domingo, novembro 29, 2009

ADÉLIA PRADO: O poeta ficou cansado


O poeta ficou cansado


Pois não quero mais ser Teu arauto.

Já que todos têm voz,

por que só eu devo tomar navios

de rota que não escolhi?

Por que não gritas, Tu mesmo,a

miraculosa trama dos teares,

já que Tua voz reboa

nos quatro cantos do mundo?

Tudo progrediu na Terra

e insistes em caixeiros-viajantes

de porta em porta, a cavalo!

Olha aqui, cidadão,

repara, minha senhora,

neste canivete mágico:

corta, saca e fura,

é um faqueiro completo!

Ó Deus,

me deixa trabalhar na cozinha,

nem vendedor nem escrivão,

me deixa fazer Teu pão.

Filha, diz-me o Senhor,

eu só como palavras.


(Adélia Prado, Oráculos de maio)

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