domingo, setembro 05, 2010

Realidades Urbanas: Qual é a Missão Urbana Global de Deus?

Texto foi traduzido pela Global Conversation Translation Team encontrado em http://conversation.lausanne.org/pt/conversations/detail/10282#article_page_1

Observação do Editor: Este documento Avançando Cape Town 2010 foi escrito por Tim Keller para dar um panorama geral do tópico a ser discutido na sessão Plenária de Noite sobre “Megacidades” e na Sessão Multiplex sobre “Abraçando a Missão Urbana Global de Deus”. Comentários sobre este documento através da Conversa Global Lausanne serão enviados para o autor e para outras pessoas, e ajudarão a dar forma à apresentação final que farão no Congresso.

O que é uma cidade?

Hoje, uma cidade é definida, quase exclusivamente, em termos de tamanho da população. Grandes centros populacionais costumam ser chamados de “metrópoles”; pequenos centros, de “cidades”; e os menores ainda, de “vilas”. Entretanto, não devemos impor nosso uso corrente para os termos bíblicos. A principal palavra hebraica para “cidade”, “iyr”, refere-se a qualquer assentamento humano dentro de alguma fortificação ou entre muros. As populações de algumas cidades antigas eram de aproximadamente 1000 a 3000 habitantes. “Cidade” na Bíblia não se refere ao tamanho da população, mas à densidade. O Salmo 122:3 refere-se a essa densidade: “Jerusalém, que estás construída como cidade compacta”(1). O significado da palavra traduzida para “compacta” é bem entrelaçada, unida. Numa cidade fortificada, as pessoas viviam perto umas das outras, bem próximas, em casas e ruas compactas. Na verdade, na maioria das cidades antigas, havia cerca de cinco a dez acres, com 240 residentes por acre, comparando-se com as casas de Manhattan na cidade de Nova York, que tem 105 residentes por acre. (2)

Nos tempos antigos, a cidade era o que hoje consideraríamos “assentamento humano variável com várias misturas”. Por causa da densidade populacional, havia lugares para viver e trabalhar, comprar e vender, produzir e apreciar arte, adorar e buscar justiça, tudo a poucos passos de distância. Nos tempos antigos, as áreas rurais e as vilas talvez não tivessem todos estes elementos, e nos tempos modernos, os “subúrbios”, evitam este padrão de organização de propósito. Os subúrbios são zonas com uso específico: moradia, trabalho, diversão e educação. São separados um dos outros, e o acesso a eles é de carro, geralmente, passando por zonas desfavoráveis para pedestres.

O que caracteriza uma cidade é a proximidade. Ela aproxima pessoas. Portanto, residências, locais de trabalho e instituições culturais ficam próximos. Ela dá vida às ruas e locais de trabalho e traz mais interação corpo a corpo do que outros lugares. Foi isso que os autores da Bíblia quiseram dizer quando usaram a palavra “cidade”.

Missão Urbana na Bíblia

Jerusalém

No início do Velho Testamento, a importância redentora da cidade estava na própria Jerusalém como modelo de sociedade urbana:“a alegria de toda a terra” (Sl. 48:2), demonstrando ao mundo o que pode ser a vida humana sob seu senhorio. Muito já se falou sobre fluxo “centripetal” de missões durante essa era. Deus chamou as nações para crer n’Ele, aproximando-as para ver Sua glória encorporada em Israel, a nação santa que Ele tinha criado, cuja vida corporativa mostrava ao mundo o caráter de Deus (Deut 4:5-8). Entretanto, o livro de Jonas dá um sinal chocante à missão “centrifugal”do Novo Testamento, de mandar crentes ao mundo. Jonas foi o único profeta do Velho Testamento enviado a uma cidade pagã para que ela se arrependesse. A declaração final de Deus é surpreendente: “o Senhor chama Jonas para amar a grande cidade pagã de Nínive por causa do grande número de seus habitantes cegos espiritualmente” (Jonas 4:10–11).

Babilônia

Esta mudança de centrípeto para centrífugo alcança outro estágio, quando Israel é levado para o exílio. Os judeus são levados para viver no meio da ímpia, pagã e sanguinária Babilônia. Qual é a relação dos crentes com tal lugar? Jeremias 28–29 apresenta um extraordinário esboço da postura do crente na cidade. Deus diz ao Seu povo para “multiplicar-se e não diminuir” (Jer. 29:6), para manter sua identidade comunitária bem destacada e para crescer, mas Ele também manda se estabelecer e se envolver na vida da cidade grande. Eles deveriam construir casas e plantar jardins. O mais impressionante é que Deus os chama para servir a cidade, para “buscar a prosperidade da cidade” e para “orar ao Senhor em favor dela” (Jer. 29:7). Eles devem aumentar suas tribos em número em um gueto dentro da cidade, e também devem usar seus recursos para buscar o bem comum.

Isto sim é equilíbrio! Os valores de uma cidade terrena contrastam grandemente com aqueles da cidade de Deus. Mesmo assim, os cidadãos da cidade de Deus devem ser os melhores cidadãos das cidades terrenas. Deus chama os exilados judeus para servir ao bem comum da cidade pagã. Ele também tem um objetivo bem prático: servir ao bem da cidade pagã é a melhor maneira para o povo de Deus prosperar e florescer, “porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela” (Jer. 29:7), diz o Senhor. Deus ainda se preocupa com Seu plano de salvação e com o estabelecimento do Seu povo. É exatamente isso o que acontece. Como os judeus chegaram à cidade e buscaram a paz da grande cidade pagã, eles conquistaram a influência e o impulso que precisavam para, depois, voltar e restaurar sua terra natal. Além disso, os judeus permaneceram, de certa forma, dispersos pelas cidades do mundo como um grupo cosmopolita, um grupo étnico internacional que se tornou base crucial para a disseminação da messagem cristã depois de Jesus.

Residentes Estrangeiros

Existe alguma razão para crer que o modelo de Israel na Babilônia deve servir como modelo para a igreja? Sim. No exílio, Israel não existia mais como estado-nação, com governo e leis próprios. Em vez disso, Israel existiu como comunidade internacional e contracultura em outras nações. Agora, esta é a forma da igreja que Pedro e Tiago reconhecem quando se dirigiram aos crentes como “dispersos” e “exilados” (1 Pedro 1:1). Por duas vezes Pedro usou o termo parapidemois para exilados, “residentes estrangeiros”, pessoas que vivem num país de onde não são nativos nem turistas, mas estão apenas de passagem. Pedro chama os cristãos para viverem no meio da sociedade pagã de forma que os outros vejam suas “boas obras e glorifiquem a Deus”, mas os adverte para que contem com a perseguição (1 Pedro 2:11–12). Os ecos de Jeremias 29 são evidentes. Como os exilados judeus, os exilados cristãos devem se envolver em suas cidades, servindo o bem comum, em vez de dominar ou ignorar a comunidade. Eles devem esperar que a sociedade ao redor deles seja tanto hostil como atraída pela vida e pelo serviço dos crentes na cidade. Pedro indica que as boas obras dos crentes levarão, pelo menos, alguns pagãos a glorificarem a Deus.

No seu artigo “Soft Difference” (Leve Diferença) sobre 1 Pedro, Miroslav Volf mostra como a tensão que Pedro viu entre perseguição e atração e entre evangelismo e serviço não se encaixa nos modelos históricos que relacionam Cristo com a cultura (3). Diferente dos modelos que chamam os cristãos para uma transformação de cultura ou para uma aliança cristã da igreja com o estato, Pedro espera que o Evangelho seja sempre muito ofensivo, nunca totalmente aceito ou abraçado pelo mundo. Isso é um aviso para os evangélicos e cristãos que esperam estabelecer uma cultura essencialmente cristã; diferente de modelos que simplesmente chamam para o evangelismo, e são muito pessimista com relação a influenciar a cultura. Tanto Pedro, em 1 Pedro 2:12, como Jesus, em Mateus 5:16, esperam que alguns aspectos da fé e da prática cristã sejam atraentes em qualquer cultura pagã, influenciando pessoas para louvarem e glorificarem a Deus (4).

Samaria e até os confins da terra

Como Israel durante o exílio, a igreja vive como uma congregação de comunhão internacional e dispersa. Em Atos 8 vemos Deus forçosamente dispersando os cristãos de Jerusalém, e, assim, fortalecendo enormemente a missão cristã. Imediatamente, eles foram para Samaria, a cidade que o povo judeu tinha aprendido a desprezar, tanto quanto Jonas desprezou Nínive e os judeus desprezaram Babilônia. Mas, diferente dos relutantes profetas ou do exílio, os cristãos transformados pelo Evangelho tornaram-se ativos na missão urbana em Samaria (Atos 8:1).

Quando finalmente chegamos à igreja do primeiro século, vemos a missão redentora de Deus não mais em centros urbanos, como Jerusalém ou Babilônia. Todas as cidades do mundo se tornaram importantes. Em Atos 17, Paulo chega a Atenas, o centro intelectual do mundo greco-romano. Em Atos 18, ele viaja para Corínto, um dos centros comerciais do Império. Em Atos 19, ele chega a Éfeso, talvez o centro religioso do mundo romano, lugar de vários cultos pagãos e, particularmente, do culto imperial, com três templos para adoração ao imperador. No final do Livro de Atos, Paulo chega a Roma, a capital do poder do império, o centro militar e político do mundo. John Stott conclui: “Parece ter sido uma política deliberada de Paulo de, propositalmente, mudar de um centro urbano estratégico para o seguinte”.(5) Ao chegar à cidade, Paulo atingia toda a sociedade, como é evidente na Carta aos Colossenses. Nesta epístola, Paulo acompanha discípulos nas cidades junto ao Vale de Lico — Laodicéia, Hierápolis, Colossos (Col. 4:13–16)—mesmo nunca tendo visitado aqueles lugares pessoalmente. Provavelmente, eles se converteram através do ministério dos efésios. Se o Evangelho é repartido em centros urbanos, você alcança a região e a sociedade.

As razões pelas quais o ministério urbano era tão eficaz podem ser resumidas como se segue:

  • As cidades são culturalmente cruciais. Na vila alguém pode ganhar um, ou talvez dois, advogados amigos seus para Cristo, mas ganhar o grupo profissional jurídico requer ir à cidade, junto às escolas de direito, aos editores dos jornais jurídicos e assim por diante.
  • As cidades são globalmente cruciais. Na cidade pequena ou na vila, você pode alcançar um único grupo que vive lá, mas anunciar o Evangelho para dez ou vinte novos grupos/línguas ao mesmo tempo exige ir à cidade onde todos eles podem ser alcançados através da língua fluente do lugar.
  • As cidades são pessoalmente cruciais. Com isso quero dizer que as cidades são lugares perturbadores. As cidades do interior e as vilas são caracterizadas pela estabilidade, e os residentes são mais enraizados em seus costumes. Por causa da diversidade e da intensidade das grandes cidades, os moradores urbanos são mais abertos a novas idéias, como por exemplo, ao Evangelho! Como estão rodeados por tantas pessoas iguais a eles, e diferentes deles, e têm mais mobilidade, os moradores urbanos são muito mais abertos a diálogos do que moradores de outros tipos de cidades. Independentemente das razões porque se mudaram para a grande cidade, uma vez que se mudam, a pressão e a diversidade fazem do indivíduo mais tradicional e fechado uma pessoa aberta ao Evangelho.

A primeira igreja foi, em grande parte, um movimento urbano que ganhou para Cristo indivíduos das cidades romanas, e a maioria das cidades interioranas se mantiveram pagãs. Como a fé cristã conquistou as cidades, acabou conquistando toda a sociedade, o que acontece na maioria dos casos. Rodney Stark desenvolve esta idéia no livro The Rise of Christianity (A Ascensão do Cristianismo).

Em cidades grandes, com muitos “sem-teto” e grande pobreza, o cristianismo ofereceu ajuda assistencial e esperança. Para cidades com novos habitantes, o cristianismo ofereceu bases imediatas para novas conexões. Para cidades com viúvas e orfãos, o cristianismo ofereceu um sentido novo e ampliado de família. Em cidades atingidas por lutas étnicas violentas, o cristianismo ofereceu uma nova base para solidariedade social... Pessoas têm enfrentado catástrofes há séculos sem o cuidado de estruturas cristãs teológicas e sociais. Portanto, não estou sugerindo que a miséria do mundo antigo causou o advento do cristianismo. Vou argumentar que, quando o cristianismo apareceu, sua capacidade superior de atender estes problemas crônicos logo se tornou evidente e teve um papel importante no seu eventual triunfo... [Porque os cristãos] trouxeram um simples movimento urbano e também uma nova cultura. (6)

A missão cristã ganhou o antigo mundo greco-romano porque ganhou as cidades (7). As elites eram importantes, é claro, mas a igreja cristã não apenas as enfocou. Assim, como hoje, as cidades estavam cheias de pobres, e o compromisso cristão com o pobre era visível e marcante. Através das cidades, os cristãos mudaram a história e a cultura, ganhando as elites e identificando-se profundamente com o pobre. Richard Fletcher, no texto The Barbarian Conversion (A Conversão dos Bárbaros), mostra que a mesma coisa aconteceu durante a missão cristã na Europa de 500-1500 a.C. (8)

Missão Urbana Hoje

A importância crescente das cidades

Em 1050, Nova York e Londres eram as únicas cidades do mundo com populações acima de 10 milhões de habitantes em áreas metropolitanas(9). Hoje, entretanto, há mais de vinte cidades assim, doze das quais atingiram esta marca nas últimas duas décadas (10), e muitas outras estão no mesmo caminho. As cidades mundiais estão se tornando cada vez mais econômica e culturalmente poderosas; é nas grandes cidades onde se instalam as corporações multinacionais, a economia internacional, e redes sociais e tecnológicas. A revolução da telecnologia/comunicação implica que a cultura e os valores das grandes cidades globais estejam sendo transmitidas para todo o globo, todas as línguas, tribos, povos e nações. Crianças em Iowa ou no México estão se tornando mais parecidas com os adultos de Los Angeles e Nova York do que com os adultos de suas próprias localidades. A ordem do novo mundo será uma ordem urbana, multicultural e global. As cidades mundiais são cada vez mais cruciais no estabelecimento do curso da cultura e da vida como um todo, mesmo em áreas do mundo como Europa e América do Norte, onde as cidades não estão literalmente crescendo em tamanho.(11)

Existe uma segunda razão porque as cidades mundiais são tão importantes para a missão do cristianismo. Os milhões de recém-chegados às cidades em crescimento têm características que fazem deles muito mais abertos para a fé cristã do que eram antes de chegar a elas. Primeiramente, eles estão mais abertos para novas idéias e para mudanças em geral, depois de serem desenraizados do seu cenário tradicional. Em segundo lugar, eles são muito carentes de ajuda e apoio para enfrentar as pressões morais, econômicas, emocionais e espirituais da vida da cidade grande. A antiga rede de apoio dos parentes nas áreas rurais são fracas ou inexistentes, embora conte com “quase nada dos serviços governamentais" (12) no mundo em desenvolvimento. Por outro lado, as igrejas oferecem apoio comunitário, uma nova família espiritual e uma mensagem libertadora do Evangelho. "Ricas colheitas estão a espera de grupos que possam atender a necessidades dos novos cidadãos urbanos, qualquer um que possa alimentar o corpo e nutrir a alma". (13)

A necessidade de igrejas contextuais.

Entretanto, existe uma barreira muito grande para a missão urbana que não está na cidade, nem nos residentes da cidade, mas está na igreja. A sensibilidade da maioria das igrejas e dos líderes evangélicos não é urbanas e, às vezes, é até antiurbana. Muitos métodos ministeriais foram forjados fora dos centros urbanos e importados para eles, com pouca atenção dada às barreiras desnecessárias que se erguem entre habitantes da cidade e o Evangelho. Quando tais ministérios entram na cidade e se instalam, acham difícil evangelizar e ganhar seus moradores. Eles também acham difícil preparar os cristãos para a vida em um cenário pluralista, secular, culturalmente envolvente. Assim como a Bíblia precisa ser traduzida para o vocabulário dos leitores, o Evangelho precisa ser incorporado e comunicado de uma maneira compreensível para os residentes da cidade. Quais são as características de uma igreja contextualizada e nativa para a cidade?

Em um ministério urbano, as pessoas têm consciência das diferenças culturais entre grupos étnicos/raciais e classes socioeconômicas, embora quem viva em lugares mais homogêneos (qualquer lugar é culturalmente mais homogêneo do que uma cidade grande), geralmente não enxerga como muitas das suas atitudes e de seus costumes são particulares à sua raça ou classe. Em suma, líderes eficazes da igreja urbana são muito mais educados e conscientes das perspectivas e sensibilidades dos diferentes grupos étnicos, religiosos, de classes e raciais. Moradores urbanos sabem como diferentes grupos podem usar palavras idênticas para falar algo de significado diferente. Consequentemente, eles são muito circunspectos e cuidadosos ao abordarem questões que grupos raciais veem diferentemente.

Segundo, ministérios evangélicos tradicionais tendem a ajudar pouco os crentes no entendimento de como manter sua prática cristã do lado de fora das paredes da igreja, participando das artes e teatro, negócios e finanças, escola e aprendizado, governo e política. Longe dos grandes centros, pode ser mais praticável uma vida em concomitância com o discipulado cristão, que consiste em grande parte de atividades à noite ou nos finais de semana. Isso não funciona nas grandes cidades, onde as pessoas vivem a maior parte do tempo dedicadas à carreira profissional ou às longas horas de jornada de trabalho.

Terceiro, a maioria dos membros das igrejas evangélicas são da classe média em suas culturas corporativas. As pessoas valorizam privacidade, segurança, homogeneidade, sentimentos, espaço, ordem e controle. Por outro lado, a cidade grande é cheia de pessoas irônicas, irritadas, amantes da diversidade e que têm uma tolerância muito maior com ambiguidade e desordem. Se os ministros da igreja não conseguirem trabalhar dentro da cultura da grande cidade, e, em vez disso, criarem um tipo de “complexo missionário” não-urbano, vão descobrir que não conseguem alcançar, converter, nem incorporar pessoas da sua vizinhança.

Quarto, geralmente, a igreja não-urbana está situada em vizinhança razoavelmente funcional, onde os sistemas sociais são fortes ou, pelo menos, intactos. Os bairros das grandes cidades são muito mais complexos do que de outros lugares. Entretanto, ministros urbanos eficientes descobrem como interpretar sua vizinhança . Além disso, igrejas urbanas não interpretam suas vizinhanças simplesmente para atingir grupos para evangelismo, apesar de este ser um dos seus objetivos. Eles buscam maneiras de fortalecer a saúde de suas vizinhanças, tornando-as mais seguras e lugares mais humanos para se viver. Isso é buscar o bem-estar da cidade, no espírito de Jeremias 29.

Com freqüência, igrejas liberais tradicionais desenvolvem missões estritamente voltadas para a melhoria social. O objetivo delas é fazer da cidade uma sociedade mais justa e humana por meio de justiça econômica e social e do bem comum. Isto é certo em parte. Freqüentemente, igrejas conservadoras tradicionais desenvolvem missões estritamente voltadas para o crescimento da igreja. O objetivo delas é crescer e aumentar a igreja de Deus dentro da cidade grande, por meio do aumento de conversões e do poder das igrejas. Em parte, isso é correto. No entanto, estas duas coisas devem ser combinadas, porque sozinhas vão fracassar. Você não pode servir a cidade sem um número constante de novos convertidos, transformados e capacitados por uma experiência de graça: o novo nascimento. Por outro lado, o crescimento da igreja sofrerá uma interrupção se as igrejas forem cheias de pessoa que ignoram ou são hostis ao bem comum de seus vizinhos. A igreja que só “faz o bem” para os da fé, e não para “todos” (Gal 6:10) será vista (Com razão!) como tribal e sectária. Se os pagãos não virem “suas boas obras”não “glorificarão a Deus”, ou pelo menos não na mesma proporção. Ironicamente, se as igrejas urbanas colocam toda sua energia no evangelismo, e não atendem às necessidades da cidade, seu evangelismo será muito menos eficaz. Uma experiência de graça leva a uma vida dedicada a obras de serviço para o necessitado (Is 1:10-18; 58:1-10; Tiago 2:14-17). Deus disse aos israelitas que eles deveriam servir às necessidades do pobre “estrangeiro”— pode ser incrédulo — porque os próprios israelitas foram estrangeiros no Egito, mas Ele os libertou (Deut 10:19). Uma experiência de graça deve sempre levar a amar, principalmente, o seu próximo pobre e incrédulo

Biblicamente, uma experiência da graça salvadora através do evangelismo leva ao compartilhamento radical de riqueza e ajuda ao necessitado. E quando o mundo vê esse compartilhamento, que “não há pessoas necessitadas entre eles” (Atos 4:34), o testemunho evangelístico se torna mais poderoso (Atos 4:33). Assim, praticar a justiça e pregar a graça caminham de mãos dadas, não somente na experiência individual cristã, mas também no ministério e na eficácia da igreja urbana.

É necessário um movimento para alcançar uma cidade

Para alcançar uma cidade inteira é preciso que nela haja mais do que algumas igrejas eficazes ou até mesmo um reavivamento de energia e novos convertidos. Para mudar uma cidade com o Evangelho é preciso um movimento autossustentável e naturalmente crescente de ministérios e redes em torno de uma base de multiplicação de novas igrejas.

O que é isso? Cristãos vivem na cidade com uma postura de serviço. Novos negócios e organizações sem fins lucrativos renovam parte da cultura em pequenas e grandes proporções. Crentes integram sua fé ao seu trabalho para que toda vocação se torne uma atividade no reino. Campus Ministries (Ministérios de Campo) e outras agências evangelísticas produzem de forma organizada novos líderes cristãos que permanecem na cidade e se movem dentro das igrejas e networks (redes de contatos). As pessoas usam o seu poder, riqueza e influência para o bem de outras pessoas à margem da sociedade, para avançar o ministério e para plantar novas igrejas. Igrejas e cristãos individualmente apoiam e comissionam as artes. Vamos entender isso.

  1. Novas igrejas formam o coração destes ecossistemas do Evangelho. Eles fornecem o oxigênio espiritual para as comunidades e networks (redes de relacionamento) de cristãos que fazem o trabalho pesado há décadas, para renovar e redimir cidades. Estas igrejas são o principal lugar para discipulado e multiplicação de crentes, assim como o impulso financeiro para todas as iniciativas ministeriais. Este ecossistema é, portanto, uma massa importantíssima de novas igrejas. Elas devem ser centradas no Evangelho, urbanas, missionais/evangelísticas, equilibradas, crescentes e com respostas de diversas formas, superando tradições, integrando raças e classes. Esta é a essência básica do ecossistema.
  2. O ecossistema também alimenta networks e sistemas de evangelismo que alcançam populações específicas. Além do campus ministries (ministérios de campo), que são principalmente importantes como um novo impulso de desenvolvimento de liderança, outro, muito eficaz: agências evangelísticas especializadas, são necessárias para alcançar as elites, alcançar o pobre, e alcançar mulçumano, o hindu, e outros grupos culturais/religiosos específicos.
  3. Networks (redes de contato) e organizações de líderes culturais dentro de campos profissionais, como negócios, agências governamentais, universidades, artes e mídia são partes deste ecossistema também. É crucial que estes indivíduos sejam ativos nas igrejas, cuidadosamente discipulados e apoiados para a vida pública. Estes líderes também devem apoiar uns aos outros com rede de contatos e apoio em seus próprios campos, gerando novas instituições culturais e escolas de pensamento.
  4. O ecossistema também é marcado por agências e iniciativas criadas por cristãos para servirem à paz da cidade e, principalmente, ao pobre. Centenas e milhares de novas empresas e organizações sem fins lucrativos devem ser geradas para servir a todos os bairros e às populações necessitadas. Alianças de igrejas e instituições também servem às famílias e a indivíduos cristãos, e os ajudam por um longo período da vida da cidade (Ex: escolas, faculdades teológicas e outras insituições que fazem a vida da cidade sustentável para cristãos durante gerações).
  5. Além disso, este ecossistema tem redes de contatos de líderes da cidade. Líderes do movimento da igreja, teólogos/professores, presidentes de instituições, líderes culturais e patrocinadores com influência e recursos conhecem uns aos outros e fornecem visão e direção para toda a cidade

CAPE TOWN 2010 - DOCUMENTOS AVANÇADOS

Realidades Urbanas: Qual é a Missão Urbana Global de Deus?

Autor: Tim Keller
Data: 18.05.2010
Category: Missões nos Centros Urbanos

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Tipping points (Ponto da Virada)

Eventos isolados e entidades individuais cristalizam-se em um movimento autossustentável crescente quando alcançam um “ponto da virada”.

O ponto da virada do Movimento do Evangelho. Um projeto de plantio de igrejas se torna um movimento quando os elementos do ecossistema são aplicados, e a maioria das igrejas tem a vitalidade, a liderança e a concepção de plantar outra igreja em cinco ou seis anos depois da sua própria inauguração. Quando o ponto da virada é alcançado, inicia-se um movimento autossustentável. Um número suficiente de novos crentes, líderes, congregações e ministros vão sendo naturalmente produzidos para o movimento de crescimento sem nenhum centro de comando nem controle. Nos fundos da própria cidade, o corpo de Cristo produz seus próprios líderes e conduz seu próprio treinamento. Um número suficiente de líderes dinâmicos vai aparecendo. O número de cristãos e igrejas dobra a cada sete ou dez anos. Quantas igrejas devem ser alcançadas para que isso aconteça? Embora seja impossível dar um número preciso para todas as cidades e culturas, todos os elementos no ecossistema devem estar bem aplicados e muito fortes.

O ponto da virada da cidade. Um ponto da virada do movimento do Evangelho é um importante objetivo. Mas existe outro. Quando o ponto da virada do movimento do Evangelho é alcançado, pode ser que o ecossistema faça o Corpo de Cristo crescer até que o ponto da virada da cidade seja alcançado. Este é o momento em que o número de cristãos moldados pelo Evangelho em uma cidade se torna tão grande, que a influência cristã na vida social e cívica da cidade, e em toda cultura, torna-se reconhecida e reconfirmada. Por exemplo, vizinhanças continuam as mesmas se novos tipos de moradores (ricos, mais pobres ou culturalmente diferentes) compõem menos de 5 por cento da população. Alguns ministros relatam que, se nas prisões, mais de 10 por cento dos internos se tornar cristão, a cultura corporativa da prisão é mudada. O relacionamento entre os prisioneiros, entre prisioneiros e guardas... Tudo muda. Da mesma forma, quando o número de novos residentes alcança entre 5 e 20 por cento, dependendo da cultura, todo o ethos da vizinhança muda. Na cidade de Nova York, alguns grupos têm um efeito notável no modo de vida quando estes números alcançam, pelo menos, de 5 a 15 por cento e quando os membros são ativos na vida pública.

Qual é a chance de um movimento do Evangelho urbano crescer a ponto de alcançar um ‘ponto da virada’ para a mudança da cidade cada vez que o Evangelho começar a ter um impacto visível na vida da cidade e na cultura nela produzida? Sabemos que isso pode acontecer através da graça de Deus. Os livros de história dão os exemplos. Entretanto, em casos raros, líderes cristãos, como John Wesley, vivem para ver crescer o movimento que eles começaram até o ponto da eficácia. Por isso ministros urbanos devem estabelecer este objetivo e dar suas vidas a ele, mas não esperar ver o resultado em tempo aqui. Este é o equilíbrio entre expectativa e paciência de que precisamos para vencer, se quisermos ver nossas cidades amadas e alcançadas para Cristo.

  1. Citações da Bíblia da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, ©
  2. Frank Frick, The City in Ancient Israel (Tradução livre: A Cidade no Israel Antigo), citado em Harvie M. Conn e Manuel Ortiz, Urban Ministry: The Kingdom, the City, and the People of God (Tradução Livre: Ministério Urbano: O Reino, a Cidade e o Povo de Deus) (Downers Grove: Intervarsity Press, 2001), 83.
  3. Miroslav Volf, “Soft Difference”(Tradução Livre: Leve Diferença)http://www.yale.edu/faith/resources/x_volf_difference.html
  4. Thomas Schreiner defende que no Novo Testamento as pessoas glorificavam a Deus tipicamente crendo nEle (cf. Atos 13:48; Rom 4:20; 15:7,9; 1 Cor 2:7; Ef. 1:6,12,14; 2 Tess 3:1.). O que se destaca aqui é a salvação de membros pagãos da cidade porque viram a vida e o serviço dos cristãos. Ver Thomas Schreiner, 1,2 Pedro, Judas (New American Commentary) Broadman, 2003, p.124. A referência de Pedro aos pagãos que glorificavam a Deus “no dia da sua visitação” significa que muitos, no dia do julgamento, terão vindo à fé por observar a vida de cristãos.
  5. John R. W. Stott, The Message of Actos: The Spirit, the Church, & the World (Tradução livre: A Mensagem de Atos: O Espírito, a Igreja & o Mundo) (série Bible Speaks Today) (Downers Grove: InterVarsity Press, 1990), 293.
  6. Rodney Stark, The Rise of Christianity: How the Obscure, Marginal Jesus Movement Became the Dominant Religious Force in the Western World in a Few Centuries, (tradução livre: A Ascensão do Cristianismo: Como o Movimento Obscuro e Marginal de Jesus se Tornou a Força Religiosa Dominante no Mundo Ocidental em Poucos Séculos) (Harper San Francisco, 1997), 161–162.
  7. Reconheço que fatores humanos foram usados por Deus para fazer acontecer o surpreendente crescimento da primeira igreja nos seus três primeiros séculos. Houve uma crise cultural na visão global greco-romana. A adoração de antigos deuses pagãos foi morrendo. No entanto, historiadores reconhecem como foi crucial para a influência e a divulgação da igreja que ela tenha sido enraizada primeiramente em áreas urbanas.
  8. Richard Fletcher, The Barbarian Conversion: From Paganism to Christianity (Tradução livre: A Conversão dos Bárbaros: do Paganismo ao Cristianismo) (University of California, 1999.)
  9. Stott, The Message of Actos (Tradução Livre: A Mensagem de Atos), 292,
  10. Isso é verdade se for considerada uma visão restrita da população dentro dos ‘limites urbanos’ da cidade (ver www.worldatlas.com/citypops.htm) ou áreas metropolitanas ‘maiores’ (ver www.citypopulation.de/world/Agglomerations.html).
  11. Harvie Conn, The American City and the Evangelical Church (Tradução livre: A Cidade Americana e a Igreja Evangélica) (Baker, 1994),181–182.
  12. Jenkins, The Next Christendom (Tradução livre: A Nova Cristandade), 93. Deve ser observado que as cidades são atrativos para o pobre e para as minorias porque: a) oferecem mais oportunidades de trabalho do que áreas rurais; b) oferecem ‘pequenas cidades’ de pessoas do mesmo grupo étnico. Entretanto, as autoridades da cidade são geralmente hostis com os recém-chegados.
  13. Jenkins, The Next Christendom, 94.

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