quinta-feira, junho 16, 2011

Dietrich Bonhoeffer: O dia em solidão

No terceiro capítulo do Vida em Comunhão, Bonhoeffer vai comentar a respeito da solidão do cristão. O primeiro tema a ser estudado será

SABER ESTAR SOZINHO.

O autor começa a descrever a experiência de muitos que não conseguindo lidar consigo mesmos sozinhos buscam a comunidade, e na maioria das vezes se sentem decepcionados com a comunidade, e a reprovam quando deveriam reprovarem a si mesmos. 

A comunidade cristã não é um sanatório espiritual, refugiar-se nela escondendo de si mesmo é converte-la num lugar de distração, por baixo de uma aparente alta espiritualidade.  Se busca uma embriaguez para esquecer por um tempo a própria solidão e que acaba levando a uma solidão cada vez mais mortal.

Aquele que não sabe estar sozinho deve ter cuidado com a vida em comunidade porque não fará dano apenas a ela, se também ela lhe fará dano. Sozinho estava diante de Deus quando ele te chamou e sozinho respondeste a chamada, sozinho teve carregar a tua cruz, lutar e orar, e sozinho morrerás e darás conta a Deus por tua vida. Recusar estar sozinho, rechaça a chamada que Cristo fez pessoalmente, não podendo ter parte na comunidade dos chamados.

"Todos estamos chamados para a morte e ninguém morrerá por outro, senão cada um deve medir-se pessoalmente com a morte --eu não poderei estar contigo, nem tu comigo" Lutero


SABER VIVER EM COMUNIDADE

Também é verdade que a chamada não é apenas para uma pessoa, mas uma comunidade. No dia do juízo, não estarás sozinho, mas com toda a comunidade dos chamados. A conclusão de Bonhoeffer é um paradoxo- somente dentro da comunidade podemos estar sozinhos, e somente aquele que sabe estar sozinho pode viver em comunidade-. Somente na comunidade aprendemos a verdadeira solidão, e unicamente na solidão aprendemos o sentido da comunidade, não se trata de experiencias sucessivas, começam ao mesmo instante com o chamado de Jesus.

Querer viver em comunidade sem estar sozinho é cair no vazio de palavras e sentimentos e querer estar sozinho sem a presença de comunidade é cair num abismo de vaidade, narcisismo e desespero. O sinal distintivo da solidão é o silencio, como a palavra é o da comunidade, elas guardam a mesma relação, uma palavra oportuna nasce do silencio e o silencio nasce da palavra. (Ec 3, 7).

ESCUTAR A DEUS

Existe uma atitude de indiferença aos momentos de silêncio para com a palavra de Deus que quer se revelar. Isto acontece porque interpretamos o silêncio como uma atitude falsa ou como um intento mistico para elevar-se além da palavra. Não o vê mais como uma exigência de reconhecimento.

Calamos depois de ouvir a palavra de Deus, porque ela ressoa, vive e quer permanecer em nós. Calamos ao amanhecer e ao anoitecer porque a Deus pertence a primeira e ultima palavra do dia. A necessidade de calar-se numa era de tantos ruídos é algo que somente pode ser um ato espiritual. Nos ensina a medir as nossas palavras. O silencio do cristão é um silencio expectante, humilde e que aceita ser interrompido. Existe no silêncio, um poder de clarificação, purificação e compreensão do essencial.

Existem três coisas para as quais os cristãos necessitam de um tempo separado ao longo da jornada: a reflexão bíblica, a oração e a intercessão. As três constituem o que se conhece como meditação diária. Esta expressão  não deve nos assustar pois é um termo antigo tomado da linguagem da igreja e da reforma.

A MEDITAÇÃO DIÁRIA.


O tempo da meditação diária deve estar dedicado exclusivamente para a reflexão biblica pessoal, oração pessoal e nossa intercessão pessoal. Este tempo de meditação pessoal não é um salto no vazio sem fundo da solidão, senão uma ocasião de encontrarmos sozinhos com a palavra de Deus.

Enquanto que no culto comunitário lemos de forma continuada um texto lardo, aqui nos contentamos com um texto breve, selecionado eque pode ser o mesmo ao longo da semana. Se na leitura em comum nos leva para conhecer a sagrada escritura em toda sua totalidade e amplitude, aqui descemos a profundidade insondável de cada frase. (Ef. 3.18). Nos colocamos diante de uma frase ou palavra que lemos até que nos chega ao coração.

Não perguntamos ao texto o que ele pode dizer para outras pessoas ou que uso podemos fazer dele numa pregação, senão que nos diz pessoalmente a nós. É certo que antes devemos compreender o texto, mas não se trata de um estudo bíblico ou de uma exegese, é conhecer o que a palavra de Deus quer nos dizer. Este intento não é uma esperança vazia, se funda numa promessa clara de Deus. Devemos começar nossa meditação diária pedindo a Deus que nos envie seu Santo Espírito para que nos revele a Escritura e nos ilumine.

Não é necessário que na meditação nos esforcemos em pensar e orar com palavras, as vezes, são preferíveis a reflexão e oração silenciosa, frutos de uma atitude receptiva. Não busque pensamentos originais, não fique distraído com vaidades. Basta que a palavra de Deus penetre e faça morada em nós.

Terminando sua explicação, Bonhoeffer diz que não é necessário que nossa meditação seja para nós, uma ocasião de experiências inesperadas e extraordinárias. Certamente, elas podem acontecer, mas sua ausência não significa que a meditação tem sido inútil. Frequentemente, experimentaremos uma grande sequidão interior, falta de alegria, também incapacidade para meditar. Nosso antigo orgulho e nossa pretensão sacrilegia de colocar Deus a nosso serviço estão sempre presentes, nos persuadem de que temos direito a toda uma série de experiências sempre benéficas e entusiastas e que nossa pobreza espiritual é indigna de nós. Com este piedoso pretexto se infiltram em nós, impedindo-nos de avançar.

Somente a palavra deve reter nossa atenção, é possível que Deus mesmo nos envie essas horas de vazio e aridez espiritual para que aprendamos a espera-lo a partir de sua palavra. Buscar a Deus com alegria é a regra fundamental da meditação pessoal, e sua promessa é esta: é buscando unicamente a Deus como tu encontrarás a alegria.


A ORAÇÃO PESSOAL.

A reflexão bíblica nos conduz a oração, para o autor, devemos aprender a nos guiarmos pela palavra bíblica e orar com base no texto. Evitando assim cair no vazio de nossos pensamentos. Orar não significa outra coisa
que preparar-me para receber a palavra como uma mensagem pessoal em minhas próprias tarefas, em minhas decisões, pecados e tentações.

Uma das  tribulações de nossa meditação é a tendência dos nossos pensamentos a se dispersarem, e seguir sua tendência natural para outras pessoas ou acontecimentos da vida, por mais, que isto nos entristeça, não devemos desalentarmos nem inquietarmos, e muito menos chegar a conclusão de que a meditação não é para nós. As vezes, no lugar de buscar espantar desesperadamente estes pensamentos, pode dar bom resultado acolher em nossa oração estes pensamentos, estas pessoas e fatos que nos vem sem cessar, voltando a partir daí para o ponto de partida de nossa meditação.


A INTERCESSÃO.

Cada cristão tem seu próprio círculo de conhecidos, que  está presente em suas orações. Uma comunidade cristã vive graças aos rogos que fazem seus membros uns pelos outros, quando peço por um irmão não posso odia-lo ou condena-lo, por maiores que sejam as tribulações que ele me cause porque Cristo morreu por ele, ele é o rosto do pecador reconciliado.A intercessão é um purificador onde o indivíduo e a comunidade deve passar todo dia. Interceder pelo outro não significa outra coisa que apresentar o irmão ante Deus, ve-lo abaixo da cruz de Jesus como um homem pobre e pecador que necessita da graça. Então, desaparece todo quanto me resultava odioso nele, todo seu pecado parecem os meus, então, não posso fazer outra coisa a não ser orar.

PRESENÇA DA COMUNIDADE CRISTÃ


Sem a meditação pessoal o cristão é conduzido a mundo irreal, e não ao verdadeiro mundo de Deus, que lhe permite ser purificado e fortalecido pelos trabalhos da jornada.
O crente deve saber que aquilo que ele faz durante quando está sozinho influirá na vida comunitária, em sua solidão poderá encontrar força e santidade, toda auto-disciplina do crente é um serviço que presta a comunidade,  por outro lado, não existe pecado -pessoal ou secreto que seja- de pensamento, palavra ou obra, que não danifica a comunidade. Ditoso é aquele capaz de estar sozinho graças a força que recebe da comunidade e aquele que é capaz de manter a união com a comunidade a partir da força da solidão, esta força não é outra senão a palavra de Deus dirigida ao indivíduo integrado na comunidade.



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