sexta-feira, julho 01, 2011

Dietrich Bonhoeffer: A Chamada ao seguimento

Continuando a leitura de Discipulado de Bonhoeffer, vamos ao:

CAPÍTULO 2 :  A CHAMADA AO SEGUIMENTO.

Quando ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: Segue-me. E ele, levantando-se, o seguiu. Marcos 2:14

Se produz a chamada e, sem outro intermediário, segue o ato de obediência por parte daquele que tem sido chamado. A resposta do discípulo não consiste em uma confissão de fé em Jesus, senão em um ato de obediência. Como é possível esta sucessão imediata da chamada e obediência? A razão natural acha isto demasiadamente chocante, tem que se esforça para entender esta sucessão tão brutal, é preciso que algo se tenha desenvolvido no meio, tem que explica algo. De qualquer forma que seja, tem que encontrar um elemento de conexão, psicológico ou histórico. Se propõe a estúpida pergunta de saber se o publicano não conhecia já a Jesus, porque estaria disposto a seguir sua chamada. Contudo, o texto se obstina em não responder este ponto, única coisa que importa é, precisamente, esta sucessão imediata da chama e da ação. Não lhe interessam as motivações psicológicas das decisões piedosas de um homem. Por que? Porque somente tem uma motivação que explica suficientemente esta sucessão entre chamada e ação: Jesus Cristo mesmo. É ele quem chama. Por isto, obedece o publicano. Neste encontra fica atestada a autoridade incondicional, imediata e não motivada de Jesus.(p.27)

Jesus por ser Cristo, tem pleno der para chamar e exigir que se obedeça a sua palavra. Jesus não nos chama como um professor ou um modelo, mas sim como Cristo, Filho de Deus. 

Que Bonhoeffer nos diz sobre o conteúdo do seguimento?

Segue-me apenas isto, não é uma causa que do ponto de vita humano merecia qualquer comprometimento. Aquele que foi chamado abandona tudo que tem, não para fazer algo especialmente valioso, senão simplesmente a causa da chamada- Jesus Cristo. Porque senão não pode marchar atrás Dele, a este não se pode atribuir o menor valor em si mesmo.

O discípulo é arrancado, então, da seguridade relativa da vida e lançado a inseguridade total da vida, esta não é uma lei geral, mas é o contrário de legalismo. 


Ao lado de Jesus não há outro conteúdo, da chamada ao seguimento é a vinculação à pessoa de Cristo, ruptura de todo legalismo por garça graça daquele que chama.A graça e mandamento se unificam (Sl 119,45). Uma idéia sobre Cristo, um sistema de doutrina, um conhecimento religioso geral da graça ou do perdão dos pecados não fazem necessário o seguimento, assim, fica excluído o seguimento.

Um cristão sem Jesus vivo segue sendo um cristianismo sem seguimento, o seguimento está ligado ao mediador, somente Jesus, o Deus-homem, pode chamar ao seguimento. O seguimento sem Jesus se constitui na eleição pessoal de um caminho ideal, contudo, carece da promessa de que Jesus deve busca-lo. 








E disse-lhe Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. E aconteceu que, indo eles pelo caminho, lhe disse um: Senhor, seguir-te-ei para onde quer que fores.E disse a outro: Segue-me. Mas ele respondeu: Senhor, deixa que primeiro eu vá a enterrar meu pai. Mas Jesus lhe observou: Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos; porém tu vai e anuncia o reino de Deus. Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas deixa-me despedir primeiro dos que estão em minha casa. E Jesus lhe disse: Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus(Lc 9, 57-62).


Bonhoeffer examina esta passagem do evangelho, e trata o perfil dos seguidores:


O primeiro não foi chamado,a resposta de Jesus indica que ele não sabe o que esta fazendo, este é sentido da resposta, mostrar ao discípulo a vida com Jesus em toda sua realidade, que fala aqui e aquele que se dirige a Cruz, padeceu é o símbolo dos apóstolos para sua vida toda. Nenhum homem pode desejar isto por sua própria eleição, há um abismo entre o oferecimento voluntário e o verdadeiro seguimento. Contudo, quando é Jesus mesmo que chama, supera o abismo.


O segundo quer enterrar seu pai antes de segui-lo, está ligado a lei, ele sabe o quer fazer e deve fazer, antes de tudo, convém cumprir a lei depois virá o seguimento. Um claro preceito da lei se encontra aqui entre quem foi chamado e Jesus. Nenhum pretexto pode se opor a chamada de Jesus, nem sequer o mais grande e santo, nem sequer a lei. A lei deve ser transgredida por amor a Jesus, porque ela não tem nenhum direito entre Jesus e aquele que Ele chamou, somente Cristo fala desse jeito, só ele tem a última palavra. O outro não pode resistir, esta chamada, esta graça são irresístiveis. 


O terceiro, como o primeiro, entende o seguimento como um oferecimento seu, como um programa de vida que se escolhe, mas, ao contrário do primeiro se julga com direito a colocar condições, deste modo, se contradiz, quer acompanhar Jesus, mas ao mesmo tempo coloca algo entre ele e Jesus. Para ele, o seguimento é uma possibilidade cuja realização supõe o cumprimento de determinadas condições e pressupostos, assim, ele se converte em algo humanamente compreensível e inteligível. O discípulo se coloca a disposição de Jesus, mas conservando seu direito de colocar condições. O seguimento deixa de ser seguimento, se converte em um programa humano que eu me estabeleço segundo meu próprio juízo. O seguimento não admite condições suscetíveis de intervir entre Jesus e aquele que obedece. Há várias contradições aqui, ele não quer o que Jesus quer, nem o que ele quer, se condena a si mesmo, a resposta de Jesus confirma esta divisão interna que impede o seguimento, quem coloca a mão no arado e olha para trás não está apto.


Seguir a Cristo significa dar passos determinados, quando ele chama, isto significa que aquele que recebe a chamada somente há uma possibilidade de crer em Jesus: abandonar tudo e acompanhar o filho de Deus feito homem.


Com este primeiro passo, o que segue é colocado numa situação que o permite crer. Se não segue, se fica para trás, não aprende a crer.  Deve-se sair de sua situação para entrar numa que lhe permite crer. Em si mesmo, este passo não tem nenhum valor programático, somente se justifica com a comunhão que se adquire com Jesus.


Se Levi e Pedro tivessem permanecidos em seus ofícios, não saberiam crer. Crer não significa permanecer tranquilo e esperar, senão ir com ele seguindo-o. A chamada rompe todos os vínculos em benefício do único laço que une a Jesus Cristo.


O caminho da fé passa pela obediência a chamada de Jesus, este passo é necessário, sem ele, a chamada de Jesus se perde num vazio e toda presunção de obediência se revela como uma falsa exaltação. (p. 32)


Bonhoeffer continua dizendo que ao estabelecer a diferenciação entre uma situação que se pode crer e uma que não pode, há um grande perigo que precisa ficar claro, de que a situação por si mesmo nunca nos revela a qual classe nos pertence, somente a chamada de Jesus qualifica-se como uma situação em que se pode crer. 
Outro ponto que ele coloca é que não é para o homem determinar qual é a situação possível para a fé, o seguimento não é uma oferta do homem, somente a chamada cria a situação.


Em terceiro e quarto lugar, a situação nunca implica nada em si mesmo, somente a chamada a justifica. E é essencial saber que a situação em que se pode crer somente chega a produzir-se por meio da fé. 


Somente o crente é obediente, e somente o obediente crê.




É um erro grave tomar-se a primeira frase deixando de lado a segunda. A obediência, para Bonhoeffer, é uma consequência da fé, como o bom fruto é produzido da boa árvore. A fé e depois vem a obediência. Estas devem estar separadas quanto a sua causa, a causa da justificação,mas esta separação não pode suprimir a unidade que existe entre elas. Para poder crer há que praticar a obediência numa ordem concreta, isto é preciso para a fé não se converta em graça barata, numa forma piedosa de enganar-se a si próprio. 




Somente nesta existência nova, criada pela obediência é possível crer.


Há uma troca de uma existência por outra, não se trata apenas de moralidade, ou de obras. 


É preciso que Cristo tenha chamado, somente por sua palavra podemos dar o passo, esta chamada é sua graça, que chama da morte para uma nova vida em obediência. O primeiro passo da obediência já em si mesmo um passo de fé na palavra de Cristo. 


Bonhoeffer diz que seriamos ignorantes se concluirmos que o primeiro passo é desnecessário, posto que já há a fé. Aquele que não é obediente não pode crer. Não se pode colocar nada que nos aparte do chamado de Jesus, desobedecendo conscientemente. Se assim fazemos, não fique admirado de não receber o Espírito Santo, de não poder orar, não poder perdoar. Se quer recusar a palavra de Deus que te obriga, não pode receber sua palavra de graça.




"A chamada da graça de Jesus ao seguimento se converte, então, numa lei rigorosa. Sai do barco e vê Jesus! Quem quiser se excusar com sua fé ou com sua falta de fé, sua desobediência a chamada de Jesus, ele nos diz: obedece primeiro, realiza a obra externa, abandona o que te prende, renuncia aquilo que te separa da vontade de Deus. Não diga: não tenho fé para isto. Não a tens, enquanto permanece na desobediência, enquanto não quer dar o primeiro passo. Não diga: tenho fé, não necessito dar o primeiro passo. Não tem a fé enquanto não quer dar este passo, enquanto se obstina na incredulidade debaixo da aparência de fé  humilde. É uma má escapatória relacionar a falta de obediência com a falta de fé e a falta de fé com a falta de obediência. A desobediência própria dos "crentes" consiste em reconhecer sua incredulidade quando lhes é exigida sua obediência (Mc. 9,24)" p. 38





O problema não é saber se crê ou não, se Cristo manda, deve cumprir imediatamente. Nele, a fé é possível e existe realmente. Não existe situação em que não pode crer, porque ele é a situação em que você pode crer. Temos que entrar nessa verdade, para que a nossa fé seja verdadeira e não um auto-engano.


Bonhoeffer retoma o tema, somente que crê é obediente, e só o que obedece crê. Se tiramos a primeira frase, o crente é entregue a graça barata, ou seja, a perdição. Sem a segunda, o crente é entregue às obras, ou seja, a perdição. 




O pastor, segundo Bonhoeffer, deve saber que se alguém se queixa de falta de fé, isto provém de uma desobediência consciente ou já inconsciente, e que é muito fácil corresponder a estes lamentos com o consolo da graça barata. Assim, a desobediência permanece, e a graça se transforma num consolo que o desobediente dirige a si mesmo. 


Há uma ironia aqui, ele fala num perdão que o desobediente concede a si mesmo. Mas, isto faz da pregação um vazio, a incredulidade se alimente da graça barata porque deseja perseverar na desobediência. Leva o homem a não conseguir mais discernir sobre o que é a vontade de Deus, os mandamentos, dizendo que essas são coisas equívocas e suscetíveis de inúmeras interpretações.


Aquilo que era claro, com a desobediência se obscurece cada vez mais, se transforma em endurecimento. O desobediente se vê tão enveredado em si mesmo que não pode mais escutar a palavra. Assim, não pode crer.


Bonhoeffer conta como é o diálogo com o pastor:



- Já não posso crer!


- Escuta a palavra, que pregamos.


- A escuto, mas contudo não me diz nada, para mim é vazia.


- Por que não queres escuta-la


- Sim, eu quero





O homem intoxicado por graça barata segue na desobediência, e se consola com um perdão que ele mesmo se dá. Se fecha a palavra de Deus, pois somente quem obedece crê.


Bonhoeffer quer explicar a relação entre fé e obras, por isto, toma outro texto bíblico, o do jovem rico em Mt. 19.16-22. A pergunta do jovem é sobre a vida eterna, sobre salvação, contudo, não é fácil colocá-la corretamente, começa o jovem com a sentença 'bom mestre', deseja a opinião do bom mestre sobre este ponto. Ele espera que Jesus tenha algo importante a dizer e espera uma declaração essencial, não uma ordem divina que o obrigue sem reservas.


Mas, a resposta de Jesus se interpõe logo de cara, porque me chamas bom? Jesus quer que ele entende que ele não está diante de um bom rabino, mas diante do próprio Deus. 


O jovem conhece os mandamentos, mas não se contenta com eles, deseja supera-los. Ele se encontra numa piedade inventada. A seguir, ele vem com a pergunta, Quais mandamentos? Ele pensa que a revelação é ambígua, pouco clara, não vê os mandamentos, somente se fixa em si mesmo, em seus problemas e conflitos. Utiliza seu conflito ético contra os mandamentos, porque os mandamentos estão destinados a colocar um fim no conflito.


O conflito ético para Bonhoeffer é produto da queda do homem, é em si mesmo a oposição do homem a Deus. A serpente introduziu este conflito quando disse: Deus falou realmente isto? A dúvida ética tira o homem da obediência sincera e ingênua.Agora é o homem quem deve decidir o que é bom ou mal.


No livro ÉTICA, Bonhoeffer explica esta cisão que ocorre no ser humano:


"Conhecer significa agora estabelecer o relacionamento consigo mesmo, significa reconhecer a si mesmo em tudo e tudo em si mesmo. Desta forma, tudo se divide para o ser humano separado de Deus: o ser e o dever, a vida e a lei, saber e fazer, idéia e realidade. razão e instinto, dever  e desejo, opinião e proveito, o necessário e o opcional, o conquistado e o genial, o geral e o concreto, o individual e o coletivo; mas também verdade, justiça, beleza e amor se polarizam, bem como prazer e tédio, felicidade e sofrimento-poderíamos prolongando esta lista, e o curso da história humana aumenta-a constantemente." Ética, p. 20

Em lugar da simples ação, aparece um duplo pensamento: o homem se gloria ao comparar-se com o filho obediente, se afasta da realidade de Deus, refugia-se na dúvida. 


A resposta de Jesus desmascara isto, a resposta de Jesus para ele vender tudo que tinha e dar aos pobres expõe, primeiro, Jesus reivindica para si o poder  de pronunciar a palavra e o mandamento definitivo, o jovem deve reconhecer que se encontra diante do Filho de Deus. O chamado de Jesus é a suma de todos os mandamentos.


Segundo, esta chamada requer também ser esclarecida para que não se preste a equívocos, não se trata de um estilo de vida especial ou uma conclusão de sua problemática anterior, esta situação é criada pelo convite de Jesus a pobreza voluntária, no aspecto existencial, pastoral da questão. Ela pretende ajudar o jovem a obedecer e compreender corretamente, nasce do amor de Jesus pelo jovem. Bonhoeffer chama atenção que esta ação não se trata do seguimento em si mesmo, mas de um ato de obediência que torna possível que o seguimento seja um fim em si mesmo.


Terceiro, Jesus volta a pergunta, se você quer ser prefeito, isto poderia parecer uma adição a condição anterior, é uma adição, contudo, não tem a ver com o precedente, o jovem não é perfeito, compreendeu mal o mandamento,somente agora com as palavras de Jesus pode entende-lo. 


O jovem perguntava pelo caminho para vida eterna, e Jesus respondeu, eu te chamo, e isto é tudo! A resposta para a pergunta é Jesus Cristo. 


Somente faltava uma coisa a obediência ou a desobediência, a resposta do jovem foi não, se viu desiludido, enganado com sua esperança, porque não podia abrir mão do seu passado, tinha muitos bens. A chamada ao seguimento não tem outro conteúdo que Jesus Cristo em si mesmo, a vinculação a Ele, a comunidade com Ele.


Para Bonhoeffer, esta história está vinculada a outra no Novo Testamento, aquele jovem rico da parabola do bom samaritano em Lucas 10.


A pergunta do legalista é a mesma do jovem, mas agora é uma pergunta capciosa, ele tenta a Jesus, já sabe de antemão a solução, que leva a um conflito ético. A resposta de Jesus é a mesma. Quem pergunta, quer no fundo, se subtrair da obediência do mandamento de Deus. Jesus responde, faça isto e viverás.


Igual ao jovem rico, há uma dúvida quanto ao mandamento. Quem é meu próximo? Toda a história do bom samaritano é uma oposição a esta pergunta, por ser uma pergunta satanica conforme Bonhoeffer, ela não tem fim, fica sem resposta. (1Tm 6:4 ss)


É a pergunta dos orgulhosos (2Tm 3:5), são incapazes de crer, porque não obedecem a palavra de Deus. Sim, esta pergunta é uma rebelião contra o mandamento de Deus. Eu quero ser obediente, mas Deus não me disse como posso faze-lo. O mandamento é equívoco, me deixa em conflito. A resposta é que não deves perguntar, senão atuar. ser o próximo não é uma qualificação do outro, senão a exigência que este tem sobre mim, nada mais. A cada instante, a cada situação, sou uma pessoa obrigada a ação, a obediência. Devo atuar, devo obedecer, devo ser o próximo do outro.


A obediência somente se aprende, obedecendo, não perguntando. Somente nela conheço a verdade. Em meio a divisão de nossa consciência e de nosso pecado chaga a nós a chamada de Jesus para a sinceridade na obediência (p.45)






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