O EVANGELHO E OS POBRES.
Dr. Timothy Keller
Nosso compromisso individual e corporativo com o Evangelho deve motivar a ministrar para o pobre e o marginalizado que estão pertos.
1. O papel do Evangelho no ministério para o pobre.
Ser compromissado com a primazia do evangelho significa primeiro, que o evangelho deve ser proclamado. Muitos, hoje em dia, denigram a importância disto, ao invés, insistem que a única verdadeira apologética é uma comunidade amorosa. Pessoas não podem ser persuadidas pelo Reino, eles dizem que elas só podem ser amadas. Não obstante a comunidade cristã ser uma testemunha fundamental e poderosa para a verdade do evangelho, ela não pode substituir a pregação e proclamação. Segundo, o primado do evangelho significa que o evangelho é base e mola propulsora para a prática cristã, individualmente ou coletivamente, dentro da igreja ou fora dela. O ministério do evangelho não é apenas a proclamação para as pessoas para que elas o aceitem e creiam; são também ensino e pastoreio dos crentes para que então suas vidas sejam moldadas. Um das coisas mais proeminentes que o evangelho afeta é nosso relacionamento com o pobre.
Não conheço melhor introdução ao chamado do evangelho para ministrar os pobres do que o discurso de Jonathan Edwards chamado “Christian Charity”[1]. De acordo com Edwards, dar e cuidar do pobre são cruciais, é um aspecto não opcional de como viver o evangelho. Ele colocar dois argumentos básicos para fundamentar esta posição.
Acreditando que o evangelho nos moverá para darmos ao pobre.
Edwards repetidamente mostra como um entendimento “das leis do evangelho” – o padrão e lógica do evangelho- vão inevitavelmente nos mover para o amor e ajuda ao pobre. Enquanto Edwards acredita que o mandamento para dar ao pobre é uma implicação do ensino que todos os seres humanos são feitos a imagem de Deus[2], ele acredita que a mais importante motivação para doar ao pobre é o evangelho: doar ao pobre “é especialmente razoável, considerando nossas circunstâncias, debaixo de tamanha dispensação da graça que é o evangelho”[3]
Um dos textos chaves para o qual Edwards volta-se para levantar seu ponto é 2 Coríntios 8:8-9. Quando Paulo pede generosidade financeira para com o pobre, ele aponta o auto-esvaziamento de Jesus e vividamente o descreve como se tornando pobre para conosco, tanto literalmente quanto espiritualmente, na encarnação e na crucificação. Edwards nota que a introdução de Paulo “eu não estou mandando vocês… para vocês conhecerem a graça do nosso Senhor Jesus Cristo” é significante, implica que se alguém apreende verdadeiramente a expiação substitutiva, este alguém será profundamente generoso para com os pobres. A única forma para Jesus tirar-nos da nossa pobreza espiritual e nos deixar ricos espiritualmente foi ele deixar sua riqueza espiritual e entrar na pobreza espiritual. Isto deve se tornar o padrão das nossas vidas: doar nossos recursos e entrar na necessidade então aqueles que estão precisando terão os recursos. Paulo também deixa implícito que todos os pecadores salvos pela graça vão olhar para os pobres deste mundo e sentir que de alguma forma estão olhando no espelho. A superioridade vai embora.
Outro texto de Edwards foca mais uma vez em Gálatas 6:1-10, especialmente no versículo dois, que nos exorta a carregar o fardo uns dos outros[4]. Estes fardos, pelo menos parcialmente, são materiais e financeiros, por que Gálatas 6:10 nos fala para fazer o bem a todos os homens, especialmente os da fé. Edwards entende que fazer o bem quer significar a doação de uma ajuda prática para pessoas que precisam de comida, abrigo e ajuda financeira. Nós devemos compartilhar nosso amor e força sentimental com aqueles que estão se afundando no sofrimento; nós dividimos dinheiro e posses com aqueles que estão em crise financeira. Contudo, o que Paulo quer dizer quando ele diz que carregar os fardos completaria a lei de Cristo (Gl 6:2)? Edwards chama isto de “as regras do evangelho”[5]. Richard Longenecker chama isto de princípios prescritivos decorrentes do coração do evangelho[6].
Se for o Evangelho que está nos movendo, nossa doação para o pobre será significante, notável e sacrifical. Aqueles que dão para os pobres a partir de um desejo de cumprir uma prescrição moral sempre farão o mínimo. Se nós damos para os pobres apenas por que Deus diz para fazer, a próxima questão deverá ser o quanto nós damos para ficarmos livres da obrigação? Esta atitude não é moldada pelo evangelho. Na última parte do seu discurso, Edwards cita a objeção “vocês dizem que devo ajudar os pobres, mas eu temo que eu não tenho nada para repartir”, a esta, ele responde: “em muitos casos, nós podemos, pelas regras do evangelho, ser obrigados a dar para os outros, quando não podemos fazê-lo sem que custe para nós mesmos… e também o quanto é regulado pela lei de carregar o fardo uns dos outros é cumprido? Se nós não somos obrigados a aliviar o fardo dos outros, quando poderíamos fazer isto sem sobrecarregar a nós mesmos, então o quanto nós devemos carregar o fardo de nossos próximos, quando nós não iremos carregar nenhum fardo?[7]
O argumento de Edwards é que se a base do nosso ministério para os pobres é simplesmente uma prescrição moral, coisas podem ser diferentes. Mas, se base do nosso envolvimento com o pobre são as regras do evangelho, ou seja, sacrifício substitutivo, então nós devemos ajudar os pobres mesmo quando nós achamos que não damos conta. Edwards faz este blefe e diz “O que você quer dizer é que você não pode ajudar sem sacrificar-se e trazendo sofrimento para você. Contudo, esta é forma como Jesus tirou você do seu fardo! E este é modo como nós devemos ministrar para os outros com seus fardos”.
Edwards toma duas outras objeções: “eu não quero ajudar esta pessoa, porque ela é mal humorada e tem um espírito ingrato, e acredito que esta pessoa trouxe pobreza à sua vida devido as suas faltas”. Este é um problema permanente em ajudar os pobres. Nós todos queremos ajudar as pessoas carinhosas, levantar pessoas cuja pobreza veio sem qualquer contribuição delas e que irão responder com gratidão e alegria à nossa ajuda. Francamente, não existe ninguém assim. E enquanto isto é importante que nossa ajuda para os pobres socorra eles e não crie uma dependência. Edwards fez uma pequena obra sobre esta objeção e, de novo, apela não muito para as prescrições éticas, mas, mais para o evangelho em si.
Cristo nos amou, foi gentil conosco, e estava buscando nos aliviar, mesmo nós que éramos maus e odiosos, com uma disposição má, não merecíamos nenhum bem... Então nós devemos querer ser gentis para aqueles que tem uma disposição ruim, e são muito indignos….
se eles estão deixando a desejar por causa de uma preguiça viciosa ou prodigalidade, ainda assim, não estamos dispensados de todo da obrigação de aliviá-los, a menos que continuem nos vícios. Se não continuar nos vícios, a regras do evangelho nos direciona a perdoá-los… (Para) Cristo que nos amou, teve pena de nós, e grandemente se despojou para nos aliviar da necessidade e miséria que nós levamos a nós mesmos pela nossa própria loucura e maldade. Nós insensatamente e perversamente jogamos fora estas riquezas que nos foram fornecidas, nas quais poderíamos ter vivido e sermos felizes por toda eternidade[8].
MINISTRAR AOS POBRES É UM SINAL CRUCIAL QUE NÓS ACREDITAMOS NO EVANGELHO.
Edwards também lida com um conjunto de textos que mostra o nosso cuidado e preocupação com apenas com os pobres a partir do julgamento de quem Deus é. Mateus 25:34-46, a famosa passagem ensina que as pessoas serão aceitas ou condenadas por Deus no último dia dependendo de como elas trataram os famintos, os desabrigados, os imigrantes, os enfermos e os presos. Será que isso contradiz com o ensinamento de Paulo de que somos salvos pela fé em Cristo, e não por nossas obras?
Para responder a isto, Edwards refere-se ao Antigo Testamento, em que dar aos pobres era uma marca essencial da bondade. O famoso versículo de Miquéias 6:8, requer que as pessoas de Deus façam justiça, amem a misericórdia, e andem humildemente com seu Deus. Edwards conclui que isto requer que uma pessoa piedosa deve se envolver com os pobres.[9] Bruce Waltke diz que tanto promover a justiça quanto amar a misericórdia significa ser gentil para o oprimido e marginalizado e ser ativo em ajudar as pessoas que estão financeiramente e socialmente mais fragilizadas[10]. Contudo, esta ênfase não é limitada ao Velho Testamento. O cuidado com o pobre é uma coisa tão essencial, que sua falta não pode consistir num amor verdadeiro com Deus (1Jo 3:17-19)[11]. A partir disto (2Co 8:8), Edwards conclui que sendo justo e misericordioso não é uma razão meritória pela qual Deus nos vai aceitar[12]. Ao invés disto, sendo justo e misericordioso para com os pobres é um sinal inevitável que o fazedor tem uma fé justificadora e graça no coração.
O princípio é, portanto, que uma sensível consciência social e uma vida derramada em atos de serviço para os necessitados são um inevitável resultado da verdadeira fé. Por atos de serviço, Deus pode distinguir o verdadeiro amor de uma mera tarefa (cf. Is. 1:10-17). Em Mateus 25, Jesus se identifica com os pobres (“quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”), isto pode ser comparado com Provérbios 14:31 e 19:17, em que nos é dito ser graciosos aos pobres é emprestar ao próprio Deus, e pisar nos pobres é pisar no próprio Deus. Isto significa que, no dia do julgamento, Deus pode dizer que a atitude do coração da pessoa para com Ele é a atitude do coração da pessoa para com os pobres. Se houver dureza, indiferença, ou superioridade, isto contradiz o farisaísmo de um coração que não abraça realmente a verdade de que somos salvos pela graça.
II. O Relacionamento da proclamação do Evangelho com o ministério com os pobres.
Embora seja óbvio que a Bíblia ensina a ministrar aos pobres, pessoas debatem a identidade dos doadores e recebedores de tal ministério e como a igreja deveria se engajar nisto.
Para quem?
Deus deu a Israel muitas leis a respeito da responsabilidade social que deveriam ser realizadas coletivamente. O pacto comunitário obrigava a dar aos membros pobres até que a necessidade dele ou dela terminasse (Dt. 15:8-10). Os dízimos ia para os pobres (Dt. 14:28-29). Aos pobres, não era para ser dadas esmolas, mas, fornecer ferramentas, grãos (Dt. 15:12-15), e terra (Lv. 25), para que se tornasse produtivo e pudesse prover seu próprio sustento e serem cidadãos auto-suficientes. Mais tarde, os profetas condenaram a insensibilidade de Israel aos pobres como uma quebra da aliança. Eles ensinaram que gastar desnecessariamente e ignorar a pobreza eram pecados tão repugnantes como a idolatria e adultério (Am. 2:6-7). Misericórdia para com o pobre era uma evidência de um verdadeiro comprometimento com Deus (Is. 1:10-17; 58:6-7; Am. 4:1-6; 5; 21-24). O exílio de setenta anos foi uma punição por falhar em observar o Sabbath e os anos do Jubileu (2Cr. 36:20-21), em que os ricos deveriam cancelar os débitos.
Contudo, isto era com Israel. E o que dizer sobre a igreja? A igreja reflete a justiça social da velha comunidade da aliança, mas com maior vigor e poder da nova era. Cristãos, também, são chamados para abrir suas mãos para os necessitados na medida das suas necessidades (1Jo. 3:16-17 cf. Dt. 15:7-8). Dentro da igreja, a riqueza é para ser compartilhada entre os ricos e os pobres (2Co 8:13-15, cf. Lv. 25). Os apóstolos ensinaram que a verdadeira fé é demonstrada através das obras de misericórdia (Tg. 2:1-23). Materialismo foi condenado como um pecado grave (1Tm 6:17-19;Tg. 5:1-60. Uma classe especial de oficiais- diáconos- foi estabelecida para coordenar o ministério de misericórdia da igreja. Nós não devemos ficar surpresos, então, que os dois primeiros grupos de líderes da igreja eram os líderes da palavra (apóstolos) e os líderes de obras (os “diakonoi” de Atos 6).
Outras questões permanecem. Mesmo que se reconheça que a congregação como um todo (assim como os indivíduos dentro dela) é dada aos pobres, a maioria das referências bíblicas sobre dar se colocam no âmbito da comunidade cristã, isto é, o cuidado com os crentes. Alguns concluem que individualmente, o cristão deve estar envolvido com todos os tipos de pessoas pobres, e a igreja deveria confinar seu ministério com os pobres apenas as pessoas da igreja. Contudo, tanto Israel (Lv. 19:33-34), como a comunidade da nova aliança (1Tm 5:10; Hb. 13:2) são encaminhadas para mostrar hospitalidade para com os estrangeiros e os estranhos, que não pertencem à comunidade cristã. Da mesma forma, o principal impulso de Jesus nos famosos textos da parábola do bom samaritano (Lc. 10:25-37) é que o ministério da misericórdia não deveria ser confinado a comunidade da aliança, mas, também ampliado para os que estão fora dela. De novo, em Lucas 6:32-36, Jesus exortou seus discípulos a exercer o ministério de obras para os ingratos e maus, reproduzindo o padrão da graça de Deus, que faz a chuva cair e o sol brilhar sobre o justo e o injusto (Mt. 5:45). Talvez, a passagem mais importante é a breve declaração de Paulo em Gálatas 6:10(escrita para ser lida para o corpo da igreja, e não apenas para indivíduos), que expressamente estabelece uma lista de prioridades no ministrar às necessidades práticas e materiais. Primeiro de tudo, nós ministramos para “os da família da fé” e depois para todas as pessoas sem levar em conta as distinções de etnia, nacionalidade ou crença.
Como?
A seguir, estão alguns pontos de ajuda lembrando que o relacionamento do ministério de misericórdia com evangelismo dentro do contexto da igreja.
Evangelismo é distinto. A igreja modernista do começo do século vinte reduziu o ministério do evangelho para uma ética e ação social. Contudo, isto contradiz o mandamento bíblico para proclamar o evangelho. Isto nega o evangelho da graça através dos atos salvíficos de Deus na história e trocando-o por boas obras e crescimento moral. No evangelho social, o evangelismo desaparece. Em reação ao movimento de evangelho social, muitas igrejas permaneceram profundamente suspeitas sobre muita ênfase em achar um lugar para ministrar aos pobres.
Pela luz do material bíblico, muitos hoje procuram um certo tipo de equilíbrio. De um lado, alguns dizem que nós devemos fazer misericórdia e justiça apenas se isto ajudar-nos a trazer pessoas para a fé em Cristo[13]. Isto não parece se encaixar com a parábola do bom samaritano de Jesus, que nos chama para cuidar daqueles que são ingratos e maus (Lc. 6:35). O caminho de meio-para-um-fim abre os cristãos para uma carga de manipulação: ao invés de amar realmente as pessoas livremente, nós estamos ajudando apenas aqueles que ajudam a si mesmos e aumentando nossos próprios números. Uma das grandes ironias desta aproximação é que ela mina a si mesma. Eu tenho sabido de muitos ministros que avaliam seus ministérios de misericórdia pelo número de convertidos ou membros de igreja que eles produzem. O sociologo Robert Putnam caracteriza tal iniciativa eclesiástica como uma igreja centrada em colar capital social (ou seja, excluindo pessoas) de capital social, que é o oposto a uma ponte centrada na comunidade que seria inclusiva de capital social[14]. Isto é, o ministério destes tipos de igrejas não é realmente planejado para construir sua vizinhança, mas apenas para expandir a igreja. É fácil ver como esta abordagem talvez seja percebida como tribal e auto-centrada, doa-se apenas para ter algo em troca (Lc. 6:32-35).
Por outro lado, outros tais como John Stott vê o evangelismo e a preocupação social como parceiros iguais:
“Ação social é parceira do evangelismo. Como parceiros, os dois pertencem um ao outro, e ainda, são independentes um do outro. Cada um permanece sobre seu próprio pé, eu seu lado certo ao lado do outro. Nem é um meio para o outro, ou mesmo uma manifestação do outro. Para cada um existe um fim em si mesmo”[15]. Este pensamento parece desprender o ministério de misericórdia muito do ministrar para o mundo. Isto abre a possibilidade de que o ministério com os pobres poderia ficar por si mesmo sem a pregação do evangelho. Eu proponho algo diferente: uma relação assimétrica, mas, inseparável.
Evangelismo é mais básico que ministrar para os pobres. Evangelismo deve ser visto como a vanguarda do ministério da igreja no mundo. Deve ser uma prioridade no ministério da igreja. É obvio que, salvar uma alma perdida e alimentar um estômago faminto são ambos os atos de amor, um tem um efeito infinitamente maior que o outro. Em 2Coríntios 4:16-18, Paulo fala da importância do fortalecimento do homem interior como do exterior, a natureza física é envelhecimento e decadência. Evangelismo é o ministério mais básico e radical possível para um ser humano, não porque o espiritual é mais importante que o físico, mas porque a eternidade é mais importante que o temporal (Mateus 11:1-6, João 17:18, 1João 3:17-18).
Ministrar aos pobres é inseparavelmente conectado ao evangelismo. Nós todos sabemos o ditado “Nós somos salvos pela fé, mas a fé não fica sozinha’. Fé o que nos salva, e ainda fé é inseparavelmente conectada com boas obras. No ministério de Jesus, curar o doente e alimentar o faminto são inseparáveis do evangelismo (João 9:1-7,35-41). Seus milagres não eram simplesmente uma demonstração nua e crua do seu poder, que visavam provar sua qualidade sobrenatural, mas, demonstrações do reino vindouro (Mt. 11:2-5).
A renovação da salvação de Cristo, por último, inclui um universo renovado. Neste meio tempo, não há nenhuma parte de nossa existência que não é tocada pela sua bênção. Os milagres de Cristo são milagres do reino, realizados como sinais do que o reino significa… Sua bênção foi pronunciada sobre os pobres, os aflitos, os sobrecarregados e oprimidos, que vieram a Ele e acreditaram nEle… Os sinais milagrosos que atestavam a deidade de Jesus e autentica o testemunho daqueles que transmitiu o evangelho para igreja não continuaram, porque seu objetivo foi cumprido. Contudo, o padrão do reino que foi revelado através destes sinais deve continuar na igreja. Nós não podemos cumprir as palavras de Jesus se nossos atos não refletirem a compaixão do seu ministério. O evangelismo do reino é, portanto, holístico, que se transmite por palavras e ações da promessa de Cristo para o corpo e a alma, bem como a ordem de Cristo para o corpo e alma[16]. ()
O livro de Atos mostra uma conexão próxima entre a partilha dos bens econômicos e a multiplicação de convertidos através da pregação da Palavra. Na igreja primitiva, a descida do Espírito Santo e o explosivo crescimento em números (At.2:41) estavam conectados com uma radical partilha com os necessitados (2:44-45). Depois o ministério da diaconia foi firmemente estabelecido, “a palavra de Deus espalhou. O número de discípulos em Jerusalém crescia rapidamente” (At. 6:7). Além disso, o imperador romano Juliano, o apóstata, notou que os cristãos eram extremamente benevolentes com os estranhos: ”Os ímpios galileus (cristãos) suportam não apenas seus pobres, mas os nossos também; todos podem ver que nosso povo precisa da ajuda deles” [17]
Inseparáveis não significa uma ordem rígida temporal O ministério para os pobres pode preceder a ministração do evangelho, como o ministério de Jesus para o cego. Através de um ministério de obras, trouxe o cego para uma iluminação espiritual, não nenhuma indicação que Jesus deu uma ajuda condicional. Ele não pressionou o homem a acreditar que Ele o curou, ele apenas disse para ir e se lavar (João 9:7). Mesmo quando Jesus falou em dar dinheiro e roupas para aqueles que pedirem, ele insistiu que nós devemos dar sem esperar nada em troca (Lucas 6:32-35). Nós não podemos dar um auxílio apenas porque a pessoa está aberta para o evangelho, nem retirarmo-nos se ele ou ela não se tornar espiritualmente receptivo. Deve estar sempre clara que a motivação para a nossa ajuda é a nossa fé cristã, e as dores devem ser encaradas para encontrarmos caminhos não artificiais e não exploradores para manter o ministério da Palavra intimamente conectado com o ministério de ajuda.
III. COMO SE ENGAJAR EM MINISTRAR PARA OS POBRES.
Enquanto eu não apontar para este ensaio, especificamente, os detalhes para um ministério saudável da igreja para os pobres[18], exorto as igrejas para alcançar um bom resultado das seguintes formas.
Uma análise da motivação: Justiça e misericórdia.
Uma coisa é querer ajudar os pobres; outra coisa é fazer isto de maneira sábia. De fato, é mais fácil para o envolvimento de alguém na vida de uma família pobre fazer coisas que pioraram ao invés de facilitar a vida deles. Isto acontece por causa de duas políticas ideologias não bíblicas e reducionistas que permeiam nossa cultura hoje. Conservadores, em geral, vêem a pobreza como ocasionada pela irresponsabilidade pessoal. Liberais, pensam como causada por um sistema de injustiça social. Contudo, a Bíblia move-se para trás e para frente em chamar o ministério para os pobres tanto de justiça como de serviço (diakonia) ou misericórdia. Talvez, o mais famoso apelo bíblico para ajudar os pobres é a parábola do Bom Samaritano, em que a ajuda é chamada de misericórdia (Lucas 10:37). No outro caso, contudo, a partilha de alimentos e abrigo e outros recursos básicos são chamados de “fazer justiça” (Is. 58:6-10 cf. Lv. 19:13, Jr. 22:13).
Penso que a razão para uso dual dos termos justiça e misericórdia envolve a explanação bíblica para as causas da pobreza como muito mais complexas que nossas ideologias correntes[19]. A literatura de sabedoria provê uma notável visão balanceada e sutil sobre as raízes causadoras da pobreza. Em Provérbios, nós lemos que “em todo trabalho há proveito, mas ficar só em palavras leva à pobreza” (Pv. 14:23). Ainda nós somos avisados que “o pobre, do sulco da terra, tira mantimento em abundância; mas há os que se consomem por falta de juízo” (Pv. 13:23). Ambas, questões pessoais e sociais, fatores sistêmicos pode levar a pobreza.
Muitos conservadores estão motivados a ajudar o pobre sem compaixão. Isto pode vir da crença que a pobreza é, em suma, um problema de irresponsabilidade pessoal. Isto perde o fato que as posses que tem as têm por causa de um grande grau de distribuição injusta de oportunidades e recursos que ele teve ao nascer. Se nós temos os bens do mundo, eles são, em última instância, um presente. Se nós tivéssemos nascidos em outras circunstâncias, nós poderíamos facilmente ser muito pobres sem ser por nossa falta. Falhar em compartilhar o que nós temos não é apenas ser incompassivo, mas injusto e leviano. Por outro lado, muitos liberais são motivados a ajudar os pobres sem o sentido de indignação e de injustiça. Pobreza é vista, estritamente, em termos de iniqüidades estruturais. Isto perde o fato que a responsabilidade pessoal e a transformação têm muito a ver com a fuga da pobreza. Enquanto, a única compaixão do conservador leva a um paternalismo e autoritarismo, a justiça única dos liberais leva a uma grande raiva e rancor.
Ambas as visões, ironicamente, se tornam farisaicas. Uma tende a culpa o pobre por tudo, e a outra a culpar o rico por tudo. Uma enfatiza demais a responsabilidade individual; e a outra a menospreza. Uma motivação balanceada surge de um coração tocado pela graça, que perdeu seus sentimentos de superioridade sobre qualquer classe particular de pessoas. É o evangelho que nos motiva para agir além da misericórdia e justiça. Deus disse a Israel, "Como um natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-ás como a ti mesmo, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o SENHOR vosso Deus” (Lv. 19:34). Os israelitas foram estrangeiros e escravos oprimidos no Egito. Eles não tinham capacidade para se libertarem, ao invés, Deus libertou-os através da sua graça e poder. Agora, eles tinham que tratar os imigrantes e os pobres como seus vizinhos. A motivação deles era clara- por causa da salvação libertadora de Deus da tirania do Egito.
UMA DIVISÃO DE TRABALHO: INDIVIDUAL E IGREJA.
O ministério da igreja para os pobre faz grande sentido como um veículo coletivo para cristãos preencherem o dever bíblico para com os pobres. A igreja deve reconhecer os diferentes níveis do ministério para os pobres, e entender os limites de cada um.
+ Socorro. Esta é a ajuda direta para solucionar necessidades físicas materiais ou sociais. Um ministério comum de socorro inclui abrigos temporários para sem tetos, alimentos e ajuda em vestuário, cuidados médicos, aconselhamento de crises e coisas parecidas. Uma forma mais ativa de ajuda é advocacia, em que as pessoas em necessidade têm assistência para ajuda legal, encontrar casas ou ter acesso a outros tipos de ajuda.
+Desenvolvimento. Isto é o que necessário para trazer uma pessoa ou comunidade para uma vida auto-suficiente. No Velho Testamento, quando um débito de escravidão era apagado e a pessoa libertada, Deus determinou que seu antigo mestre devesse dar a ele, grãos, ferramentas e recursos para uma nova, sustentável vida (Dt. 15:13-14). Desenvolvimento inclui educação, criação de empregos e treinamento vocacional. Desenvolvimento para uma vizinhança ou comunidade envolve reinvestimento de capital social e financeiro dentro do sistema social, tais como através de desenvolvimento de habitação, doação de lares, e outros investimentos de capital.
+ Reforma. Uma reforma social move-se além da ajuda às necessidades imediatas e procura mudar as condições e estruturas sociais que causam dependência. Em Jó, nós vemos que Jó não apenas vestiu os nus, mas também “quebrava os queixos do perverso, e dos seus dentes tirava a presa” (Jó 29:17). Os profetas denunciaram os salários desleais (Jr. 22:13), as práticas corruptas de negócios (Am. 8:2,6), os sistemas jurídicos que ponderavam em favor dos ricos (Lv. 19:15, Dt. 24:17), e os sistemas de crédito que pesavam sobre as pessoas de meios modestos (Êx. 22:25-27; Lv. 19:35-37; 25:37). Estes exemplos provam que os cristãos deveriam envolver-se em suas comunidades particulares, em busca condições de trabalho justas e equitativas que forem necessárias.
Como regra geral, acredito que a igreja deve estar envolvida na primeira parte desses ministérios, (ministério de socorro), e as associações de voluntários, organizações, e ministérios devem estar organizados para o segundo (desenvolvimento) e terceiro (reforma). Muitos poderão argumentar que o desenvolvimento e reforma requer uma abundância de recursos que poderia infringir o ministério da igreja para com a Palavra, outros poderiam dizer que o desenvolvimento e a reforma criariam alianças políticas não saudáveis com a congregação. E ainda, outros poderiam argüir que o desenvolvimento e reforma são complexos demais para ser incluídos no mandato ou qualificações dos dirigentes (anciões) da igreja. Todos estes argumentos têm algum mérito, e eu não tenho tempo e espaço para responder adequadamente estes assuntos aqui. Eu apenas gostaria de observar que a maioria das igrejas dos Estados Unidos que estão envolvidas com o cuidado com os pobres tem encontrado sabiamente um curso de ação para a criação de uma corporação separada e não lucrativa para lidar com o desenvolvimento da comunidade e reforma social, ao invés de trabalhar isto diretamente com a congregação local.
IV. JESUS, O HOMEM POBRE.
A Bíblia ressoa com a mensagem que Deus se identifica com o pobre. Como mencionado anteriormente, isto significa que no dia do julgamento, Deus estará pronto para julgar a atitude da pessoa através da atitude dela com os pobres (Mt. 25). Isto também quer dizer que algo mais profundo.
Em Mateus 25, Deus identifica-se com o pobre simbolicamente. Contudo, na encarnação e morte de Jesus, Ele se identificou literalmente (cf. Fp. 2:5-11). Jesus nasceu em uma manjedoura. Em sua cerimônia de circuncisão, a família de Jesus podia ofertar apenas o mínimo, que era requerido para o pobre (Lc. 2:24). Durante seu ministério terreno, Jesus disse: “As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt. 8:20). E, no final de sua vida, ele foi para Jerusalém montado em um burrinho emprestado, e passou sua última noite em um quarto emprestado, e quando morreu, foi enterrado numa tumba emprestada. Seus algozes tiraram sorte sobre suas únicas posses, sua veste, por causa da cruz ele foi despojado de tudo.
Tudo isto dá um novo significado para a questão: “Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?” (Mt. 25:44). A resposta é: na cruz, quando ele morreu entre os ladrões e marginalizado. Não espanta que Paulo possa dizer que apenas quando você vê que Jesus se tornou pobre para nós, você nunca irá olhar para o pobre da mesma forma.
Copyright © 2008 by Timothy Keller, © 2010 by Redeemer City to City. Este artigo foi adaptado de um ensaio apresentado na The Gospel Coalition’s Pastors’ Colloquium em Deerfield, IL em 28 de maio de 2008, e impresso em Themelios, Volume 33, Issue 3, December 2008.
[1] Jonathan Edwards, “Christian Charity, or The Duty of Charity to the Poor, Explained and Enforced,” in The Works of Jonathan Edwards, rev. and corr. Edward Hickman, vol. 2 (1834; reprint, Carlisle, Penn.: Banner of Truth, 1974).
[2] Ibid., 2:164.
[3] Ibid., 2:165.
[4] Ibid., 2:165.
[5] Ibid., 2:171
[6] Richard N. Longenecker, Galatians, Word Biblical Commentary 41 (Dallas: Word, 1990), 275.
[7] Edwards, “Christian Charity,” 2:171 (grifado no original)
[8] Jonathan Edwards, Christian Charity, 2:171-72
[9] Veja Bruce K. Waltke, A Commentary on Micah (Grand Rapids. Mich.: Eerdmans, 2007), 164. Waltke aponta que a ajuda ao pobre é, por vezes, chamada de justice e, algumas vezes, chamada de misericórdia. Eu vou usar ambos s temors e dar uma pequena explanação sobre a diferença entre eles mais tarde neste ensaio.
[10] Ibid., 390–94.
[11] Edwards, “Christian Charity,” 2:166 (grifado no original).
[12] Ibid.
[13] C. Peter Wagner, Church Growth and the Whole Gospel: A Biblical Mandate (San Francisco: Harper & Row, 1981), 101–4.
[14] Robert D. Putnam, Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community (New York: Simon and Schuster, 2000), 22–24.
[15] John R. W. Stott, Christian Mission in the Modern World: What the Church Should Be Doing Now! (Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 1975), 27.
[16] Edmund P. Clowney, “Kingdom Evangelism,” in The Pastor-Evangelist: Preacher, Model, and Mobilizer for Church Growth, ed. Roger S. Greenway (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1987), 22
[17] Citação de Rodney Stark, The Rise of Christianity: How the Obscure, Marginal Jesus Movement Became the Dominant Religious Force in the Western World in a Few Centuries (San Francisco: HarperCollins, 1997), 84.
[18] Editor’s note: Cf. Timothy J. Keller, Ministries of Mercy: The Call of the Jericho Road, 2nd ed. (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1997).
[19] Cf. D. A. Carson, How Long, O Lord? Reflections on Suffering and Evil, 2nd ed. (Grand Rapids: Baker, 2006), 51–59, que discute seis tipos de pobreza.