segunda-feira, junho 05, 2006

Muito barulho por quase nada


Por Omar de Souza
O Código Da Vinci não vale toda essa polêmica – nem como literatura

É cíclico. De tempos em tempos, a imprensa – geralmente na falta de alguma polêmica que ajude a vender mais jornais ou fazer aumentar os índices de audiência – elege algum livro, filme ou personagem e alimenta algum tipo de celeuma religiosa com boa dose de credulidade calculada, ignorando deliberadamente as artimanhas dos ilusionistas do marketing que as criam. Alguém faz uma “grande descoberta” sem consistência, como a recente valorização do inócuo Evangelho de Judas, que vira livro ou especial na TV, gera dezenas de contestações e, por sua vez, abrem caminho para outras descobertas que desdizem tudo que foi dito antes. E assim por diante.

O mais grave é perceber o quanto a Igreja se ilude, incentiva ou consente com este processo, dando corda no mecanismo. É o caso da onda de protestos de evangélicos e católicos contra O Código da Vinci (Sextante, 2004, 480 páginas, R$ 39,90). Dan Brown deve se divertir muito com as notícias sobre passeatas de religiosos nas portas das livrarias ou declarações de bispos furiosos contra as blasfêmias contidas na obra. E mais ainda ao ver sua conta bancária recheada com o produto dos royalties do livro. Ao invés de apagar o incêndio que só eles enxergam, os manifestantes colocam lenha no forno dessa indústria de controvérsias.

Melhor fariam se ignorassem. O Código Da Vinci não merece tanto estardalhaço. A narrativa é até interessante, mas não chega a empolgar. O autor lança mão de clichês cinematográficos norte-americanos (situações inverossímeis, como as fugas dos protagonistas, e personagens caricatos, como um britânico que parece ter sido conservado em formol desde o período vitoriano) para contar uma história que se esvazia exatamente naquilo que carrega mais. Na tentativa de convencer o leitor de uma suposta manobra subsidiada pela Igreja para divinizar Jesus, Brown cria sua fábula baseada numa premissa que soa, no mínimo, ingênua: a de que os verdadeiros acadêmicos são aqueles que preferem crer em “teorias da conspiração”. Castelos de cartas montados sobre delírios que teólogos sérios já cansaram de desmontar.

É verdade que o livro se baseia na desconstrução do cristianismo – pretensão demais, diga-se de passagem. Porém, no frigir dos ovos, O Código Da Vinci não passa de entretenimento. E mesmo quando considerado dentro desta categoria, não vale tanta celebração. É uma ficção mediana e previsível, típica da mediocreira responsável pelos thrillers de suspense e ação de uma escola que vive de criar histórias de olho nos muitos dólares extras com as adaptações para cinema. Por outro lado, a execração radical também é injusta: o autor é hábil na tessitura de fatos reais e mitos, e sua colcha de retalhos, vez por outra, é até convincente. Mas não justifica tanto barulho, seja como informação histórica ou literatura.