quarta-feira, junho 29, 2011

Dietrich Bonhoeffer: Discipulado


Depois de ler VIDA EM COMUNHÃO, passo a escrever um resumo daquela que talvez seja a obra-prima de Bonhoeffer, O DISCIPULADO.

1o. Capítulo : A GRAÇA CARA.
A graça barata é o inimigo mortal de nossa igreja. Hoje combateremos em favor da graça cara. A graça barata é a graça considerada como mercadoria que está em liquidação, é o perdão desperdiçado, o consolo barateado, o sacramento barateado, é a graça como um armazém da igreja, onde mãos inconsideradas a toma para distribui-la sem vacilação nem limites, é a graça sem preço, que não custa nada. Porque se dizem que, segundo a natureza mesma da graça, a fatura foi paga de antemão para todos os tempos, graças a esta fatura já ter sido paga podemos te-la grátis. Os gastos cobertos são infinitamente grandes e por conseguinte, as possibilidades de utilização e de dilapidação também são infinitamente grande. Por outro lado, que seria da graça se não fosse uma graça barata?
A graça barata é a graça como doutrina, como princípio, como sistema, é o perdão dos pecados considerado como uma verdade universal, é o amor de Deus interpretado como a idéia cristã de Deus. Quem a afirma possui já o perdão dos pecados. A igreja desta doutrina da graça participa já desta graça por sua mesma doutrina.


Nesta igreja, o mundo encontra um véu barato pra cobrir seus pecados, dos que não se arrepende e daqueles que não deseja se libertar. Por isto, a graça barata é a negação da palavra viva de Deus, é a negação da encarnação do Verbo de Deus. A graça barata é a justificação do pecado e não do pecador. Posto que a graça faz tudo por si só, as coisas devem ficar como antes.Todas nossas obras são vãs. O mundo segue sendo mundo e nós seguimos sendo pecadores inclusive quando levamos a vida melhor.
  
Assim começa a magnus opus de Bonhoeffer, uma crítica ao período que viveu, de um cristianismo de aparência e indolência que permitiu o surgimento do nazismo e seus horrores.

A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem disciplina eclesiástica, a eucaristia sem confissão dos pecados, a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem o seguimentode Cristo, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo e encarnado.


Por outro lado, a graça cara é como o tesouro oculto no campo, o reino de Deus pelo qual o homem arranca seu próprio olho. Enfim, é a chamada que Jesus faz para que o discípulo abandone suas redes e o siga.


É dita cara porque é o evangelho que sempre temos que buscar, os dons que temos que pedir, porque chama ao seguimento, ao discipulado de Jesus, é cara porque custa ao homem a vida, é graça porque lhe dá vida; é cara porque condena o pecado, é graça porque justifica o pecador.


Ela é cara porque custou cara para Deus, custando a vida de seu Filho. Porque custou tanto a Deus, não pode ser barata para nós, é graça sobretudo, porque Deus entregou seu Filho por nós. A graça cara é a encarnação de Deus.


Bonhoeffer fala de uma banalização da graça a partir da secularização crescente da igreja, na periferia da igreja, se manteve a ideia de que a graça é cara e que implica o discipulado. A vida monástica se converteu num protesto vivo contra a secularização do cristianismo e barateamento da graça, 


Contudo, a igreja relativizou isto, e colocou tal empreita para homens especialmente qualificados,e criando uma distinção entre um nível superior e inferior de obediência cristã. Assim, o monasticismo se converteu numa justificação paradoxal da secularização, seu caminho se converteu na proeza isolada e livre de uns poucos e ao reivindicar para esta conduta um caráter meritório particular.


Nesta crítica, Bonhoeffer busca o exemplo de Lutero, que fracassou neste caminho de isolamento, aprendeu de Deus através das escrituras, o discipulado de Cristo não é uma proeza isolada de alguns,mas um preceito divino dirigido a todos os crentes.


Monasticismo transformou o discipulado numa obra meritória de alguns, a autonegação se revelava numa autoafirmação espiritual dos piedosos, Lutero entendia que todas as nossas obras são vãs até as da vida melhor, não se guiou por seu próprio mérito, senão pela graça de Deus.O caminho dele saindo do convento para  o mundo, no entender do autor, significa o ataque mais duro dirigido contra o mundo desde o cristianismo primitivo, era preciso seguir a Cristo no meio do mundo, o que havia sido praticado como uma proeza isolada  nas facilidades do convento, se convertia agora numa necessidade e preceito de todo crente que vivia no mundo.

Abriu-se uma ruptura entre a vida do crente e a vida do mundo, o crente,p
ara Lutero, a vocação secular do cristão se exerce no discipulado que recebe de Jesus, pelo evangelho, uma justificação nova, a justificação do pecador, e não do pecado. Lutero ensinou que o homem, incluso em suas obras e caminhos mais piedosos não poderia substituir-se diante de Deus porque, no fundo, está sempre em busca de si mesmo. Sabia que esta graça havia custado toda uma vida, e que seguia exigindo seu preço diariamente, porque pela graça não se sentia dispensado do discipulado, se via obrigado agora mais do que nunca. 


Quando Lutero falava da graça pensava em sua própria vida, submetida a uma total obediência a Cristo.


Contudo, muitos esqueceram-se disto, da graça cara, deixando de lado a justificação do pecador,do discipulado estrito ao Senhor, assim houve o aniquilamento da doutrina de Lutero e da própria reforma em si, se voltou a uma graça barata, sem discipulado.


Quando Lutero dizia que nossas obras são vãs incluso as da melhor vida possível, já que, nada tem valor diante de Deus, "a não ser a graça e a misericórdia para perdoar os pecados", o dizia como um homem que sabia do chamado sempre presente para o seguimento de Jesus, e o abandono de tudo que tinha.


O conhecimento da graça era uma ruptura última e radical com o pecado em sua vida, contudo nunca sua justificação. Era uma renúncia a vida segundo a sua própria vontade, isto foi um resultado divino, não humano, a vida cristã, dada por Jesus mesmo, a graça é o pressuposto básico da vida cristã, a posse de antemão da justificação dos pecados, que cometo em minha vida. 


Com a graça barata, o conflito entre a vida cívica-mundana e a vida cristã termina porque está tudo debaixo desta graça, porque a vida cristã consiste que vivo no mundo e como o mundo, não há a necessidade do seguimento- discipulado-. A justificação pela fé é usada como inimiga da própria graça, se pega uma afirmação verdadeira com resultados errados, pois a intenção é enganar-se a si mesmo. 


Somente quem renuncia a tudo o que tem, seguindo a Jesus, pode dizer  que é justificado pela fé - reconhece a chamada do seguimento como graça e a graça como deve ser chamada, enfim. Contudo, quem baseando-se na graça, quer dispensar-se do seguir a Cristo, engana-se a si mesmo. Há algo mais demoniaco com a graça do que o pecar por conta da graça de Deus que nos tem sido dada? 


A polêmica está na afirmação de Lutero que continuamos pecando, contudo, somos salvos pela graça que se renova. Muitos lêem isto como ponto de partida, implicando numa indiferença com o seguimento de Jesus, contudo, tal sentença tem que ser entendida como resultado e não ponto de partida. Não se trata de uma maneira de justificar-se o pecado, deste modo se inverteria totalmente o que Lutero dizia. Que é uma exortação aquele que no caminho do seguimento, reconhece que não pode se desembaraçar-se do pecado, e assim reconhece também uma necessidade do evangelho da graça de Deus a todo tempo, diante dele somos sempre pecadores, e em toda situação este evangelho nos busca e justifica enquanto pecadores. 


Ele diz isto para aqueles que buscam uma ruptura com seu pecado, e conseguem através da graça de Deus, a quem busca romper com tudo aquilo que impede no seguimento de Jesus, esta frase então deve ser entendida como resultado, assim será a graça cara.


A graça barata não é nada mais que uma nova lei, que não ajuda nem liberta, a graça como palavra viva chama ao seguimento, é a única graça que realmente perdoa os pecado e liberta o pecador.


A graça barata não abre caminho que nos leve a Cristo, nos fecha. Não nos chama ao seguimento, mas nos endurece na desobediência, a chama débil foi apagada sem compaixão.


Descobrir o que é a graça cara é redescobrir o seguimento de Jesus, é responder a pergunta como um cristão deve viver. A graça de Deus é cara porque é pura graça, porque é a graça de Deus em Jesus Cristo.


Ditosos são aqueles que tendo reconhecido esta graça, podem viver no mundo sem se perder nele, aqueles que no seguimento de Jesus estão tão seguros de sua pátria celeste que se sentem realmente livres para viver no mundo, felizes aqueles para os quais seguir a Jesus não é mais que viver da graça, e para aqueles que sabem que a graça não consiste em nada mais do que no seguimento.







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