.