domingo, dezembro 27, 2009

RENE GIRARD: A violência e o Sagrado


O SACRIFÍCIO


"a própria violência vai deixá-las de lado, assim que o objeto inicialmente visado sair de seu alcance e continuar a provocá-la. A violência não saciada procura e sempre acaba por encontrar uma vítima alternativa" p. 14
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CAIM E ABEL
"Só é possível ludibriar a violência fornecendo-lhe uma válvula de escape, algo para devorar. Talvez seja este, entre outros, o significado da história de Caim e Abel. O texto bíblico oferece uma única precisão sobre os dois irmãos. Caim cultiva a terra e oferece a Deus os frutos de sua colheita. Abel é um pastor e sacrifica os prmogênitos de seu rebanho. Um dos irmãos mata o outro, justamente o que não dispõe deste artifício contra violência, o sacríficio animal. Esta diferença entre o culto sacrificial e o culto não-sacrificial é na verdade inseparável do julgamento de Deus em favor de Abel. Dizer que Deus acolhe favoravelmente os sacríficios de Abel, o que não ocorre com as oferendas de Caim, é redizer em outra linguagem, a do divino, que Caim mata seu irmão, ao passo que Abel não o mata".p. 17
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"A substituição sacrificial pressupõe um certo desconhecimento. Enquanto permanece vivo, o sacrifício não pode tornar explícito o deslocamento no qual se baseia. Mas eletambém não pode esquecer completamente nem o objeto inicial, nem o deslizamento realizado deste objeto para a vítima realmente imolada" p. 18
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"O sacrifício polariza sobre a vítima os germens de desavença espalhados por toda parte, dissipando-os ao propor-lhes uma saciação parcial" p.21
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"O princípio da substituição sacrificial baseia-se na semelhança entre as vítimas atuais e as vítimas potenciais, e essa condição pode ser perfeitamente preenchida, quando, nos dois casos, trata-se de seres humanos. O fato de que algumas sociedades tenham sistematizado a imolação de certas categorias de seres humanos com o objetivo de proteger as outras categorias não tem nada de supreendente" p. 25
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"O desejo de violência é dirigido aos próximos; mas como ele não poderia ser saciado às suas custas sem causar inúmeros conflitos, é necessário desviá-lo para a a vítima sacrificial, a única pode ser abatida sem perigo, pois ninguém irá desposar sua causa" (...) Os homens obtem tanto mais exito na eliminação da violência quanto mais este processo de eliminação não for reconhecido como seu, mas sim como um imperativo absoluto, como a ordem de um deus cujas exigências são tão terríveis quanto minuciosas. O pensamento moderno, ao expulsar completamente o sacríficio para fora do real, continua a ignorar sua violência" p.27
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"A vingança constitui portanto um processo infinito, interminável. Quando a violência surge em um ponto qualquer da comunidade, tende a se alastrar e a ganhar a totalidade do corpo social, ameaçando desencadear uma verdadeira reação em cadeia, com consequencias rapidamente fatais em sua sociedade de dimensões reduzidas. A multiplicação das represálias coloca em jogo a própria existência da sociedade. Por este motivo, onde quer que se encontre, a vingança é estritamente proibida" p.28
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"O sacrifício oferece ao apetite de violência , que a vontade ascética não consegue saciar, um alívio sem dúvida momentâneo, mas indefinidamente renovável, cuja eficácia é tão sobejamente reconhecida que não podemos deixar de levá-la em conta. O sacrifício impede o desenvolvimento dos germens de violência, auxiliando os homens no controle da vingança" (...) A hipotese que levantamos confirma-se: é as sociedades desprovidas de sistema judiciário, e por isso mesmo ameaçãdas pela vingança que o sacrifício e rito em geral devem desempenhar um papel essencial. Mas é incorreto afirmar que o sacrifício subtitui o sistema judiciário. Em primeiro lugar, porque é impossível substituir algo que com certeza nunca existiu, e em seguida porque, na ausência de uma renúncia voluntária e unânime a quqlquer violência, o sistema judiciário é insubstituível em seu domínio". p.32
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Nas sociedades primitivas não exite, entre a não-violência e a violência , o freio automático e onipotente de instituições que nos determinam tão mais intensamente quanto mais seu papel é esquecido (...) O religioso primitivo domestica a violência, regulando-a, ordenando-a e canalizando-a para utilizá-la contra qualquer forma de violência propriamente intolerável. em um ambiente geral de não-violência e apraziguamento. Ele define uma estranha combinação de não-violência e violência. p.34
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O sistema judiciário racionaliza a vingança, conseguindo dominá-la e limitá-la a seu bel-prazer . Ele a manipula sem perigo , transformando-a em uma tecnica extremamente eficaz de cura e secundariamente de prevenção da violência" p. 36

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