A CRITICA TRANSCENDENTAL DO PENSAMENTO TEÓRICO E A SIGNIFICAÇÃO CENTRAL DA IDEIA BÁSICA PARA A FILOSOFIA.
Em nossa introdução, argumentamos que nenhum pensamento filosófico é possível sem um ponto de partida transcendente. Consideramos que mesmo o filósofo que crê que pode encontrar tal no pensamento teórico mesmo, apesar de seus protestos em contrário, deve exceder os limites do pensamento teórico para descobrir seu verdadeiro ponto arquimediano.1
A CONCEPÇÃO DE RICKERT DA AUTO-LIMITAÇÃO DO PENSAMENTO.
Rickert, um dos pensadores lideres da escola sudoeste alemã de neokantianos, sustenta que nunca os fazemos conscientes dos limites do pensamento adotando uma posição mais além desta,e, olhando para baixo desde esse ponto para o pensamento, aprendendo a conhecer sua limitação: "Tão pronto como estamos mais adiante do pensamento, não sabemos nada". 2 Sem dúvidas, correto. podemos inclusive ir mais adiante e dizer: é inteiramente impossível para nós, na realidade de ossa auto-consciência estar mais adiante de nosso pensamento, pois, fora do pensamento, nossa individualidade humana não pode abrir-se na coerência temporal de nosso mundo. Contudo, Rickert ao tratar da posição de imanência necessita de uma apreciação da transcendência da nossa individualidade. E nossa individualidade, como temos visto, nunca pode ser eliminada do ato do pensamento 3.
Certamente- se queremos apreender os limites do nosso pensamento - devemos, enquanto pensamos, chegar a uma ideia teórica transcendental dos limites. Contudo, nesta consideração não há de supor-se, como faz Rickert, que estes limites são colocados pelo pensamento. Nem podem os mesmos ser conhecidos por um pensamento que estaria abstraído de sua raiz religiosa e da coerência intermodal de significado.
Depois, de que reconhecemos a necessidade de transcender, podemos avançar um outro passo.
O intento da filosofia é darmos uma profunda visão teórica da coerência do nosso mundo temporal como uma coerência intermodal de significado. O pensamento filosófico está preso a esta coerência, somente dentro desta, ele tem significado.
É uma coerência temporal. O homem a transcende em sua individualidade, é verdade- contudo, dentro desta coerência existe num status de estar-universalmente presa-ao-tempo. O homem está preso ao tempo junto com todas as criaturas que estão acomodadas com ele na mesma ordem temporal.
A IMANÊNCIA DE TODOS OS ASPECTOS MODAIS DO SIGNIFICADO NO TEMPO.
Como observamos na Introdução, dentro desta cobertura temporal, a realidade demonstra uma grande variedade de aspectos modais que são essencialmente modalidades do significado cósmico. Mencionamos os aspectos do número, o espaço, o movimento, a energia, a vida orgânica, o sentimento e a percepção sensorial, os aspectos lógico-analítico e histórico, o aspecto de significação simbólica, o intercurso social (governado por normas de moda, cortesia,cerimônia, etc), os aspectos econômico, estético, jurídico, moral e de fé.
Este é um esquema preliminar muito rude das modalidades fundamentais de significado, ainda não investigada na análise refinada teórica de suas estruturas modais. Contudo, pode servir como orientação provisional dada a diversidade modal de nosso cosmos temporal.
Todos estes aspectos modais estão entretidos entre si em uma ordem cósmica do tempo que garante sua coerência de significado. Como veremos mais abaixo, a ordem do tempo está necessariamente relacionada com a duração fractual do tempo. E, só, esta correlação indissolúvel de ordem e duração pode ser chamada tempo cósmico, a distinção de todos seus aspectos modais especiais. Em nenhuma parte trascendendemos realmente este tempo cósmico, exceto no centro religioso de nossa existência. Nem no conceito como seu significado intencional, nem sequer na Ideia transcendental como conceito limite "qua talis".
A teologia sempre necessitará desde aspecto limite do tempo em que a ordem temporal cósmica está indissoluvelmente conectado com o reino revelado supra-temporal. Contudo, não pode estar de acordo com a tendência de alguns teólogos cristãos modernos, que identificam o aspecto escatológico do tempo com o histórico e recusam a esfera central supra-temporal da existência humana e da revelação divina.
EXPERIÊNCIA NATURAL E TEÓRICA DO TEMPO.
Na atitude natural pré-teórica da experiência temos uma experiência integral imediata do tempo cósmico na coerência ininterrupta de todos os aspectos modais, inclusive os normativos, e em relação concêntrica com a individualidade. Se me apresso no meu trabalho e olho no meu relógio, então, o tempo tem para mim não somente um aspecto objetivo de movimento senão que o experimento na coerência contínua de seus aspecto de número, espaço e movimento com o fluxo da vida orgânica, duração de sentimento e os aspectos normativos sociais. Quando eu dou lugar a uma pessoa que tem um posto mais alto na escala social, estou intuitivamente consciente do aspecto da significação simbólica e do aspecto de relação social na ordem temporal. Isto vale de igual maneira para os aspectos econômicos e jurídicos do tempo, quando gasto o escasso tempo que tenho a minha disposição duma maneira econômica definida ou que cuide de não atrasar o cumprimento de minhas obrigações legais. A experiência implícita dos aspectos normativos da ordem temporal na noção de ser "demasiado tarde" é uma das indicações mais evidentes do caráter integral da consciência natural do tempo.
Entretanto, não é menos certo que na experiência natural, os diferentes aspectos modais não chegam explicitamente à consciência, senão somente implicitamente e em conjunto. A continuidade do tempo cósmico aqui completamente cobre as fronteiras modais de seus aspectos.
Na atitude de pensamento teórico filosófico, ao contrário, podemos aproximarmos do tempo- e da realidade temporal- só numa separação analítica de seus aspectos modais, os quais, entretanto, continuam expressando sua coerência de significado em sua mesma estrutura intrínseca.
§2 A CRÍTICA TRANSCENDENTAL DO PENSAMENTO TEÓRICO E O DOGMA CONCERNENTE A AUTONOMIA DO SEGUNDO.
A SEGUNDA VIA DE UMA CRÍTICA TRANSCENDENTAL DA FILOSOFIA.
Aqui, se abre uma segunda via para submeter o pensamento filosófico à uma crítica transcendental. Na Introdução, escolhemos o caminho desde acima: começamos com a posição de que é da natureza da filosofia, o estar dirigida para a totalidade de significado da realidade temporal e a individualidade, e então, fomos, imediatamente, ao problema do ponto arquimediano e do ἀϱχή.
Contudo, nesta linha de pensamento, tivemos que iniciar com uma suposição sobre o caráter da filosofia, que não é de todo aceito universalmente nos círculos filosóficos. Além disso, poderia parecer que está faltando uma explicação apropriada da transição do problema teórico básico da filosofia para a esfera religiosa central.
Portanto, desde a aparição da primeira edição deste trabalho (i.e., a holandesa), tenho dirigido toda minha atenção a um refinamento do método de crítica transcendental mediante o qual poderia encarar a objeção acima posta. As concepções da tarefa da filosofia são extremamente divergentes e toda a eleição a priori de uma posição nesta matéria pode ser considerada como dogmática. Por seguinte, se nossa crítica transcendental tem que englobar realmente toda a concepção da tarefa filosófica, deve ela examinar necessariamente a atitude teórica do pensamento como tal. Pois, nenhuma verdadeira filosofia pode escapar desta atitude.
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A POSTULAÇÃO DOGMÁTICA DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO TEÓRICO.
A filosofia da imanência em todos os seus matizes se sustém ou cai com o dogma da autonomia do pensamento teórico. Entretanto, até aqui tem sido simplesmente postulado que esta autonomia se segue da natureza de tal pensamento, sem justificar esta asserção mediante uma investigação realmente crítica da estrutura interna da atitude teórica do pensamento mesmo. Não só a metafísica tradicional, mas também a epistemologia kantiana, a fenomenologia moderna e a ontologia fenomenológica no estilo de Nicolai Hartmann continuaram a este respeito envolvidas num dogmatismo teórico. Prejuízos essencialmente supra-teóricos foram assim tratados como axiomas teóricos, e não foi dita nenhuma explicação da fundamental significação destes prejuízos para a visão teórica completa da realidade empírica.
AS DIFERENTES VISÕES DA AUTONOMIA DO PENSAMENTO TEÓRICO E A ORIGEM DESTA DIFERENÇA.
Havia, contudo, toda razão para fazer da assim chamada autonomia do pensamento teórico, um problema crítico. Em primeiro lugar, não se pode negar que na filosofia grega tinha um significado inteiramente distinto daquele que tinha na escolástica tomista. Em ambas, novamente, foi vista de uma maneira inteiramente diferente que no pensamento humanista moderno. Tão cedo, alguém penetra na raiz destas concepções fundamentalmente diferentes, este encontra uma diferença no ponto de partida religioso que está na base da pretendida autonomia do pensamento.
Quando a filosofia grega começa a afirmar sua autonomia contra a fé popular, a faz porque, em sua estima, a teoria é a verdadeira via para o conhecimento de Deus. A Pistis (fé), que continua ligada as representações mitológicas sensoriais dá somente uma doxa, uma opinião incerta. Tão antigo como o tempo do poema didático de Parmenides, estas duas vias foram colocadas, claramente, em oposição entre si. Platão disse que está destinado exclusivamente para os filósofos aproximar-se da raça dos deuses. Mas, a completa teoria filosófica dos gregos, como demonstrei em detalhe, a partir das fontes, no primeiro volume do meu REFORMA E ESCOLÁSTICA NA FILOSOFIA, continua a ser dominada pelo mesmo motivo religioso fundamental, o qual estava também no fundo a fé popular e a qual, desde o tempo de Aristóteles, foi chamado o motivo matéria-forma.
Por outro lado, a visão tomista da autonomia da "naturalis ratio" é ininteligível, a menos que seu plano de fundo religioso seja apreendido, a saber, o motivo escolástico básico da natureza-graça. Este motivo era inteiramente estranho ao pensamento grego. De modo parecido, alguém não pode aproximar-se da moderna concepção humanista da autonomia em diferença fundamental em relação ao tomismo sem haver entendido seu plano de fundo religioso no ideal humanista da ciência e da personalidade. Este plano de fundo religioso encontra expressão no motivo fundamental que desde Kant tem sido chamado de natureza e liberdade.
O tomista alega que, no uso próprio da razão natural, a filosofia nunca pode entrar em contradição com as verdades sobrenaturais da graça da doutrina da igreja. Esta posição implica numa acomodação ao dogma eclesiástico da metafísica e a visão da natureza aristotélica (aceitas como um produto da razão natural). O kantiano e o hegeliano mostraram tão pouco entendimento desta empreitada escolástica para esta acomodação, que trataram como o caso como se Aristóteles mesmo tivesse conhecimento do tomismo. É assim que o dogma concernente a autonomia do pensamento teórico nunca pode dar conta das diferentes concepções fundamentais do mesmo. É por isso que perde seu direito de servir como um não problemático ponto de partida da filosofia.
O DOGMA CONCERNENTE A AUTONOMIA DO PENSAMENTO TEÓRICO COMO UM IMPEDIMENTO A DISCUSSÃO FILOSÓFICA ENTRE AS VÁRIAS ESCOLAS.
Surge uma e outra vez que este dogma impede um entendimento mútuo entre as escolas filosóficas que mostram estarem fundamentalmente opostos em seu verdadeiro (ainda que oculto) ponto de partida. Este é um segundo fundamento para duvidar de seu caráter de axioma puramente teórico.
Porque se todas as correntes filosóficas que pretendem escolher seu ponto de permanência no pensamento teórico apenas, não tiveram na realidade pressuposições mais profundas, seria possível convencer a um oponente de seu erro de um modo puramente teórico.
Mas, de fato, um tomista nunca teve êxito em convencer, mediante argumentos puramente teóricos, a um kantiano ou a um positivista da sustentabilidade de sua metafísica teórica. Ao contrário, a epistemologia kantiana nunca teve êxito em ganhar um só tomista para o idealismo crítico.
No debate entre estas escolas filosóficos, um tem a impressão de que estão raciocinando com propósitos cruzados, porque não são capazes de encontrar um caminho para penetrar nos verdadeiros pontos de partida dos outros. Os últimos estão mascarados pelo dogma concernente a autonomia do pensamento teórico. O mesmo vale, por exemplo, no debate conduzido por um positivista da Escola de Viena com um pensador hegeliano ou um spinozista.
Este simples fato da experiência, na natureza do caso, não prova, todavia, a impossibilidade da reflexão teórica autônoma na filosofia. Mas, é bastante suficiente para demonstrar que é necessário fazer da autonomia do pensamento teórico um problema crítico e já não deixá-la como um axioma científico.
Este problema deveria ser postulado como uma "quaestio juris". Isto toca as ciências empíricas tanto como a filosofia, posto que ambas implicam na atitude teórica do pensamento.
A NECESSIDADE DE UMA CRÍTICA TRANSCENDENTAL DO PENSAMENTO TEÓRICO COMO TAL. A DIFERENÇA, EM PRINCÍPIO, ENTRE A CRÍTICA TRANSCENDENTE E A TRANSCENDENTAL.
A resposta própria a questão acima colocada requer uma crítica transcendental da atitude teórica do pensamento como tal. Por isto, entendemos uma indagação crítica (que não respeite nada do assim chamado axioma teórico) sobre as condições universalmente válidas, somente as quais fazem possível o pensamento teórico, e que são requeridas pela estrutura imanente deste pensamento mesmo. Nesta última restrição está a diferença, em princípio, entre uma crítica transcendente e uma transcendental da ciência e da filosofia.
A primeira não toca realmente o caráter interno e a estrutura imanente da atitude teórica do pensamento, mas, confronta, por exemplo, a fé cristã com os resultados da ciência moderna e com os vários sistemas filosóficos e, portanto, verifica se existe ou não, de fato, um conflito.
Permanece dogmática, entretanto, tanto que falha ao não encarar diretamente a primeira questão sobre se a atitude teórica de pensamento mesmo, com referência a sua estrutura interna, pode ser independente de prejulgamentos supra-teóricos. Com tal dogmática, criticismo meramente transcendente, alguém corre o risco de considerar como resultado da ciência sem prejulgamentos ou
crítica meramente transcendental, dogmática, alguém corre constantemente o risco de considerar como resultado da ciência imprejudic e a reflexão filosófica, algo que aparece diante da indagação crítica ser a consequência de um prejulgamento religioso mascarado e de uma atitude de fé anti-cristã. Além disso, há outro perigo sempre presente.O que é realmente um complexo de ideias filosóficas dominadas por motivos não-bíblicos pode ser aceito pela teologia dogmática e acomodado a doutrina da igreja. O perigo consiste em que este complexo de ideias seja tido como um artigo da fé cristã se este tem inspirado a terminologia de algumas confissões de fé. A crítica transcendente, em outras palavras, precisa de valor para a ciência e para filosofia pois confronta entre si duas esferas diferentes cujo ponto interno de contato é deixado inteiramente na escuridão. Alguém poderia, então, proceder de modo igualmente correto a exercer a crítica da ciência a partir do ponto de vista da arte ou da política!
Para garantir desde o princípio, uma atitude realmente crítica na filosofia, a crítica transcendental do pensamento teórico dever vir no começo mesmo da reflexão filosófica.
§3 O PRIMEIRO PROBLEMA BÁSICO TRANSCENDENTAL DO PENSAMENTO TEÓRICO. A RELAÇÃO "GEGENSTAND" VERSUS A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO.
Como é caracterizada a atitude teórica de pensamento em contraste com a atitude pré-teórica da experiência comum?
Nosso exame introdutório do problema do tempo nos tem mostrado o caminho que deve conduzir necessariamente a solução desta questão.
Tornou-se que na atitude teórica do pensamento analisamos a realidade empírica separando-a em seus aspectos modais. Na atitude pré-teórica da experiência comum, ao contrário, a realidade empírica se oferece na coerência íntegra do tempo cósmico. Aqui, captamos o tempo e a realidade temporal em uma estrutura de individualidade total típica, e nos tornamos conscientes dos aspectos modais mais que implicitamente. Os aspectos não estão despedaçados, mas mais bem concebidos como estando juntos numa coerência ininterrupta contínua.
A ESTRUTURA ANTITÉTICA DA ATITUDE TEÓRICA DO PENSAMENTO EM SEU CARÁTER PURAMENTE INTENCIONAL* E A ORIGEM DO PROBLEMA TEÓRICO.
*(Intencional- se usa aqui no sentido de uma direção mental a partir do "GEGENSTAND", um sentido parecido com uso fenonemológico- BRENTANO E HUSSERL) (NT)
O pensamento teórico tem uma típica atitude antitética em todas as suas formas positivas. Aqui, nos opomos a função lógica de nosso ato real de pensamento, i.e., a analítica, os aspectos não-lógicos de nossa experiência temporal." Esta por aquele se converte numa "GEGENSTAND" num sentido de oposição" (Widerstand) à nossa função analítica
12. Estes aspectos não-lógicos, assim mesmo, pertencem ao nosso ato do pensamento real em sua concretude temporal, e consequentemente, não tem de buscar-se , exclusivamente, fora da estrutura temporal plena deste. Em outras palavras, a estrutura antitética da atitude teórica de pensamento somente pode se apresentar dentro da estrutura total temporal do ato de pensar.
A primeira estrutura é somente intencional, não tem um caráter ôntico*.
O termo ôntico não é tomado aqui no sentido em que Heidegger o usa, nem em um sentido metafísico em geral. Está exclusivamente referente a realidade empírica em sua integridade, a qual inclui todos os aspectos modais e estruturas da individualidade (NT)
Os aspectos não-lógicos estão em uma antítese intencional com a função lógica do pensamento. Qualquer intento por apreender os primeiros num conceito lógico encontra resistência de sua parte. O problema teórico se origina nesta resistência.
Na análise lógica, o aspecto que opõe ao lógico se distingue teoricamente dos demais aspectos. Consequentemente, se designamos o aspecto oposto mediante o símbolo x e os aspectos restantes através do símbolo y, então x também estará em uma relação antitética com y.
Esta antítese teórica não corresponde a estrutura da realidade empírica. Somente é uma consequência da necessária abstração teórica dos aspectos modais em respeito ao tempo cósmico. Este último vincula os aspectos em uma coerência contínua de significado e nunca pode eliminar-se da realidade.
Agora, que temos visto que os aspectos não-lógicos da experiência oferecem resistência a uma análise lógica de sua estrutura. Esta resistência surge do fato de que, incluindo quando se abstrai teoricamente, a estrutura modal do aspecto não-lógico x que se converte em GEGENSTAND contiua expressando sua coerência (de significado) com os aspectos modais e que não tinham sido escolhidos como campo da investigação.
A abstração teórica dos aspectos modais em respeito ao tempo cósmico é necessária para uma compenetração teórica na diversidade modal do significado como tal.
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Tão cedo nos damos conta, entretanto, que a atitude de pensamento surge só na abstração teórica, já não podemos considerar a razão teórica como um
dado não problemático.
O PRIMEIRO PROBLEMA TRANSCENDENTAL BÁSICO RELATIVO À ATITUDE TEÓRICA DO PENSAMENTO.
O primeiro problema transcendental básico com o qual estamos confrontados é exatamente a relação-Gegenstand" teórica. podemos formular este problema da seguinte maneira: Que é o abstraímos na atitude antitética do pensamento teórico a partir das estruturas da realidade empírica, tal e como estas estruturas estão dadas na experiência comum? E como é possível esta abstração?
Aqueles que recusam a concepção integral do tempo cósmico desenvolvida acima devem buscar outra solução para o problema crítico que temos proposto. Contudo, se confrontamos seriamente a atitude teórica do pensamento com a atitude pré-teórica da experiência comum, o problema mesmo já pode ser resolvido.
UM CONFRONTAÇÃO MAIS PRÓXIMA DA ATITUDE PRÉ-TEÓRICA (COMUM) COM A TEÓRICA.
A atitude comum do pensamento precisa, em princípio, de uma estrutura antitética intencional. Consequentemente, não sabe de problemas teóricos. Este tema não pode ser tratado em seu pleno alcance antes do nosso terceiro volume. Não obstante, em nossos prolegômenos, devemos elucidar mais proximamente alguns estados de coisas essenciais relacionada com a atitude da experiência comum, por isto que isto é pedido pela nossa presente crítica transcendental do pensamento teórico.
Observamos, previamente, que na atitude comum da experiência, nossa função lógica do pensamento, no que tange ao seu conteúdo intencional, permanece inteiramente acomodado na coerência contínua do tempo cósmico. Neste caso, nossa função lógica, como todas as outras funções da consciência, permanecem completamente dentro desta coerência.
Na experiência comum captamos a realidade na típica estrutural total das coisas individuais e os eventos concretos. Todos os aspectos modais estão agrupados e tipificado* de uma maneira característica e numa coerência inquebrável do tempo dentro de uma totalidade individual. Isto ocorre sem envolver qualquer distinção analítica dos aspectos modais.O processo natural de formação de conceitos não está dirigido até estes, senão para
coisas e eventos concretos como
totalidades individuais. Não se ocupa de relações abstratas de número ou espaço, nem com os efeitos da energia como tais, se não com coisas que são contáveis, espaciais e sujeitas a mudanças físico-químicas. Na estrutura total da experiência comum, o aspecto lógico está ligado com os aspectos não-lógicos numa
coerência indissolúvel. Consequentemente, o aspecto lógico é concebido como um componente inerente, mas, implicíto da realidade concreta mesma. O mesmo é verdadeiro a respeito do aspecto da percepção sensível, o aspecto histórico-cultural, o estético e assim, consecutivamente. Contudo, como podemos entender isto?
*O professor Dooyeweerd mesmo cunhou o termo typicalized como tradução da palavra holandesa getypiseerd, a qual significa ordenado segundo tipos. Em português, podemos usar tipificado
A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA EXPERIÊNCIA COMUM (PRÉ-TEÓRICA).
A experiência pode te este caráter integral somente em virtude da relação sujeito-objeto que lhe é inerente. Nesta relação, as funções e qualidade objetivas são irreflexivamente estão ligados as coisas e aos assim chamados eventos naturais dentro dos aspectos modais nos quais não é possível que apareçam como sujeitos.
Assim, como homens adultos que superamos as representações animistas, sabemos perfeitamente bem que a água mesma não vive. Entretanto, no aspecto da vida orgânica que atribuímos a mesma a função objetiva de ser meio necessário para a vida. Sabemos que o ninho de uma ave não está vivo, mas o podemos conceber significativamente como uma coisa somente em relação com a vida subjetiva da ave. Concebemos, assim, o ninho de um pássaro como um objeto típico da vida. Sabemos que uma rosa não sente ou pensa ou se envolve na avaliação estética como um sujeito. Não obstante, a atribuímos, respectivamente, qualidades objetivas de cor e odor sensoriais, características objetivas lógicas, qualidades culturais objetivas e beleza objetiva. Além disso, esta relação sujeito-objeto, na atitude da experiência e o pensamento comum, é captada como uma relação estrutural da realidade mesma. Isto é, as funções objetivas pertencem às coisas mesmas em relação com as possíveis funções subjetivas que as cosas não possuem nos aspectos da realidade envolvidos.
A cor vermelho sensorial está ligado a uma rosa, não em relação com minha percepção individual ou a tua, senão em relação com qualquer possível percepção individual ou a tua, senão em relação com qualquer possível percepção normal humana da cor. Semelhantemente, a água é um meio de vida para todo organismo vivo possível. Contudo, então, também, quando a relação sujeito-objeto no aspecto biótico é individualizado completamente, como o caso do ninho do pássaro, a experiência comum, todavia, a liga com as funções objetivas em questão com as coisas mesmas. A liga estas funções objetivas na relação estrutural com a vida subjetiva do animal em questão. As qualidades objetivas que são ligadas a esta coisa nos aspectos lógicos e pós-lógicos estão sem dúvida relacionadas com as funções subjetivas da natureza humana. Contudo, estão relacionadas, de tal maneira, que aqui, também, encontra expressão a estrutura típica da individualidade da coisa, a qual está caracterizada por uma relação específica com a vida animal. O ninho da ave permanece sendo um ninho de ave tendo em vista suas características lógicas objetivas. Permanece sendo um ninho de ave quando é um objeto possível da cultura humana, tendo uma significação simbólica objetiva expressada em seu nome e tenha qualidades estéticas objetivas.
O conceito metafísico da substância, o conceito de um "Ding an sich, " é em princípio alheio a experiência comum. Também, o é o fechamento abstrato da realidade das coisas naqueles aspectos modais que foram o campo da investigação da física, da química e da biologia.
Através da relação sujeito-objeto, nós mesmos, consequentemente, experimentamos a realidade na coerência integral e total de todos os seus aspectos, tal e como está dada dentro do horizonte temporal da experiência humana. A experiência comum deixa intactas as estruturas totais típicas desta realidade.
A relação antitética da atitude teórica de pensamento, ao contrário, separa a realidade na diversidade dos seus aspectos modais.
A teoria dogmática do conhecimento, a qual considerava a atitude teórica do pensamento como um "datum" não-problemático, erradicou, consequentemente, a diferença fundamental entre as atitudes de pensamento teórica e pré-teórica e, finalmente, identificou a relação sujeito-objeto com a antitética relação GEGENSTAND.
Foi assim que a experiência comum mesma foi mal interpretada como uma teoria acerca da realidade e identifica com a teoria acrítica do "realismo ingênuo" ou a "teoria da cópia". Então, em aliança com a ciência moderna natural e a teoria fisiológica sobre as energias específicas dos sentidos. A epistemologia moderna assumiu a tarefa de refutar este "realismo ingênuo"! Neste momento, não é necessário entrar mais adiante nesta errônea concepção fundamental. Trataremos da mesma mais plenamente no terceiro volume.
No momento, é suficiente que que tenhamos deixamos claro que a diferença fundamental entre a atitude natural do pensamento e a teórica, de modo que, podemos entender perfeitamente a inevitabilidade do primeiro problema transcendental em respeito ao segundo.
AS CONSEQUÊNCIAS DE IGNORAR O PRIMEIRO PROBLEMA BÁSICO TRANSCENDETAL NA CONCEPÇÃO TRADICIONAL DA RELAÇÃO CORPO E ALMA NA NATUREZA HUMANA.
A ignorância dogmática deste problema tem tido consequência de amplo alcance para a inteira visão da realidade temporal. Incluso na antropologia filosófica, assim como na teológica, estas consequências podem ser demonstradas , assim como na teológica, estas consequências podem ser demonstradas. Por exemplo, a tradicional concepção dicotômica da natureza humana como uma composição de corpo material e alma racional está, sem dúvida, conectada com esta concepção errada de que a relação antitética na atitude teórica de pensamento responde a realidade mesma.
Aristóteles, de acordo com Platão, tratou de demonstrar que a atitude teórica do pensamento ( o nous poietikos, i.e., o intelecto agente) ao formar conceitos lógicos deve ser completamente independente e estar separado dos órgãos do corpo material. O intelecto agente deve estar separado do corpo porque pode captar o diferente de si mesmo na universalidade lógica e na abstração. A atividade teórica é hipostasiada aqui em seu aspecto lógico como uma ousia ou substância imortal.
Tomás de Aquino aceitou este argumento aristotélico, mas, o acomodou ao estilo escolástico à doutrina da igreja. Consequentemente, sustentou que a alma racional inteira, a qual era caracterizada pela atividade teórica do pensamento, deve ser uma substância imortal e puramente espiritual!
Uma conclusão direta é tirada a partir da estrutura antitética puramente intencional da atitude teórica do pensamento, no sentido de que há uma real separação da função lógica em respeito a todos os aspectos pré-lógicos do corpo! Esta conclusão foi dirigida pelo motivo dualista matéria-forma, o qual impede uma visão integral da realidade empírica.
Contudo, não se ganha nada com ignorar o problema implicado na síntese teórica. Pois, surgem novos problemas transcendentais tão pronto como tratamos de explicar o caminho que seguimos, na atitude teórica do pensamento para superar a antítese em questão.
Não podemos nos deter no problema teórico, nascido de uma resistência oferecida pelo GEGENSTAND não-lógico a nossa função lógica em sua atividade analítica. Devemos proceder da antítese teórica à síntese teórica entre os aspectos lógico e não-lógico, se é que há de ser possível um conceito lógico do Gegenstand não-lógico.
§4 O SEGUNDO PROBLEMA BÁSICO TRANSCENDENTAL: O PONTO DE PARTIDA DA SÍNTESE TEÓRICA.
Agora surge, contudo, um segundo problema transcendental que pode ser formulado da seguinte maneira:
Desde qual posição podemos reunir sinteticamente os aspectos lógico e não-lógico da experiência que foram separados em oposição entre eles na antítese teórica?
Esta questão toca o núcleo de nossa investigação. Ao colocar este segundo problema básico, submetemos a todo ponto de partida possível do pensamento teórico a uma crítica fundamental. Deste modo, devemos, finalmente, resolver a questão de se o dogma da autonomia da razão teórica é compatível com a estrutura intencional da atitude teórica do pensamento.
Agora que isto é evidente, que o verdadeiro ponto de partida da síntese teórica, não importa como seja escolhido, em nenhum caso tem de encontrar-se em um dos termos da relação antitética. Deve transcender necessariamente a antítese teórica e relacionar os aspectos que tem sido separados teoricamente com uma unidade radical mais profunda (ou no caso de uma posição dualista, talvez com um par de supostas unidades radicais). Pois uma coisa é certa: a relação antitética, com a qual se sustém ou cai a atitude teórica do pensamento, não oferece em si mesma uma ponte entre o aspecto lógico do pensamento e sua GEGENSTAND não-lógica. Vimos, antes, que incluindo o tempo cósmico, que garantirá a coerência indissolúvel entre os aspectos modais, não apresenta um ponto arquimediano ao pensamento teórico.
Este parece implicar ao mesmo tempo, que o segundo não tem em si mesmo um ponto de partida para a síntese teórica.
Incluindo aqui, o dogma da autonomia da razão teórica parece conduzir a seus adeptos a um impasse inescapável.
O IMPASSE DA POSIÇÃO DE IMANÊNCIA E A FONTE DAS ANTINOMIAS TEÓRICAS.
Para manter a pretendida auto-suficiência do pensamento teórico, os defensores deste dogma se sentem compelidos a buscar seu ponto de partida na razão teórica em si mesma.
Contudo, esta, por virtude de sua própria estrutura antitética, está obrigada a proceder de um modo sintético. Agora sim, há tantas modalidades de síntese teórica possíveis como há aspectos de um caráter não lógico pertencentes a experiência temporal.
Há pensamento sintético de caráter matemático, físico, biológico, psicológico, histórico e outros. Em qual destes possíveis pontos de vista científicos especiais pode a visão teórica da realidade empírica buscar seu ponto de partida? Não importa como se faz a eleição, esta inevitavelmente equivale a absolutização de um aspecto modal especial sinteticamente apreendido.
OS VÁRIOS ISMOS NA VISÃO TEÓRICO DA REALIDADE.
Esta é a fonte de todos os ismos na imagem teórica da realidade. Se deve fazer constantemente o esforço de reduzir todos os outros aspectos a meras modalidades de que tem sido absolutizado. Estes ismos jogam seu papel confundindo nos diferentes ramos da ciência assim como na filosofia.
No entanto, esses ismos ( como o materialismo, o biologismo, o sicologismo, o historicismo,etc) são acríticos em um sentido duplo. Em primeiro lugar, nunca podem ser justificados teoricamente. A estrutura antitética da atitude teórica de pensamento oferece resistência determinada contra qualquer reduzir um aspecto a outro. Se vem da absolutização envolvendo ao pensamento teórico em antinomias internas. No tem lugar na inteira esfera teórica para o absoluto porque a atitude teórica de pensamento está ela mesma fundada numa relação antitética.
A síntese teórica não pode cancelar esta relação. Isto seria equivalente ao cancelamento da atitude teórica do pensamento mesmo. Em toda síntese teórica, a análise lógica permanece ligada a estrutura modal do aspecto não-lógico oposto. E a síntese é, consequentemente, parcilamente de um caráter lógico e parcialmente de um caráter não-lógico. A síntese teórica é, seguramente, uma união, mas não a união mais profunda do lógico e do não-lógico.
Pressupõe um ponto de partida supra-teórico que deve transcender a diversidade teórica. Consequentemente, o que temos dito também vale para todo ponto de vita sintético científico especial. E com isto tocamos o segundo fundamento do caráter acrítico de todos os ismos na concepção teórica da realidade.
Em cada um deles retorna sem solução, o segundo problema básico transcendental. A absolutização mesma não pode resultar da atitude teórica do pensamento. Aponta a um ponto de partida supra-teórico, a partir do qual se efetua a síntese teórica. Contudo, se oporá, vamos em busca de um ponto de partida para a síntese teórica.
Imperceptivelmente, este problema tem sido identificado como o do ponto de partida para a visão teórica da realidade. Não tem sido o problema inteiramente colocado deste modo? Requer a ciência de verdade, uma visão teórica da realidade? Ela mesma é, por exemplo, necessária para as matemáticas puras, para a lógica, para a teoria ética?
O PROBLEMA DO DENOMINADOR BÁSICO PARA A COMPARAÇÃO TEÓRICA E A DISTINÇÃO DOS ASPECTOS MODAIS.
Para responder a esta pergunta, posso trazer primeiramente que a atitude teórica de pensamento consiste em dividir os aspectos da realidade temporal em oposição um com o outro. Consiste, primeiramente, na oposição do aspecto lógico de nosso ato de pensamento a todos os aspectos que são de um caráter não-lógico. Toda distinção teórica destes últimos aspectos supõe uma compenetração em suas
mútuas relações e coerência. Ou, em outras palavras, supõe um denominador básico, debaixo do qual os aspectos não-lógicos podem ser atraídos para ser comparados entre si. Porque não poderiam ser diferenciados a não ser que tivessem algo em comum. Desde nosso ponto de vista, os aspectos modais não tem outro comum denominador senão a ordem cósmica do tempo. Desde o nosso ponto de vista, esta se expressa na estrutura modal de cada um dos aspectos e é a garantia de sua coerência de significado com todo o resto. Desde a posição de imanência, deve ser buscado outro denominador para a comparação, por exemplo, como já foi discutido, reduzindo todos os outros aspectos a modalidades de uma especial (absolutizada) ou como era comum na metafísica grega e na escolástica, aceitando o conceito metafísico de ser como um assim chamado "unidade analógica", estabelecida na base da diversidade dos aspectos especiais. No entanto, a visão teórica das relações mútuas e a coerência dos aspectos em todo caso implicam uma visão teórica da realidade. Pois esta não é senão a visão dos aspectos modais abstraídos na totalidade de sua coerência.
O PAPEL DOS ISMOS NAS MATEMÁTICAS PURAS E NA LÓGICA.
Nenhuma ciência especial, nenhum filosofia podem escapar a tal visão teórica da realidade
Nas matemáticas puras surge imediatamente este problema: Como pode se ver a relação mútua entre os aspectos do numero, o espaço, o movimento, a percepção sensorial, o pensamento lógico e a significação simbólica? Tem surgido diferentes escolas nas matemáticas puras, tais como o logicismo, o formalismo simbólico, o empirismo e o intuicionismo, de acordo com suas respectivas visões teóricas sobre este problema básico. Estas diferenças não estão restringidas a filosofia das matemáticas. O famoso matemático holandês Brower, principal representante da escola intuicionista aboliu um ramo inteiro de trabalho científico especial que havia sido construído pelas teorias logicista e formalista ( a teoria dos assim chamados números transfinitos).
As três primeiras escolas, o logicismo, o formalismo simbólico e o empirismo tratam de reduzir os aspectos do número e o espaço aos aspectos lógico, linguístico e sensório perceptual respectivamente. Também na mesma lógica, observamos o surgimento de uma grande diversidade de escolas teóricas. Aqui, também, esta diferença com respeito a natureza e limites do campo de investigação está determinada por uma visão teórica da realidade em seus aspectos modais. Esta determinada por uma concepção teórica do lugar que o aspecto lógico ocupa na ordem inteira e coerência dos aspectos modais (psicologismo, matematicismo, convencionalismo simbolista, historicismo dialético, etc). Invariavelmente, o ponto de partida que é escolhido para a síntese teórica, em geral, permanece sendo decisivo para a visão da relação mútua e a coerência dos aspectos modais.
Que este é também o caso na ética normativa, estética e teologia pode ser demonstrado de maneira convincente. Contudo, teríamos que antecipar muita coisa de nossas indagações posteriores se formos agora elaborar todos estes pontos. Especialmente, as concepções em voga a respeito do campo de investigação da ética são ainda vagas. Estão mal definidas a um grau tal que uma discussão adequada da ética requer uma exposição detalhada, a qual excederia o âmbito de nossa crítica da atitude teórica do pensamento.
DELIMITAÇÃO PROVISIONAL DO ASPECTO MORAL
No presente contexto, portanto, somente estabeleceremos o fato de que a ética, na medida em que reclama um campo de investigação diferente da teologia e da filosofia do direito, ão pode ter um outro Gegenstand que o aspecto moral da realidade temporal. Este aspecto está caracterizado como o das relações temporais de amor tal e como estão diferenciados mais precisamente como o amor conjugal, o amor dos pais e dos filhos, o amor à pátria, o amor social do próximo para alguém e vice-versa.
14 É novamente evidente que este aspecto tem seu próprio significado modal somente na coerência com os outros aspectos modais da realidade temporal. A visão teórica desta é então, novamente, decisiva para a concepção que alguém tem das normas morais e esta visão, por sua vez, depende do ponto de partida da reflexão teórica ética.
A partir do que dizemos acima, é muito evidente que cada campo de investigação teórica, seja ou não isto chamado "empírico" no sentido estreito, pressupõe uma visão teórica da realidade temporal. E uma visão teórica tal da realidade deve exceder necessariamente os limites de qualquer ciência especial e exibir um caráter filosófico. Consequentemente, resulta ao mesmo tempo que nenhuma ciência especial pode colocar uma autonomia essencial a respeito da filosofia no sentido de uma teoria da realidade. Para o que resta, voltaremos a este tema na parte final deste volume.
Contudo, temos no absoluto provado de maneira definitiva que o pensamento teórico mesmo, em respeito ao seu caráter interno, é dependente de um ponto de partida supra-teórico, por qual é excluída a autonomia deste pensamento? Não podemos aceitar isto tão rápido. Pois Kant, o pai da assim chamada filosofia crítica transcendental, supos que poderia exibir um ponto de partida na razão teórica mesma, no qual descansaria na base de toda síntese teórica possível e, assim, não seria obtida mediante a absolutização de um ponto de vista científico especial. Pode ser realmente demonstrada a autonomia do pensamento teórico ao longo da crítica do conhecimento de Kant?
O PONTO DE PARTIDA DA SÍNTESE TEÓRICA NA CRÍTICA KANTIANA DO CONHECIMENTO.
Esta foi a pergunta que nossa Introdução colocou desde o princípio da primeira via de nossa crítica transcendental. Aqui, argumentamos que o pensamento filosófico como pensamento teórico dirigido a totalidade de significado de nosso cosmos temporal, não pode subir a uma ideia transcendental desta totalidade sem auto-reflexão auto-crítica. Contudo, o mesmo problema crítico resulta ser o da relação entre o ego pensante e sua função de pensamento lógica teórica. A primeira vista poderia parecer que o problema está aqui formulado de uma insatisfatória maneira funcionalista. Por que devemos dirigir nossa atenção somente a função lógica e por que não ao ato integral de pensamento teórico? De certo, o segundo pode ser caracterizado por seu aspecto lógico teórico, mas de nenhuma maneira pode ser identificado com o mesmo. Podemos, agora, responder a esta pergunta, pois na segunda via de nossa critica transcendental nós temos empreendido uma investigação a respeito da estrutura interna da atitude teórica de pensamento. É precisamente a estrutura antitética que obrigou a Kant e seus seguidores a opor-se a função lógica aos outros aspectos modais do ato integral de pensamento. O único, mas, fundamental erro em seu argumento foi a identificação do ato real com um evento temporal puramente psíquico, que por sua vez poderia se tornar um Gegenstand do cógito lógico transcendental último. Pois, temos visto que a "relação Gegenstand" somente pode ser uma relação intencional dentro do ato de pensamento teórico real, entre seus aspectos lógico e não-lógico. O ato real mesmo nunca pode ser convertido em Gegenstand de sua função lógica, posto que está somente pode ser real dentro de um ato real de nossa consciência e não tem nenhuma realidade em uma abstração teórica. Contudo, a identificação deste ato real com seu aspecto psíquico não é sustentável e é indicativo de uma visão dualista da realidade. E este não pode ser explicado em termos de uma epistemologia puramente teórica.
A segunda via de nossa crítica transcendental da filosofia envolve um resume da investigação da concepção de Kant concernente ao cógito transcendental, apesar do fato de que já em nossa Introdução expusemos as armadilhas ocultas na mesma.
A segunda investigação busca levantar uma formulação crítica do terceiro problema básico fundamental. Este problema está envolvidos na atitude teórica do pensamento a respeito da auto-reflexão crítica. Nesta investigação desejamos dar conta criticamente de nossa transição do teórico para a esfera religiosa central. Isto envolve também uma investigação crítica mais profunda do problema transcendental da origem no pensamento filosófico. Pois poderia parecer em nossa Introdução que este problema foi introduzido como um deus ex machina, sem que se desse conta de sua necessidade no curso de nossa primeira investigação crítica. Finalmente, nossa segunda investigação busca alcançar ao último estágio de nossa crítica transcendental , ao qual não foi alcançado pela primeira via explicada na Introdução.
O PROBLEMA DO PONTO DE PARTIDA E A VIA DE AUTO-REFLEXÃO CRÍTICA NO PENSAMENTO TEÓRICO.
Para descobrir o ponto de partida imanente de todos os atos de pensamento sintéticos especiais, nos quais estes últimos encontram sua unidade mais profunda, devemos, de acordo com Kant desviar nosso olhar dos Gegenständ de nosso conhecimento e exercer a auto-reflexão crítica no pensamento teórico. Deve conceder-se que esta sugestão contem desde logo uma grande promessa. Pois, não pode duvidar-se que em tanto que o pensamento teórico em sua função lógica continua sendo dirigido meramente aos aspectos modais opostos da realidade temporal que formam seu Gegenstand, permanece disperso numa diversidade teórica. Só quando o pensamento teórico esta dirigido ao ego pensante é que adquire a direção concêntrica até uma unidade última de consciência que deve encontrar-se na raiz de toda a diversidade modal de significado. Se pergunta às ciências especiais ativas no campo da antropologia: Que é o homem? Obterás uma diversidade de itens desde os ponto de vista físico-químico, biológico, psicológico, histórico-cultural, linguístico, etnológico e sociológico. Estes itens são valiosos. Mas, nenhuma ciência especial, nenhuma sociologia enciclopédica pode responder a pergunta relativa ao que é o homem mesmo na unidade de sua individualidade. A individualidade humana funciona, seguramente, em todos os aspectos da realidade. Mas é, não obstante, uma unidade central e radical que, como tal, transcende todos os aspectos temporais
15. A vida da auto-reflexão crítica é, consequentemente, a única que pode conduzir ao descobrimento do verdadeiro ponto de partida do pensamento teórico. Sócrates também percebeu isto quando deixou a máxima délfica, Γνωϑὶ σέαυτον (conheça-te a ti mesmo), um novo sentido introspectivo e isto é elevado a um requisito primário da reflexão filosófica.
§5 O TERCEIRO PROBLEMA BÁSICO TRANSCENDENTAL DA CRÍTICA DO PENSAMENTO TEÓRICO E A UNIDADE DA APERCEPÇÃO TRANSCENDENTAL DE KANT.
Contudo, aqui surge um novo problema transcendental, o qual podemos formular desta forma: Como é possível esta auto-reflexão crítica, esta direção concêntrica do pensamento teórico para a individualidade, e qual é seu verdadeiro caráter?
Não se pode duvidar que um verdadeiro problema transcendental reside aqui se se tem em mente que a atitude teórica do pensamento, em relação a sua estrutura interna, está ligada a previamente investigada reflexão antitética.
Nem a fenomenologia, fundada por Edmund Husserl, nem o existencialismo moderno tem sido capazes de desassociar sua atitude teórica de pensamento desta relação Gegenstand.
A fenomenologia, seguindo os passos de Franz Brentano, tem inclusive afirmado a relação de todo o ato de consciência com um Gegenstand. Entretanto, esta visão não é o que nos concerne de imediato.
Pois é evidente que o termo Gegenstand não pode ser tomado em nosso sentido, quando Brentano e Husserl também atribuem ao sentimento, uma relação intencional para um Gegenstand (por exemplo, a uma melodia!).
Entretanto, a estrutura antitética intencional, inerente a todo pensamento teórico, está sem dúvida presente na atitude fenomenológica mesma, a qual se opõe o cogito absoluto ( no sentido de "consciência absoluta transcendental") ao mundo como seu Gegenstand intencional o qual depende do primeiro
16.
Scheler considera a relação Gegenstand (pelo qual a mente humana pode opor-se não somente ao "mundo", senão que também pode converter em Gegenstand, os aspectos fisiológicos e psicológicos da existência humana mesma) como a categoria mais formal do aspecto lógico da mente (Geist) .
17
O existencialismo humanista moderno também pode apreender a existência como o ex-sistere histórico em sua antítese teórica com a "realidade dada pela natureza" (para Heidegger, el Dasein [ser-aí] como a maneira "ontológica" de ser contro o "mundo posto" como o ôntico; para Sarte, "le néant", como oposto a "l´être").Assim, Heidegger é também um fenomenológico, ainda que seu método fenomenológico é irracionalista no sentido hermenêutico do historicismo de Dilthey; e a fenomenologia como temos visto implica a antítese teórica.
Diante desta atitude antitética do pensamento existencial, precisa de importância que a filosofia da existência deseja criar uma grande distância entre o pensamento existencial como autenticamente filosófico, por um lado, e todo o pensamento científico que está dirigido a um Gegenstand, por outro. Porque o termo "Gegenstand" tem em nossa crítica outro significado que o aqui pretendido, a saber, "objeto posto" (“das Vorhandene”), embora a ciência natural também está ligada a relação Gegenstand.
Para o presente, então, não se entende como a direção concêntrica do pensamento teórico para o ego poderia surgir da atitude teórica do pensamento mesma.
Kant, entretanto, não desejava abandonar a autonomia da razão teórica. Supôs, como vimos, que se pode demonstrar a presença na função lógica do pensamento ( a Verstand) de um pólo subjetivo de pensamento, o qual se opõe a toda realidade empírica e o qual, como a unidade lógico transcendental da percepção, se encontra na base de todos os atos sintéticos do pensamento como seu ponto de partida. O "eu penso", como ele disse, deve ser capaz de acompanhar a todas as minha representações ( Kant quer dizer aqui, sem dúvida, "os conceitos sintéticos dos Gegenstande empíricos), se é que tem de ser minhas representações. Este era para ser uma unidade final lógica transcendental da consciência, a qual nunca pode converter-se num Gegenstand porque todo ato teórico de conhecimento deve proceder deste "eu penso". É o "sujeito de pensamento lógico transncendental", que teria que ser visto como a condição universalmente válida de toda a síntese científica. Não é, em consequência, em modo algum idêntico ao nosso convertido novamente em um Gegenstand deste "sujeito transcendental". É somente um ponto de unidade da consciência meramente lógico, o qual carece de toda individualidade empírica. Kant nega também que nós mesmos possuiríamos um autoconhecimento real neste conceito lógico transcendental do ego pensante. Pois, de acordo com sua concepção epistemológica, o conhecimento humano só pode ter relação com as impressões dadas na percepção sensorial ((Empfindung) que fora recebidas nas formas transcendentais da intuição do espaço e do tempo e que são ordenadas por categorias lógicas para construir uma "realidade objetiva da experiência".
Agora, teve Kant êxito em demonstrar um ponto de partida, imanente a razão teórica em si mesma, que satisfaz as exigências de uma genuína crítica transcendental do pensamento teórico? Em nossa Introdução, respondemos esta pergunta de forma negativa.
Na segunda vida de nossa investigação crítica podemos fortalecer os fundamentos para esta réplica. Pois vimos que o verdadeiro ponto de partida da síntese teórica nunca pode ser encontrado dentro da relação antitética que caracteriza a atitude teórica do pensamento. O ego lógico transcendental de Kant permanece preso no pólo lógico desta relação, o qual, de acordo com sua própria concepção, encontra seu contraponto no aspecto não-lógico da percepção sensorial. Se como o mesmo explica enfaticamente, o aspecto lógico do pensamento e o aspecto da percepção sensorial não são reduzíveis um ao outro, então, se conclui rigorosamente que no primeiro não se pode encontrar nenhum ponto de partida para sua união teórica.
Como o demonstraremos com maior detalhe na parte epistemológica do segundo volume, Kant, como consequência de seu axioma de que toda síntese deveria proceder da função lógica do pensamento, abandonou a via crítica da investigação e eliminou o problema autêntico da síntese mediante um enunciado dogmático. O dogma da autonomia da "razão teórica" o forçou a fazê-lo. Contudo, em razão deste dogmatismo teórico, o verdadeiro ponto de partida de sua teoria do conhecimento permaneceu oculto.
O terceiro problema básico formulado por nós é justamente o primeiro ignorado por Kant. Como resultado, foi incapaz de levar o segundo problema a uma solução crítica.
Se, então, no pensamento teórico como tal, não se encontra nenhum ponto de partida para a síntese intermodal, a direção concêntrica deste pensamento, necessária para a auto-reflexão crítica não pode ter uma origem teórica. Deve brotar do ego como o centro individual da existência humana.
Temos dito em nossa Introdução que a individualidade não pode dar esta direção central ao pensamento teórico sem concentrar-se no verdadeiro ou em uma pretendida origem absoluta do significado. Isto é, o autoconhecimento, em última análise, aparece como dependente do conhecimento de Deus, o qual sem embargo é muito diferente de uma teologia teórica. Podemos explicar este enunciado?
Em primeiro lugar, devemos conceder que tanto o autoconhecimento como o conhecimento da origem ou pseudo-origem absoluta excede os limites do pensamento teórico e estão enraizados no "coração" ou o centro religioso de nossa existência.
Não obstante, este conhecimento supra-teórico central não permanece preso no coração, senão que por sua natureza mesma deve penetrar na esfera temporal de nossa consciência. O pensamento teórico também está envolvido neste conhecimento central, o processo transcendental de auto-reflexão na direção concêntrica dos aspectos teoricamente separados da relação Gegenstand do eu pensante.
Pois, temos visto que sem verdadeiro auto-conhecimento, o verdadeiro ponto de partida da síntese teórica não pode ser descoberto e que a auto-reflexão teórica no pensamento pressupõe este conhecimento central, já que a direção concêntrica do pensamento somente pode começar desde o ego. Kant, assim como a fenomenologia moderna tem ignorado esta verdade. O fato empírico de que o autoconhecimento parece ser dependente do conhecimento de Deus é estabelecido por Ernst Cassirer no segundo volume de sua Philosophie der symbolischen Formen [Filosofia das Formas Simbólicas], baseado em uma riqueza de dados antropológicos e etnológicos
18. Contudo, uma real explicação deste ato é dada somente pela Revelação bíblica concernente a criação do homem à imagem de Deus. Deus se revela como a Origem absoluta que exclui todo poder contrário independente que poderia ser seu oposto. Ele expressou sua imagem no homem concentrando sua inteira existência temporal na unidade radical religioso de um ego no qual a totalidade de significado cosmos temporal iria ser focada sobre sua Origem.
A fundamental dependência do autoconhecimento humano em relação ao conhecimento de Deus tem, por consequência, seu fundamento interno na essência da religião como a esfera central de nossa natureza criada.
O ALEGADO CÍRCULO VICIOSO EM NOSSA CRÍTICA TRANSCENDENTAL
Podemos colocar agora a questão sobre se nossa crítica transcendental em sua terceira etapa não dá um salto injustificado ao explicar a direção concêntrica do pensamento teórico como um efeito da esfera de consciência religiosa central. Isto foi demonstrado rigorosamente e que há de entender-se aqui por religião?
Finalmente, se nossa crítica deveria efetivamente demonstrar algo rigorosamente. Ela não se move num círculo vicioso? Pois, não supõe uma demonstração, esta mesma autonomia do pensamento teórico, cuja impossibilidade tratou de demonstrar a nossa crítica?
Para estas perguntas, devo responder da seguinte maneira:
O que é rigorosamente demonstrado, em minha opinião, é a tese de que a direção concêntrica do pensamento em sua auto-reflexão não pode originar-se na atitude teórica do pensamento mesmo e que somente pode surgir do ego como um supra-teórico centro individual da existência humana.
Seria uma petição acrítica de princípio pretender que nossa crítica incluiu neste ponto se move num círculo vicioso ao abandonar a autonomia da auto-reflexão teórica. Até agora, tem permanecido estritamente dentro da esfera teórica e temos manifestado um estado de coisas que foram ignorados sob o dogma da autonomia da razão teórica. Contudo, estes estados de coisas, uma vez que foram descobertos, já não podem ser ignorados por qualquer um que aprecie uma posição verdadeiramente crítica na filosofia.
É, de pronto, impossível que esta crítica transcendental - ainda tenha sido de um caráter estritamente teórico até a questão do autoconhecimento- seja ela mesma carente de prejuízos. Pois, neste caso, refutaria suas próprias conclusões. Contudo, que diremos, se vale aqui as mesmas pressuposições supra-teóricas que liberam ao pensamento teórico dos "axiomas" dogmáticos que obstruem o caminho de uma verdadeira atitude crítica? Se, como temos demonstrado, a síntese teórica é possível somente a partir de um ponto de partida supra-teórico, então, só os conteúdos das pressuposições supra-teóricas implicados no mesmo são questionáveis, contudo, não sua necessidade mesma.
Até aqui, contudo, a força demonstrativa de nossa crítica tem sido negativa em caráter, tanto que a mesma tomada estritamente, somente pode demonstrar o ponto de partida do pensamento teórico não pode ser encontrado nesse pensamento mesmo, senão que deve ser de caráter supra-teórico. Que há de ser encontrado somente na esfera religiosa central da consciência já não tem de demonstrar-se teoricamente pois esta compreensão pertence ao autoconhecimento, o qual como tal transcende a atitude teórica do pensamento. Somente podemos dizer que este autoconhecimento é necessário num sentido crítico porque sem o mesmo, o verdadeiro caráter do ponto de partida escolhido permanece oculto para nós. E isto seria fatal para a compenetração interna do pensamento filosófico.
QUE É A RELIGIÃO?
Para a pergunta: que se entende aqui por "religião"? Eu coloco: o impulso inato da individualidade humana a dirigir-se até o verdadeiro ou a uma suposta origem absoluta de toda a diversidade de significado, a qual se encontra focada concentricamente em si mesma.
Esta descrição é sem dúvida filosófica e teórica porque a reflexão filosófica se requer uma explicação do significado da palavra "religião" em nosso argumento. Isto explica também o caráter formal transcendental da descrição para qual permanece alheia a imediação concreta concreta da experiência religiosa.
Se, a partir da nossa esfera religiosa central, buscarmos uma aproximação teórica a mesma, somente podemos alcançar uma ideia transcendental, um conceito limite, o conteúdo do qual deve permanecer abstrato tanto que temos de compreender todas as possíveis formas em que a religião se manifesta (incluindo as apóstatas). Tal ideia, invariavelmente, tem a função de relacionar a diversidade teórica dos aspectos modais com uma unidade central e radical e como uma Origem.
A IMPOSSIBILIDADE DE UMA FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO. O CARÁTER EX-SISTENTE DO EGO COMO O CENTRO RELIGIOSO DA EXISTÊNCIA.
Há uma coisa, contudo, que não podemos enfatizar demasiadamente. Como esfera absolutamente central da existência humana, a religião transcende todos os aspectos modais da realidade temporal, incluindo o aspecto da fé. Não é em absoluto um fenômeno temporal que se manifesta dentro da estrutura temporal do ato humano da vida. Somente pode ser aproximado na direção de nossa consciência, não na divergente, não como um Gegenstand
19.
Portanto, em respeito a sua essência interna, a religião nunca pode ser descrita"fenomenologicamente". Não é um "fenômeno psicológico", não é uma percepção emocional de sentimentos, não há de ser caracterizada, como fez Rudolf Otto, como experiência do "tremendum". É a condição existente
20 na qual o ego está ligado a seu verdadeiro ou pretendido fundamento firme.
Por onde, o modo de ser do ego mesmo é de caráter religioso e não é nada em si mesmo.
A religião verdadeiro é uma absoluta auto-rendição. O homem apóstata, que supõe sua individualidade é algo em si mesmo, se perde na rendição diante dos ídolos, na absolutização do relativo. Contudo, esta absolutização mesma é uma clara manifestação do caráter ex-sistente do centro religioso de nossa existência, a qual de certo se expressa em todos os aspectos modais do tempo, mas, nunca pode ser esgotado por estes.
21 Como também na absolutização religiosa do aspecto histórico de nossa existência, na auto-rendição a um aspecto do tempo, transcendemos este último.
Não obstante, o ex-sistire autônomo do ego que tem perdido na rendição diante dos ídolo deve ser quebrado pelo divino ex-trahere do estado de apostasia, se é que o homem pode recuperar sua verdadeira posição ex-sistente.
Depois de haver dado uma explicação do que entendemos por religião, podemos estabelecer de fato que a direção concêntrica no pensamento teórico deve ser de origem religiosa. Deve ser de origem religioso incluindo ainda que sempre esta permanece teórica no caráter dado que está ligada a relação antitética Gegenstand. Surge da tendência a origem no centro da existência humana, tendência que descobrimos previamente na Introdução. Contudo, agora temos posto claramente o ponto interno de contato entre o pensamento filosófico e a religião a partir da estrutura intrínseca da atitude teórica de pensamento mesmo. A auto-reflexão crítica na direção concêntrica do pensamento teórico até o ego necessariamente leva ao autoconhecimento (o qual vai mais além dos limites da relação Gegenstand teórica). Consequentemente, podemos estabelecer o fato de que também a síntese teórica supõe um ponto de partida religioso. Mas ainda, temos agora explicado que precisa de sentido pedir o ponto de partida central do pensamento teórico.
O CARÁTER SUPRA-INDIVIDUAL DO PONTO DE PARTIDA.
Devemos proceder agora a etapa final e decisiva de nossa crítica transcendental e temos estabelcido a necessária natureza religiosa do ponto de partida e notado o caráter intrinsecamente ex-sistente de nossa individualidade. Portanto, já não podemos buscar o verdadeiro ponto de partida do pensamento filosófico apenas no ego individual. Observamos em nossa Introdução que o eu-dade deve participar do ponto arquimediano, contudo neste último deve estar concentrado o ponto de concentração de nossa existência individual, não do cosmos temporal inteiro. Mas também, a filosofia é um assunto meramente do indivíduo tão pouco como o é a ciência no sentido mais estreito. Somente pode ser cultivada numa comunidade. Isto também aponta a necessidade de um ponto de partida supra-individual.
A auto-reflexão crítica no pensamento teórico é, certamente, a via necessária para descobrir o ponto de partida da filosofia. É, desde logo, o ego individual o que dá seu pensamento, a direção concêntrica. Entretanto, o verdadeiro autoconhecimento descore o caráter ex-sistente da individualidade também no fato de que o ego está centralmente ligado com outros egos à uma comunidade religiosa. A unidade radical e central de nossa existência é, ao mesmo tempo, individual e supra-individual: isto é, no eu-dade individual aponta-se mais além do ego individual aquele que faz a humanidade completa una na raíz em sua criação caída e redenção.
De acordo com a nossa fé cristã, toda a humanidade está espiritualmente incluída em Adão. Nele, caiu toda a raça humana, e na humanidade também todo o cosmos temporal, o qual estava concentrado nela. Em Jesus Cristo, a nova humanidade inteira é uma raiz como os membros de um corpo.
Em outras palavras, nossa eu-dade está enraizada na comunidade espiritual da humanidade. Não é uma "substância" autosuficiente, não é uma "mônada sem janelas", senão que vive na comunidade espiritual nossa, a qual está dirigida ao divino Vós, de acordo com o significado original da criação.
O SIGNIFICADO DO MANDATO CENTRAL DO AMOR.
Este é o significado profundo do mandamento central do amor. Amarás a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo. Este mandamento em sua unidade indivisível é de um caráter religioso e não moral. Pois, as relações morais de amor a nossos semelhantes são meramente um aspecto modal da sociedade temporal. Em sua especialidade modal de significado, tem sentido somente na coerência com todos os outros aspectos desta sociedade. Também são diferenciadas necessariamente de acordo com a diversidade das relações sociais no amor conjugal, o amor paternal e o filial, o amor social ao vizinho, o amor à pátria e assim, consecutivamente. Contudo, o mandamento religioso do amor entende o próximo como um membro da comunidade religiosa radical da humanidade em sua relação central com Deus, que criou o homem a sua imagem. Portanto, é na verdade, a radix de todos os aspectos modais que apresenta a lei divina na realidade temporal.
O ESPÍRITO DE COMUNIDADE E O MOTIVO RELIGIOSO BÁSICO.
Agora, uma comunidade religiosa é mantida por um espírito comum, o qual como uma "dynamis", como um poder motriz central, está ativo no ponto de concentração da existência humana.
Este espírito de comunidade atua através de um motivo religioso fundamental, o qual dá conteúdo ao motivo principal da atitude inteira da vida e do pensamento. No desenvolvimento histórico da sociedade humana, este motivo, de certo, receberá formas particulares que estão historicamente determinadas. Mas, em seu significado religioso central transcende todo o ato histórico de dar forma. Todo intento de prover uma explicação puramente histórica do mesmo, portanto, se move num círculo vicioso. Pois, em virtude da estrutura interna da atitude teórica de pensamento, a explicação histórica mesma supõe um ponto de partida central e supra-teórico, o qual está determinado por um motivo religioso básico ou motivo fundamental.
Desde da queda e a promessa do Redentor que haveria de vir, há duas fontes centrais principais operativas no coração da existência humana. A primeira é a
dynamis do Espírito Santo, a qual pelo poder motriz da Palavra de Deus, encarnada em Jesus Cristo, redirecionando até seu Criador, a criação que na queda havia se afastado de sua verdadeira origem. Esta
dynamis traz ao homem a relação filial com o Pai divino. Seu motivo religioso fundamental é da Palavra-Revelação divina, que é a chave para este entendimento da Sagrada Escritura: o motivo da criação, a queda e redenção por Jesus Cristo na comunhão do Espirito Santo.
A segunda fonte central é do espírito de apostasia em relação ao verdadeiro Deus. Como dynamis religiosa (poder) conduz o coração humano numa direção apóstata e é a fonte de toda deificação da criatura. É a fonte de toda absolutização do relativo, mesmo na atitude teórica de pensamento. Em virtude de seu caráter idolátrico, seu motivo religioso fundamental pode receber diversos conteúdos.
O MOTIVO GREGO MATÉRIA-FORMA E O MOTIVO MODERNO HUMANISTA DE NATUREZA E LIBERDADE.
No pensamento ocidental, este espírito apóstata se manifesta, principalmente, em dois motivos centrais, a saber: 1. o que tem dominado o mundo clássico grego da cultura e do pensamento e que foi colocado (desde Aristóteles) sob a designação fixa de do motivo matéria-forma e 2. o da cosmovisão humanista, a qual, desde de Emanuel Kant, tem sido chamado de motivo da natureza e liberdade. A partir do século XVIII, este último motivo veio a dominar mais e mais o mundo da cultura e do pensamento ocidental.
O primeiro motivo se originou no encontro da mais antiga religião da vida grega pré-homérica (uma das diferentes religiões da natureza) com a posterior religião cultural dos deuses olímpicos. A mais antiga religião da vida deificava a corrente da vida eternamente fluente, a qual é incapaz de fixar-se em qualquer forma individual particular. Mas, a partir desta corrente procedem periodicamente as gerações de seres transitórios, cuja existência está limitada por uma forma individual, como consequência disto, estão sujeitos ao terrível destino da morte, a "anagké" ou a "heimarmené tyché". Este motivo de relatar a Corrente da vida num fluxo eterno é o motivo matéria do mundo de pensamento grego. Encontrou sua expressão mais fértil na adoração de Dionísio, que foi importada da Trácia.
Por outro lado, o motivo forma foi a fonte principal da mais recente religião olímpica, a religião da forma, da medida e da harmonia, que descansava essencialmente sobre a deificação do aspecto cultural da sociedade grega ( os deuses olímpicos eram poderes culturais personificados). Adquiriu sua expressão mais fértil no délfico Apolo como legislador.
Os deuses olímpicos deixam a mãe terra com sua eternamente fluída Corrente da Vida e sua ameaçadora anagké. Adquirem o Olímpo como assento e tem uma forma individual imortal, a qual não é perceptível ao olho do sentido. Mas, não tem poder sobre o destino dos mortais.
O motivo forma mesmo era independente das formas mitológicas que recebeu nas antigas religiões da natureza e a nova religião cultural olímpica. Dominou o pensamento grego desde o começo.
A autonomia da "theoria" filosófica demandava, em oposição a crença popular, que implicava, como observamos num contexto anterior, apenas numa emancipação das formas mitológicas que estavam limitadas à representação sensorial. Não implicava em nada num afrouxamento do pensamento filosófico do motivo religioso central fundamental que havia nascido no encontro da religião cultural com a religião mais antiga da vida.
O moderno motivo fundamental humanista de natureza e liberdade, que agora vamos fazer uma investigação detalhada na crítica transcendental da filosofia humanista surgiu da religião da personalidade humana autônoma e livre e da ciência moderna invocada por ela mesma e dirigida para dominar a natureza. Deve-se entender apenas os três motivos fundamentais que previamente deram direção central ao pensamento ocidental, a saber, o motivo matéria-forma, o motivo da criação, queda e redenção e o motivo escolástico da natureza e da graça. Este último motivo nominado foi introduzido pelo catolicismo romano e dirigido a uma síntese religiosa dos dois motivos anteriores.
Não é surpreendente que a principal fonte apóstata se pode manifestar em motivos religiosos divergentes. Porque nunca dirige a atitude da vida e do pensamento à verdadeira totalidade de significado e à verdadeira radix da realidade temporal, pois este não é possível sem a direção concêntrica até a verdadeira origem.
A absolutização idolátrica está necessariamente dirigida até a especialidade de significado, a qual é por ele mesmo dissociada de sua coerência temporal, e consequentemente, se volta não-significativa e vazia. Esta é a verdade temporal profunda na concepção-honrada o tempo da queda como uma "privatio", uma privação de significado e como uma negação, um nada.
O PECADO COMO PRIVATIO E COMO DYNAMIS. NÃO HÁ RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE A CRIAÇÃO E A QUEDA.
Contudo, a dynamis central do espírito da apostasia não é um "nada", surge da criação e não pode tornar-se operativa mais além dos limites nos quais está ligada à ordem divina do ser. Apenas em virtude do impulso de concentração religiosa, o qual é concriado no coração humano, pode este dirigir-se aos ídolos. A dynamis do pecado somente se pode desdobrar-se em sujeição a lei de concentração religiosa da existência humana. Portanto, o apóstolo Paulo diz que sem a lei não há pecado e que há uma lei do pecado.
Consequentemente, não pode haver contradição interna entre criação e queda quando sejam entendidas em seu sentido bíblico. Existiria uma contradição imaginário, senão real em si mesmo, independentemente da criação.
O CARÁTER DIALÉTICO DOS MOTIVOS FUNDAMENTAIS APÓSTATAS. DIALÉTICA RELIGIOSA E TEÓRICA.
Em sentido contrário, pertence a natureza interna dos motivos fundamentais idolátricos, que enclausuram em si mesmos uma antítese religiosa.
Pois, a absolutização de aspectos modais do significado, os quais na natureza do caso são relativos, evoca aos correlatos destes últimos. Estes correlatos, agora na consciência religiosa, demandam uma absoluta oposição aos dos aspectos deificados.
Isto traz uma dialética religiosa a estes motivos, isto é, estão, de fato, compostos de dois motivos religiosos, os quais, como opostos implacáveis, conduzem à ação e ao pensamento humano continuamente em direções opostas, de um pólo ao outro. Tenho sujeitado esta dialética religiosa à uma investigação detalhada no primeiro volume de minha nova trilogia, Reforma e Escolástica na Filosofia. E, demonstrei que esta dialética é muito distinta da teórica que é inerente à relação Gegenstand antitética intencional do pensamento teórico.
Porque a antítese teórica é relativa por natureza e requer que o "eu" pensante efetue uma síntese teórica. Por outro lado, uma antítese no ponto de partida religioso do pensamento teórico não permite uma síntese genuína. Na esfera religiosa central, a antítese necessariamente assume um caráter absoluto, pois não tem nenhum ponto de partida mais além do religioso, a partir do qual se poderia efetuar a síntese.
O CARÁTER ACRÍTICO DAS TENTATIVAS DE LIGAR A ANTÍTESE RELIGIOSA EM UM PONTO DE PARTIDA DIALÉTICO MEDIANTE UMA DIALÉTICA TEÓRICA.
Todo esforço filosófico por criar uma ponte em tal antítese religiosa no ponto de partida, mediante uma dialética lógica teórica é fundamentalmente acrítico. Este tem sido o caminho seguido, contudo, por toda assim chamada filosofia dialética desde Heráclito até a escola hegeliana.em tanto que apontava até uma síntese última de seus motivos religiosos opostos.
As sínteses teóricas que pretendem terminar esta tarefa são meramente ilusórias no ponto aqui mencionado. Estão sujeitas à lei intrínseca de toda a dialética religiosa, isto é, tão pronto como a filosofia volta ao caminho da reflexão auto-crítica, se dissolve novamente na antítese polar de seu ponto de partida. Contrário da dialética sintética de Hegel, que buscou pensar conjuntamente os motivos antitéticos da natureza e da liberdade, Proudhon dá o veredito, anteriormente dito por Kant e depois repetido por Kierkegaard "“L’antinomie ne se résout pas” [A antinomia não pode ser resolvida].
Também na antiguidade grega, os esforços por reconciliar a antítese religiosa entre o motivo forma e o motivo matéria se disolveram numa evolução posterior do pensamento grego numa antítese polar.
A DIALÉTICA RELIGIOSA NO MOTIVO ESCOLÁSTICO DA NATUREZA E DA GRAÇA.
Uma dialética religiosa mais complicada é exibida pelo motivo escolástico básico da natureza e da graça, introduzido na filosofia e na teologia pelo catolicismo romano e adotado pela escolástica protestante.
Originalmente estava dirigido para uma síntese entre o motivo central da Palavra-Revelação e o da visão grega (especialmente aristotélica) de natureza (o motivo matéria-forma). Contudo, se coloca por uma combinação igual do primeiro com o motivo fundamental humanista de natureza e liberdade. Neste intento de síntese, o motivo básico cristão necessariamente perde seu caráter radical e integral,
Pois em nenhum lado na visão escolástica da natureza humana existe lugar para a revelação bíblica do coração como centro religioso e raiz da existência temporal. Portanto, a escolástica tomista pode proclamar a autonomia da razão natural na "esfera natural" do conhecimento sem ser consciente do fato de que o fazê-lo entregou a filosofia ao domínio de outro motivo religioso. E o segundo não pode fazer-se inócuo mediante uma simples acomodação a doutrina da igreja.
O motivo básico grego ou humanista, que aqui domina a visão da natureza, tem sofrido, por sua vez, uma certa acomodação escolástica à doutrina cristã da criação ou a da criação e queda, respectivamente. Na tensão dialética entre "natureza" e "graça" se esconde, como um componente, a dialética interna do motivo básico grego ou humanista respectivamente.
Na antropologia escolástica, este componente encontra uma clara expressão na concepção dicotômica da relação entre corpo e alma. A segunda está dominada pelo motivo de "matéria" e "forma", ou pelo da "natureza" e da "liberdade".
A dialética interna do motivo fundamental da natureza e graça conduziu o pensamento escolástico no século XIV da (pseudo) síntese tomista (Natura præmbula gratiæ) a antítese occamiana (nenhum ponto de contato entre a natureza e a graça segundo Guilherme de Occam, líder da escolástica nominalista no século quatorze).
Em tempos mais recentes tem exibido suas tendências polares na teologia dialética. O conflito entre Karl Barth e Emil Brunner foi inteiramente dominado pela questão se pode ser aceito na "natureza", um "ponto de contato" para a "graça". Contra o sim de Brunner, movendo-se na direção sintética, Barth colocou um inexorável não.
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O desenvolvimento da dialética religiosa do motivo matéria-forma na filosofia grega, e o desdobrar dialético do motivo da natureza e da graça na filosofia cristã escolástica foi investigado em detalhes nos volumes primeiro e segundo de meu Reforma e Escolástica na Filosofia. A segunda parte do livro I deste presente trabalho será dedicada completamente para uma crítica transcendental da moderna filosofia humanista, na qual será traçado o desenvolvimento dialético do motivo da natureza e da liberdade.
A ATRIBUIÇÃO DA PRIMAZIA A UM DOS COMPONENTES ANTITÉTICOS DO MOTIVO BÁSICO DIALÉTICO.
Diante da falta de base para uma síntese real entre os principais mananciais religiosos que estão operando num motivo fundamental dialético, somente resta uma saída, isto é, a de atribuir a "primazia" ou a precedência religiosa de um dos dois.
Na medida em que uma corrente filosófica se torna consciente da antítese religiosa em seu ponto de partida, tal atribuição irá crescer para um lado e com uma depreciação do outro manancial e com uma retirada de seus atributos divinos. A antiga filosofia jônica agarrou-se a primazia do motivo matéria. Se originou no período arcaico na antiga religião da natureza e da vida, a qual havia sido abandonada pela religião olímpica pública da pólis, irrompeu abertamente de novo por conta dos avivamentos religiosos, no notáveis movimentos dionisíacos e órficos.
Consequentemente, os pensadores jônicos devem ter sido plenamente conscientes do conflito religioso no motivo matéria-forma. O princípio fora nesta filosofia está inteiramente privado de seu caráter divino. De acordo com estes pensadores, o verdadeiro Deus é sem forma, corrente da vida eternamente fluída, geralmente representado por um "elemento móvel" (água, fogo, ar), contudo, concebido por Anaximandro como um "ápeiron" invisível, que flui na corrente do tempo e vingando a injustiça dos seres transitórios que se originam do mesmo numa forma individual, dissolvendo-se em sua origem sem forma. A convicção mais profunda estes filósofos pode ser expressada citando numa variante típica grega, as famosas palavras de Mefistóteles no Fausto de Goethe:
Denn alles was (in Form) besteht,
Ist wert das es zu Grunde geht.
(Por que todo o que subsiste em Forma, é digno de perecer)
Em Aristóteles, ao contrário, cuja filosofia - de acordo com Sócrates e Platão- a primazia passou ao motivo da forma, a deidade se voltou para "pura forma" e a "matéria" está completamente privada de qualquer qualidade divina ao tornar-se o princípio metafísica da imperfeição e a "potencialidade".
Na escolástica medieval tardia de Guilherme de Occam, que se tornou agudamente consciente do antagonismo entre o motivo natureza e o motivo graça, a razão natural ficou completamente manchada. Já não há lugar aqui para uma metafísica e uma teologia natural, ainda que a autonomia da razão natural se mantém ao máximo. O motivo graça retém a primazia, contudo não em um sentido hierárquico sintético como no tomismo.
Na filosofia humanista moderna há, originalmente, uma carência de uma noção clara da antítese religiosa entre o motivo do domínio da natureza pela ciência autônoma e o da liberdade autônoma da personalidade humana. Mas, apenas havia despertado esta noção em Rosseau quando desprezou o ideal da ciência e atribuiu a primazia ao motivo liberdade, o qual é o manancial principal de sua religião de sentimento. Kant, que segue a Rosseau neste ponto, privou a natureza ( no sentido científico natural) de todo caráter divino e também negou sua origem divina. Deus é, segundo ele, um postulado da razão prática: i.e., um postulado da moralidade autônoma, o qual está completamente dominado pelo motivo liberdade humanista.
Na filosofia moderna da vida, assim como na filosofia humanista da existência se vê uma depreciação ainda mais profunda do motivo de controle autônomo da natureza. O motivo liberdade tem aqui primazia religiosa absoluta, incluindo ainda aquele que é numa forma muito distinta da que teve com Rosseau e Kant.
O significado de cada um dos componentes antitéticos de um motivo básico dialético depende do outro.
Finalmente, devemos observar que o significado de cada um dos componentes antitéticos de um motivo fundamental dialético depende do outro.
Consequentemente, não é possível entender o significado do motivo matéria grego sem o do princípio forma e vice-versa. Do mesmo modo, a significação do motivo natureza escolástico e do motivo graça se determinam mutuamente. E, assim, também com o motivo natureza humanista e o da liberdade.
É de grande consequência para um estudo crítico da história do pensamento filosófico que um não perde de vista este estado de coisas. No pensamento grego, o termo "natureza" tinha um sentido muito diferente do que tem na filosofia humanista moderna. Numa discussão tomista do problema da liberdade e a causalidade, o termo liberdade não pode ser entendido no sentido humanista, tampouco, pode ser concebido o conceito tomista de causalidade no sentido do motivo humanista clássico do domínio da natureza.
Traduzido a partir das traduções em inglês e em espanhol.
As Notas seguem a tradução espanhola
Notas
gerade dadurcher¨offnet es uns zugleich die M¨oglichkeit, uns von seinen Fesseln zu befreien. Sind wir imstande, durch Denken die Grenze des Denkens fest zu stellen, so m¨ussen wir auch imstande sein, diese Grenze zu ¨uberschreiten. [ é certo que o princípio heterológico marca os limites do nosso pensamento no problema da unidade ultima do mundo. Se somos capazes de determinar as fronteiras do pensamento através do pensar, devemos ser capazes também, de exceder estes limites]
Desde a posição de imanência esta conclusão contem uma contradição manifesta: O pensamento determina suas próprias fronteiras e é por ele esmo capaz de exceder estes limites! Pode, com estas condições seguir sendo um puro pensamento transcendenta? É por estas coisas, que vamos distinguir com Rickert entre um pensamento meramente "heterológico" e um "monológicoheterologico", sendo que o segundo excederia os limites do primeiro. Onde este tipo de pensamento monológico tentar autonomamente conceber a unidade do cosmos no significado subjetivo que conecta "realidade" e "valor" excede os limites imanentes da atividade do pensamento "qua talis". E se torna envolve na antinomia que Rickert mesmo honestamente exibe em seu pronunciamento (op. cit., p. 260): “So bringen wir das in einem Begriff, was wir streng genommen in einem Begriff nicht fassen k¨onnen”. [“ Assim, formamos um conceito daquilo que, estritamente falando, não pode ser contido em um conceito”].