domingo, junho 11, 2006

A hipnose coletiva

"O Efeito Wal-Mart" investiga como a maior rede varejista dos EUA mantém baixa a inflação do país e influencia a economia mundial

MARTIN VANDER MEYER

Salmão costumava ser considerado produto de luxo pelas famílias médias norte-americanas, mas hoje em dia se tornou alimento de consumo semanal porque o Wal-Mart vende filés de salmão -em um corte conveniente que elimina a necessidade de remover ossos- a partir de US$ 10,60 (R$ 24) o quilo.

Os peixes são criados aos milhões nos fiordes do sul do Chile, processados em fábricas locais por trabalhadores de baixo salário e transportados sem congelamento, chegando aos EUA frescos e rosados, 48 horas depois do abate, para venda nos balcões de milhares de unidades da cadeia Wal-Mart em todo o país. O preço por quilo, aponta Charles Fishman em "The Wal-Mart Effect" [O Efeito Wal-Mart, editora Penguin, US$ 25,95, R$ 59] -trabalho meticulosamente pesquisado e recheado de histórias interessantes sobre a empresa-, é inferior à tarifa postal que um consumidor americano pagaria para despachar o peixe de volta ao Chile.

O impacto desse preço sobre o custo das compras e hábitos alimentares dos norte-americanos, sobre a economia do Chile e sobre a ecologia de um remoto quadrante do Pacífico, poluído por quantidades industriais de comida e fezes de peixes, constituem o que Fishman classifica como "o efeito Wal-Mart". E esse efeito, em sua opinião, não é de todo mau nem de todo bom, mas com certeza é muito, muito intenso. Pressão incansávelA rede, sediada no Arkansas e fundada por Sam Walton em 1962, não é simplesmente o maior empregador do setor privado e o maior detentor de mercado no varejo dos EUA.

Sua estratégia de preços baixos, que se tornou dominante a ponto de forçar outras lojas a seguirem seu exemplo mesmo que não concorram diretamente com ele, desempenha papel fundamental em manter baixa a inflação do país; a pressão incansável por preços cada vez mais baixos que o grupo exerce sobre seus fornecedores se tornou um dos principais propulsores para a exportação de empregos industriais dos EUA à China ou a outros locais. Mas é um alívio descobrir que Fishman não é simplesmente mais um jornalista que tomou por missão expor a Wal-Mart como uma monstruosa conspiração contra o homem comum, como Bob Ortega, repórter do "Wall Street Journal", esforçou-se seriamente em fazer com "In Sam We Trust" (Em Sam Nós Confiamos, ed. Three Rivers Press, 448 págs., de 1998).

Fishman recita a litania dos argumentos contra a Wal-Mart pelo uso e abuso de trabalhadores imigrantes ilegais e por adquirir produtos de fábricas cruéis no Terceiro Mundo, mas reconhece que o grupo tem agora um código de conduta claro para seus fornecedores. Mas observa que o grupo não é simplesmente um predador. A Wal-Mart não reduz seus preços até destruir a concorrência e depois os eleva novamente: a idéia é mantê-los baixos, e é por isso que consumidores que se declaram "confusos" nas pesquisas -e desgostam da Wal-Mart por seu impacto sobre comunidades e padrões de emprego- ainda assim fazem compras nas lojas do grupo uma vez por semana, gastando quase tanto quanto as pessoas que se declaram "defensoras" da companhia. Consumo exagerado

No entanto a Wal-Mart já não é a empresa que Walton legou aos seus herdeiros ao morrer, em 1992. Multiplicou-se em escala e alcance, no país e no exterior, e adquiriu poder de mercado sem precedentes -o que enraivece os sindicatos, os ambientalistas e os jornalistas. Mas seus executivos não têm um plano secreto para dominar o mundo; limitam-se a vender o máximo possível de produtos a preço baixo. Se há algo de sinistro nisso, é o efeito hipnótico que a prática exerce sobre os consumidores americanos.

Eles compravam alegremente os vidros de pepinos em conserva oferecidos pela Wal-Mart a US$ 2,79 (R$ 6,30) a unidade, ainda que fosse impossível comer aquela quantidade do produto -e o fizeram até que o fabricante faliu por não conseguir manter o suprimento. Quando o preço das roupas de baixo foi seriamente reduzido, os norte-americanos adquiriram montanhas de peças e formaram estoques. Em uma era de consumismo exagerado e sem controle, não se deve culpar a Wal-Mart pelo "efeito Wal-Mart": a culpa é dos consumidores, especialmente os "confusos".

MARTIN VANDER MEYER é jornalista. Este texto foi publicado na "New Statesman".Tradução de Paulo Migliacci.