sexta-feira, julho 29, 2011

Disciplinas Espirituais - PERGUNTAS E DALLAS WILLARD

Dallas Willard começa seu livro Espírito das Disciplinas com  o segredo do jugo suave,  ele começa assim ao comparar os preços pagos na vida diária pelo jugos do pecado e de Cristo, sendo que o primeiro é muito mais difícil de carregar do que o outro.

Por que sempre começamos a discutir as disciplinas a partir de nossas desculpas para não faze-las, por que não enxergamos além da nossa vontade e desejo, além da arena carnal?


Afastar-se da justiça é o mesmo que escolher uma vida de jugos, presa nos:tentáculos de problemas esmagadores, de fracassos e desapontamentos que nunca são resolvidos. Esta é a fonte do drama interminável, onde por vezes o horror apresenta-se como vida humana normal. O "preço do discipulado", embora possa exigir tudo o que temos, é pequeno quando comparado com a sorte daqueles que não aceitam o convite de Cristo para .andar no Caminho da Vida. (Espírito das Disciplinas)

Quando partimos de um ponto de escassez, sempre acreditamos na verdade que temos que perder para trocar por algo que não vale tanto assim, que será um grande sacrifício. A doçura das disciplinas não existe, mas apenas o fel. É como se estivessemos fazendo um grande favor a Deus, que terminássemos em nosso corpo aquilo que Ele não consegue fazer.


Não temos, assim, a força que deveríamos ter, e os mandamentos de Jesus tomam-se esmagadoramente pesados. Na verdade, muitos cristãos parecem não acreditar realmente que Jesus pretendesse que cumpríssemos os seus mandamentos. Qual é o resultado? Seus ensinamentos são tratados como mero ideal, algo que bem podemos estabelecer como alvo, sabendo, porém, que estaremos fadados a jamais alcançar.

Para sairmos dessa mera leitura das Escrituras, Dallas propõe uma volta as disciplinas baseando-se na própria vida de Jesus:

Jesus como pode ser' observaldo claramente no registro de sua vida, compreendeu bem este fato e viveu corretamente. Devido ao preconceito com que lemos os Evangelhos atualmente ( o que discutiremos mais adiante), temos grande dificuldade de ver a principal ênfase na vida de Jesus. Esquecemos que o fato de ser o Filho unigênito de Deus não o isentou da necessidade de uma vida de preparação, desenvolvida fora da vista do público, A despeito dos eventos auspiciosos do seu nascimento, Jesus cresceu no seio de uma família simples na humilde cidade de Nazaré. Aos 12 anos de idade, como vemos em Lucas 2.45, Jesus exibiu um conhecimento espantoso "no meio dos doutores" em Jerusalém. Mesmo assim, retomou ao lar com os pais e, durante os 18 anos seguintes, sujeitou-se às demandas da família.
Então, depois de receber o batismo pelas mãos de seu primo João Batista, Jesus buscou a solitude e jejuou por um mês e meio. A seguir, na seqüência de seu ministério, esteve a sós grande parte do tempo, muitas vezes passando noites inteiras sozinho, em oração, antes de ministrar às necessidades de seus discípulos e ouvintes no decorrer do dia.
A partir de tais preparações, Jesus era capaz de manter uma vida pública de serviço por meio do ensino e da cura. Foi capaz de amar seus companheiros mais próximos até o fim – apesar de muitas vezes eles o terem desapontado e parecerem incapazes de acompanhar sua fé e obras. Posteriormente, Ele foi capaz de se sujeitar a uma morte sem precedentes em seu significado intrínseco e efeito histórico.
O segredo do jugo suave, portanto. envolve viver como Jesus viveu a inteireza de sua vida – adotando seu estilo geral de vida. Seguir" suas pisadas" não pode ser equivalente a comportar-se como Ele se comportava quando estava "sob os holofotes". Viver como Cristo viveu é viver como Ele viveu toda a sua vida.
 Para Dallas, o fracasso humano vem do desejo sem dedicação aquilo que provém frutos,  não adiantando ter boas intenções apenas.  Isto me faz voltar a minha questão,  a questão das disciplinas serem encaradas como favor que fazemos a Deus, seria isto?  Sendo que alguns estão dispostos e outros não.


Na verdade, Jesus convidou pessoas para segui-lo num modo de vida a partir do qual comportamentos como amar os inimigos parecerá a única coisa sensível e feliz a se fazer. Para uma pessoa que vive desta forma, a coisa mais difícil a fazer seria odiar os inimigos, virar as costas aos necessitados ou amaldiçoar quem a amaldiçoa, assim como seria difícil para Cristo. O verdadeiro discipulado cristão conduz ao ponto onde difícil é não reagir da mesma forma que Jesus o faria.
Contudo, isso não se trata de uma mera adequação comportamental a um padrão público de comportamento, que seria um farisaísmo,  Willard criticando EM SEUS PASSOS QUE FARIA JESUS, diz que seguir não é tentar se comportar como ele em público, é buscar fazer aquilo que fazia em privado. Willard continua a história de fora para dentro ao meu ver quando diz...

O segredo do jugo suave, então, é aprender com Cristo como viver nossa vida toda. como investir todo nosso tempo e nossa energia mental e física como Ele fez. Temos de aprender como seguir sua preparação - as disciplinas para a vida sob o governo de Deus que capacitaram o "Filho do homem" a receber o apoio constante e efetivo do Pai enquanto. fazia a sua vontade. Temos de descobrir como entrar em suas disciplinas a partir de onde estamos hoje – e, sem duvida, como ampliá-las para abranger as nossas necessidades. (ED)
Contudo, acho que a preocupação de Dallas está em ir contra a apatia do crente em relação as disciplinas ou a falta de necessidade delas já que a vida cristã normal é inviável e irreal


Cremos de todo o coração que devemos seguir de perto nosso Senhor Jesus Cristo e ser semelhantes a Ele. Entretanto, poucos cristãos (talvez nenhum) podem ver isso como uma possibilidade real para si mesmos ou para os crentes que eles conhecem. Isso não parece ser algo que possamos avaliar mediante medidas definidas, que entendamos claramente, e que saibamos como implementar. (ED)
No capítulo 3, Salvação e Vida, ele começa a desenvolver uma teologia prática das disciplinas, dizendo

Esta relação, porém, entre as disciplinas e o jogo suave com a vida abundante, baseia-se na natureza da personalidade humana. Jesus era humano, não só divino. Ele precisou de disciplina não porque fosse pecador e necessitasse de redenção, como nós, mas porque tinha um corpo como o nosso. Isso nos ensina que temos de compartilhar como Ele das disciplinas. Seu entendimento com o Pai era: "Sacrifício e oferta não quiseste, mas um corpo me preparaste" (Hb 10.5). Jesus compartilhou da estrutura humana e, como ocorre com todo ser humano, seu corpo foi o ponto focal de sua vida.
É exatamente este reconhecimento apropriado do corpo e suas implicações para a teologia que falta às visões atuais da salvação ou da libertação cristã. O corpo humano é o ponto focal da existência humana. Jesus tinha um corpo. Nós temos um. Sem a percepção adequada do lugar do corpo, as peças do quebra-cabeça da nova vida em Cristo não se encaixam de forma realista, e segui-lo – ser como Ele - continua sendo uma impossibilidade prática.(ED)


A salvação que afeta nossas vidas, é feita mediante o corpo, Willard não faz uma ligação seja com o docetismo ou com gnosticismo aqui, ele diz uma coisa bastante clara - EXCLUIR NOSSOS CORPOS  DA RELIGIÃO É O MESMO QUE EXCLUIR A RELIGIÃO DE NOSSAS VIDAS.

Assim, Dallas repensa o conceito próprio de salvação, uma salvação que apenas tem a ver com a noção de pecado falha porque...

O que significa "ser salvo"? O que as pessoas entendem quando ouvem falar em "salvação", "redenção" e outros termos do Novo Testamento usados em referência à ação divina de restaurar homens e mulheres ao lugar que deviam ocupar no mundo? Qual o conceito verdadeiro e coerente por trás dessas palavras? O pressuposto deste autor é que tudo isso se perdeu por meio dos processos históricos e das alterações da linguagem empregada para refletir interesses teológicos especiais. Nós perdemos o contato com os significados radicais dos conceitos que fariam a graça e a personalidade humana se encaixarem como luvas no processo do discipulado cristão!  (ED)

Uma vez, porém, que a salvação é reduzida a mero perdão dos pecados, as discussões sobre a sua natureza são limitadas aos debates sobre a morte de Cristo, sobre quais elementos envolvidos em sua morte tornam o perdão possível e atual. Tais debates abordam as "teorias da expiação". Mesmo assim, por meio dessas teorias, a conexão entre salvação e vida – tanto a sua vida como a nossa – torna-se ininteligível. E ela permanece ininteligível para todos os que tentam entender a salvação unicamente por essas teorias. Por quê? Porque elas não nos ajudam a entender o que afirmou o apóstolo Paulo: "[sendo] reconciliados com ele mediante a morte .de seu Filho... seremos salvos por sua vida" (Rm 5.10). Como podemos ser salvos por Sua vida quando cremos que a salvação procede somente de Sua morte? Portanto, se nos concentrarmos exclusivamente em tais teorias, o corpo (a vida concreta) é perdido no processo de redenção. Assim sendo, como poderíamos considerar as disciplinas para a vida espiritual senão como esquisitices históricas e práticas estranhas engendradas por pessoas desvairadas de épocas distantes e que jaziam na ignorância? (ED)


 Em outro livro, A CONSPIRAÇÃO DIVINA,  Willard trabalha a idéia de evangelhos de administração do pecado:


Denota que você pode ter a fé em Cristo que traz o perdão, sem no entanto ser diferente, nos outros aspectos da sua vida, daqueles que não têm fé em Cristo. Essa visão tão agradavelmente apresentada em adesivos  e outros objetos tem profundas raízes históricas. É hoje elaborada em muitos livros sérios de teologia e acatada por multidões de pessoas que sinceramente se identificam como cristãs.

 (...)

Helmut Thielicke ressalta que muitas vezes nós nos perguntamos se as celebridades que anunciam comidas e bebidas realmente consomem o que estão vendendo.3 Ele diz também que essa mesma questão é a mais premente para aqueles que falam em nome de Cristo. Se as faltas morais estão tão difundidas entre nós, então seguramente algo está errado. Talvez não estejamos comendo aquilo que anunciamos. O mais provável, acho eu, é que o que estamos "vendendo" seja irrelevante para a nossa vida real e não tenha o poder de mudar o nosso dia-a-dia. (...)
A situação atual, na qual a fé que se professa exerce pouca influência sobre o conjunto da vida, não é característica do nosso tempo, tampouco é um desenvolvimento recente. Mas atravessa agora uma fase aguda. A história nos levou ao ponto em que se considera que a mensagem cristã trata essencial e exclusivamente dos meios de lidar com o pecado: de atos ou atitudes erradas e as suas conseqüências. A vida, nossa existência real, não está incluída naquilo que hoje se apresenta como o cerne da mensagem cristã, ou se inclui só marginalmente. É assim que nos encontramos hoje.
Quando percebemos a separação entre a mensagem atual e a vida cotidiana, as faltas destacadas acima fazem pelo menos algum sentido. Não nos surpreendem. Quem examina o largo espectro da profissão e da prática cristãs, percebe que a única coisa considerada essencial na ala direita da teologia é o perdão dos pecados. Na ala esquerda é a eliminação dos males sociais ou estruturais. O evangelho corrente então se torna um "Evangelho da administração do pecado". A transformação da vida e do caráter simplesmente não faz parte da mensagem redentora. No seu âmago, a realidade humana corriqueira não é o palco da fé e do viver eterno.
Para a direita, ser cristão é uma questão de ter os pecados perdoados. (Lembra-se o leitor dos adesivos?) Para a esquerda, você é cristão se está realmente comprometido com a eliminação dos males sociais. O cristão é ou aquele que está pronto a morrer e enfrentar o juízo de Deus, ou aquele que tem um compromisso visível com o amor e a justiça na sociedade. E só.
De volta ao Espírito das Disciplinas, precisamos realmente re-avaliarmos nossos conceitos de salvação, regeneração, santificação, ressurreição. Conceitos que precisam sair do mundo das idéias e assumir a realidade de nossos corpos pela força do Espírito Santo.
Uma vez que esquecemos ou obscurecemos o significado de "salvação" (ou" redenção", ou "regeneração") e o substituímos por expiação simples ou mero perdão de pecados, jamais seremos capazes de alcançar um retorno coerente para a existência humana concreta. Jamais seremos capazes de deixar claro exatamente o que a nossa vida tem a ver com a nossa "salvação". Uma prova clara disso são os esforços fúteis de cristãos através dos séculos de- alinhavar obediência – ou "obras" ou "leis" – à graça, ou insistir que Cristo não pode ser nosso Salvador sem ser também nosso Senhor. (ED)
A fé deve então estar relacionada com obras, seguindo Lutero, parte para a mesma consequência de Bonhoeffer, só tem fé que é obediente, só o obediente tem fé...No "Espírito das Disciplinas" ele apresenta três dimensões disto:
1. A presença de um novo poder dentro do indivíduo, irrompendo numa ruptura com o passado por meio do arrependimento e a liberação de perdão. A folha seca automaticamente cai do ramo quando uma nova folha surge. Assim, temos a representação bíblica do arrependimento, bem como dão, como algo dado por Deus (Salmo 80.3; 8504; Atos 5.31; Romanos 2:4 e Timóteo 2.25).
2. Uma transformação imediata, mas também gradual do caráter e da personalidade do indivíduo (2 Co 5.17; Rm 5.1-5; 2 Pe l:4-l1).
3.Um poder significativo, sobre-humano, sobre os males deste presente século e do mundo, exercido tanto pelo indivíduo como pela Igreja coletiva ("Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão..." – Mt 28.18).
Para terminar minha questão, pego a resposta de outro livro de Willard, A GRANDE OMISSÃO

Uma mente abarrotada de desculpas pode transformar o discipulado num mistério ou pode considerá-lo algo a ser temido. Mas não há nenhum mistério no desejo e na intenção de ser como alguém — isso é algo extremamente comum. E se, de fato, estamos decididos a ser como Cristo, isso ficará evidente para todas as pessoas mais atentas ao nosso redor, assim como para nós. É claro que as atitudes que definem o discípulo não podem ser colocadas em prática nos dias de hoje deixando a família e o trabalho para seguir Jesus em suas viagens pelo país. Mas o discipulado pode ser concretizado ao aprendermos ativamente como amar os inimigos, abençoar os que nos perseguem e suportar com longanimidade um opressor — ou seja, colocar em prática pela graça as transformações interiores da fé, do amor e da esperança. Esses atos — realizados pela pessoa disciplinada que manifesta graça, paz e alegria — tornam o discipulado tão tangível e espantoso hoje quanto aquelas deserções do passado distante. Qualquer um que entrar no Caminho verá isso e, ao mesmo tempo, verá por experiência própria que não há nada de assustador no discipulado.





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