quinta-feira, maio 14, 2009

Da razão e fé

Pelágio e Agostinho.

Para se falar na controvérsia entre a Teologia da Predestinação e a Teologia do Livre-Arbítrio, para se falar em um eventual conflito teológico entre Armínio e Calvino, temos que voltar no tempo e nos apresentar a duas pessoas: Pelágio e Agostinho.

Em 409 d.C., chegou a Roma um monge britânico chamado Pelágio, era um homem de elevada reputação e reconhecido por sua santidade. Um comentarista A. C. McGiffert fala que ele “estava profundamente interessado na conduta cristã e se havia dedicado à tarefa de melhorar as condições morais de sua comunidade, que, a seu ver, estava em triste urgência de melhorar. Tinha um grande corpo de adeptos e exercia considerável influência como líder religioso e moral. De acordo com a melhor tradição crista, colocava, particularmente, ênfase sobre a pureza pessoal e a abstinência da corrupção e frivolidade do mundo”[1].

Pelágio da Bretanha acreditava desmedida a ênfase dada por Tertuliano ao pecado original, pois acreditava que esta ênfase livrava o homem da sua responsabilidade por seus atos. Disto, ele conclui sendo o pecado algo meramente voluntário e individual, que não pode ser transmitido. Dizendo que a queda de Adão não afetara nem as almas nem os corpos de seus descendentes.

Assim, a liberdade que Adão possuía, o homem possui sendo criador do seu próprio caráter e destino. Há algo totalmente dissidente da doutrina cristã na época uma crença num voluntarismo pleno e numa bondade natural do homem, sem a mancha do pecado.

Entretanto, Pelágio sabia que a maioria dos homens peca, daí a necessidade da graça divina que instruía e iluminava as escolhas dos homens, a graça aqui não é um poder, mas um guia de conduta conseguido através da especulação da mente.

Eis que surge Agostinho, que por sua conversão tardia e mente brilhante, trouxe a doutrina cristã elementos conflitantes entre si na sua doutrina, mas teorias que eram em um sentido extremamente contraditório ao que afirmava Pelágio.

Agostinho sobrelevou o valor da graça divina como um poder irresistível que convence o homem do pecado, reafirmou a depravação natural humana.

Ensino de Pelágio

Ensino de Agostinho

O homem tem uma vontade perfeitamente livre. Pode fazer o que Deus lhe manda.

Deus criou o homem posse non pecare et non mori (com a possibilidade de não pecar e não morrer).

Não existe nenhum impulso inato para pecar, nem pecado origina herdado de Adão.

O homem abusou da sua liberdade e voluntariamente desobedeceu a Deus. Como conseqüência entrou o estado onde non posse non pecare et mori (não era possível não pecar e morrer) porque Deus já não dava direção à vontade.

O pecado é a simples eleição de fazer o mal. A natureza sensual do homem é a ocasião, não a causa, do pecado.

A vontade se transformou em volição pecadora. Todos os homens participaram dela, porque todos estavam em Adão quando pecou e, portanto, todos pecaram com ele.

A graça, como causa, é desnecessária para mover a vontade para Deus. Cristo opera como Exemplo e incentivo para fazer o bem. A perfeição crista é só um acúmulo de virtudes individuais que operam sem que haja necessário um coração regenerado.

A salvação se obtêm somente:

Pelo Batismo- que favoreceu a idéia do batismo infantil.

Pela Graça, que é absolutamente necessária, porque só a graça pode mover o vontade do homem para Deus.

Do pensamento vitorioso no lado ocidental do Cristianismo, o de Agostinho se extraiu algumas conclusões que marcam a história da igreja:

1. Deus é absolutamente soberano, ele é a causa direta de tudo que existe, sendo que nada pode resistir a sua vontade.

2. O homem caído é absolutamente impotente para querer alguma coisa contra Deus ou em favor de Deus. Em contradição com a santidade de Deus, o homem é completamente mal

3. Se alguém é salvo e se volta a Deus, é só porque Ele moveu a vontade do homem para tanto.

A liderança intelectual de Agostinho proporcionou o fundamento teológico da Reforma Cristã. “A salvação pelo soberano decreto eterno de Deus e unicamente pela própria iniciativa divina se ergueu, com audácia, em oposição ao ensinamento da igreja que a salvação poderia ser obtida mediante a obediência a seus mandatos e pelo acúmulo de méritos conquistados pelas boas obras ou pagamentos de indulgências”[2].

Entretanto, uma nova pergunta se fez na cristandade reformista, somos salvos por um decreto divino ou pela fé? A resposta protestante foi que por ambos somos salvos, “Deus dá aos homens eleitos uma classe especial de fé para a salvação”[3].

Calvino

Pensar em Jean de Calvin, sem pensar a sua época é uma ignorância e erro infantil. Deve se entender o contexto histórico e as intenções e limitações do seu propósito.

A igreja estava confusa, não havia um ensinamento claro, a reforma que laicizou a doutrina cristã precisava agora doutrinar toda esta gente, livrando-se das superstições e erros do passado recente da igreja.

A Bíblia que agora estava disponível, gerou uma série de interpretações errôneas e defeituosas, a Reforma carecia de um teólogo que solidificasse sua doutrina e a separasse da doutrina católica.

A premissa de Calvino foi Agostinho, o que ele fez ao elaborar a teoria da predestinação pessoal foi levar as ultimas conseqüências lógicas aquilo que o primeiro apenas havia esboçado, gerando também a doutrina da dupla predestinação, ou seja, se Deus é absolutamente soberano e predestina alguns homens para a salvação, é de se supor que também elege a outros para a condenação.

Neste ponto, entra o título deste trabalho, a teoria da predestinação não foi uma conclusão de exegese bíblica ou uma revelação, foi um exercício lógico para defender a absoluta soberania de Deus sobre os homens, e em particular, contra a Igreja que havia monopolizado a salvação.

A obra de Calvino é o repúdio final da reforma ao ensinamento católico das boas obras e dos méritos pessoais, contudo as conclusões de Calvino pararam por aqui.

Com a criação da Universidade de Genebra para educação dos novos sacerdotes protestantes, surge um outro personagem muito importante chamado Beza, que levou a lógica de Agostinho e Calvino a outro passo inevitável, o que os dois não tiveram a audácia de afirmar Beza que concebeu que se Deus é absolutamente soberano e homem se encontra tolhido no pecado, e que , se os seres humanos são salvos ou condenados pelo decreto de Deus, por conseguinte chega-se à conclusão de que Deus induz o homem a pecar, da mesma maneira que Ele faz ou motiva os homens a serem salvos.

Deste modo, o pecado, sendo necessário como instrumento dos decretos divinos para a condenação de alguns homens, também deve ter sido determinado por Deus, anteriormente aos decretos. Esta doutrina da predestinação extrema era agora ensinada na Universidade de Genebra, como se fora um calvinismo ortodoxo.

Armínio.

Armínio, estudante calvinista observou que os decretos colocavam Cristo em um papel secundário, quase que desnecessário. Cristo seria uma contradição neste sistema.

Armínio vai analisar qual foi o propósito de Deus ao realizar a criação, e colocar Cristo como figura principal dos decretos, “atrás da criação estava o amor pessoal de Deus, expressado mediante a segunda Pessoa da Divindade. Isto é a graça, a efusão benéfica do amor divino circuncidando cada passo da história da humanidade”[4] do Alfa ao Omega.

Para Tiago Armínio a doutrina da predestinação deve ser bíblica e não principalmente lógica ou filosófica. Deve ser entendida cristologicamente, sendo Cristo, e não os decretos, a Fonte e Causa da Salvação. Sendo a salvação evangélica, pela fé pessoal em Cristo.

A teoria de Armínio exposta em 4 decretos:

Decreto 1

““Deus determinou constituir a seu Filho, Jesus Cristo...para destruir o pecado pela Sua própria morte”. Cristo é o Escolhido. As pessoas não são eleitas individualmente para a salvação, porém é Cristo quem foi nomeado como único salvador dos homens. O caminho da salvação está predestinado”.

Decreto 2

“Deus tem determinado que, todos aqueles que se arrependem e crêem, sejam recebidos ao favor de Deus. A maior ênfase está “em Cristo”. Por Sua causa e por Ele, a salvação se assegura aos que perseveram”

Decreto 3

Deus tem designado os meios (o poder) pelos quais pode alcançar o Seu propósito. A graça tinha que ser dada aos homens, sendo possível a qualquer deles voltar e confiar em Cristo.

Decreto 4

Deus predestina com base no seu pré- conhecimetno divino. Ele sabe quem são os vão ou não quer e predestina em conformidade.

Sendo que os decretos tem de ser lidos conjuntamente para evitar qualquer engano.

Sínodo de Dort ou os Cinco Pontos do Calvinismo.

Realizado entre 13 de novembro de 1618, continuou durante 154 sessões, reunindo 102 calvinistas ortodoxos holandeses mais 28 representantes de delegações estrangeiras, aonde estiveram presentes 13 representantes arminianos, presos por traição teológica.

Cinco Pontos dos Remostrantes[5]

Resposta Calvinista

Eleição Incondicional- sobre a base do conhecimento prévio

Eleição Incondicional ou Predestinação Particular.

Expiação Universal- limitada pela fé particular do homem

Expiação Limitada- somente para os eleitos.

Inabilidade Natural- de qualquer homem fazer o bem, à parte da graça divina.

Inabilidade Natural ou Depravação Total- a regeneração deve preceder a conversão.

Graça Preveniente- que explica que tudo que há de bom no gênero humano. Pode-se resistir a esta graça e torna-la ineficaz pela perversa vontade de um pecador

A graça irresistível ou o chamado eficaz- o homem a quem Deus outorga graça será salvo não pode resistir a ela

Perseverança Condicional- ainda que Deus proveja graça suficiente para fazer frente a qualquer emergência, os homens podem negligenciar esta provisão, cair da graça e perecer eternamente.

Perseverança Final- segura eterna incondicional.

Este Sínodo marcou a divisão da igreja protestante, quem negasse os cinco pontos do calvinismo, não era tido apenas como anti-calvinista, mas também como anti-cristão.

João Wesley.

Armínio libertou a fé da prisão dos decretos, contudo ficou para Wesley a missão de tornar esta fé emancipada e colocar ela no coração da religião cristã, a justificação pela fé defendida por Lutero tem uma irmã gêmea: a santificação pela fé.

Como diz D.Matin Llloyd Jones, não basta a aceitar a Jesus Cristo como Salvador, é preciso aceitá-lo como Senhor também.

A fé não é a causa da salvação , mas a condição para recebe-la, nossa fé não nos salva, somos salvos somente por Cristo, em quem temos fé, e a fé não pode substituir ou diminuir a obediência ou o amor por Cristo.

Wesley vem para romper com o trauma protestante com as obras, para ele uma fé sem obras como para São Tiago é morta, uma fé sem santidade é morta. Para Wesley a fé é muito mais que mera crença, é dar-se a alguém que é Cristo.

No tempo de Wesley, ele convivia com duas realidades: um arminianismo frívolo e um ultracalvinismo frio, para combater estes dois males defendia:

A necessidade de uma experiência pessoal transformadora da graça divina que perdoa os pecados cometidos.

O poder purificador do Espírito Santo que remove as manchas do pecado inato.

Uma vida digna de Deus para ser vivida neste mundo e que responda às necessidades de uma sociedade ferida pelo egoísmo e pela avareza.

Wesley acrescentou um elemento essencial ao tema arminiano: a obra do Espírito Santo.

“Quando dizemos: “Crês e serás salvo”, não pretendemos expressar “Crês e saltarás do pecado ao céu sem a santidade entre ambos, tomando a fé o lugar da santidade”; porém, Crês e serás santo; crês no Senhor Jesus e terá paz e poder que vem dAquele que tem crido, para pisar o pecado abaixo dos teus pés; poder para amar o Senhor teu Deus com todo o coração e servi-lo com todas as tuas forças”[6]

Assembléia de Deus

A ênfase pentecostal pode levar a exageros que levam a uma interpretação bíblica equivocada, onde dons do Espírito Santo se tornam mais importantes que as obras do Espírito Santo, sendo que o oposto deveria ser verdade, a santidade, entendida pela manifestação das obras no agir movido pelo Espírito Santo que opera a fé em Cristo, deve se sobrepor a manifestação dos dons do Espírito Santo como requisito de santidade e como fundamental para a salvação.

“A fé, privada de razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal. É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e a radicalidade do ser”[7].

Diz o manual de Doutrina da CGADB que:

“O autêntico batismo no Espírito Santo levará a pessoa a amar, exaltar e glorificar a Deus Pai e ao Senhor Jesus Cristo mais do que antes (ver Jo 6.13,14; At 2.11,36; 10.44-46)[8].

È questionável a pressuposição do batismo no Espírito santo como causa de maior amor para com Deus, o que o batismo pode levar é para uma maior intimidade para com Deus.

Quanto a questão da santidade, no ambiente pentecostal, ela também está vinculada ao batismo no Espírito Santo:

O autêntico batismo no Espírito Santo tornará mais real a obra, a direção e a presença do Espírito Santo em nossa vida diária. Depois de batizados no Espírito Santo, os crentes de Atos tornaram-se mais cônscios da presença, poder e direção do Espírito Santo (4.31; 6.5; 9.31; 10.19; 13.2, 4, 52; 15.28; 16.6,7; 20.23). Inversamente, qualquer suposto batismo no Espírito Santo que não aumentar a nossa consciência da presença do Espírito Santo, nem aumentar o nosso desejo de obedecer à sua orientação, nem reafirmar o nosso alvo de viver diante dEle de tal maneira a não entristecê-lo nem suprimir o seu fervor, não provém de Deus[9].

Não há uma tomada de posição clara a respeito da santidade, ela está vinculada a manifestação de línguas através do batismo no Espírito Santo, Cristo toma um aspecto secundário, que atua somente após o batismo, sendo que na verdade foi sua morte e a crença nele que possibilitou o batismo.

Sobre os dons, diz o texto do Convenção Geral:

“Essas manifestações do Espírito visam à edificação e à santificação da igreja (12.7; 14.26). Esses dons e ministérios não são os mesmos de Rm 12.6-8 e Ef 4.11, mediante os quais o crente recebe poder e capacidade para servir na igreja de modo mais permanente”.

Não há qualquer menção sobre o que seriam as obras de arrependimento frutos do Espírito Santo, sobre o que seria santidade, como se dá sua manifestação, apenas uma ênfase no batismo e dons do Espírito Santo que aumentam a santidade já existente.

Conclusão

Em quase todas as teorias ficou um hiato entre a razão e a fé, contudo “foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecer a lê, pra, que conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”[10]

A teoria arminiano-wesleyana parece ser a que melhor encara este duplo papel do salvo, pois não ignora e nem sobrepõe nenhuma das Sagradas Pessoas da Trindade, dá a Deus, a Cristo e ao Espírito Santo seu devido valor e participação.

A fé atua juntamente com a razão na consolidação da santidade conseguida através de obras intelectivas iluminadas pelo Espírito Santo, Pelágio errou como todos nós erramos, mas deixou perguntas que talvez Wesley teria respondido.

Igreja pentecostal não pode ignorar como a igreja católica que Lutero combatia a superstição que a ronda em torno de legalismos e sinais exteriores infrutíferos, deve buscar-se basear mais na obras do Espírito Santo, pelo qual Deus se faz conhecer como fonte de amor e salvação pelo sacrifício de Jesus Cristo, é a vontade do Pai dar-se a conhecer, por isto a razão não deve ser ignorada e nem a fé que move o encontro junto ao Pai (Ef. 1:9) “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”[11].

Somos todos grãos, e não sabemos quem de nós será trigo ou joio, resta a nós oferecer nossos corações e mentes a Deus, que por intermédio de Jesus Cristo nos guie através do Espírito Santo para realizar a Sua Vontade revelada na sua Palavra Sagrada, como disse o Papa João Paulo II “ A Bíblia não quer dizer como os céus foram feitos, mas sim como se chega até ele”[12].

Anselmo “sublinha o fato de que o intelecto deve pôr-se à procura daquilo que ama: quanto mais ama, mais deseja conhecer. Quem vive para a verdade tende para uma forma de conhecimento que se inflama num amor sempre maior para aquilo que conhece, embora admita que ainda não fizera tudo aquilo que estaria no seu desejo”[13]



[1] WYNKOP, Mildred Bangs Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana Campinas: Casa Nazarena de Publicações,2004, p.25.

[2] WYNKOP, Mildred Bangs Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana Campinas: Casa Nazarena de Publicações,2004, p.40.

[3] WYNKOP, Mildred Bangs Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana Campinas: Casa Nazarena de Publicações,2004, p.41.

[4] WYNKOP, Mildred Bangs Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana Campinas: Casa Nazarena de Publicações,2004, p.50.

[5] Nome dado aqueles que juntamente Simon Episcopius defendiam a tese arminiana.

[6] WYNKOP, Mildred Bangs Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana Campinas: Casa Nazarena de Publicações,2004, p.127.

[7] João Paulo II, Fides et Ratio, p.68.

[8] http://www.cgadb.com.br/p_doutrinasbasicas.htm#menu02

[9] http://www.cgadb.com.br/p_doutrinasbasicas.htm#menu02

[10] João Paulo II, Fides et Ratio, p.5

[11] João Paulo II, Fides et Ratio, p. 5

[12] CNBB, Crescer na Leitura da Bíblia, estudo no. 86, p.31. No mesmo estudo, na página 23 a CNBB, diz que “nosso irmãos evangélicos merecem louvor por terem demonstrado sempre um enorme apreço à Bíblia”...eis o caminho da santidade.

[13] João Paulo II, Fides et Ratio, p. 59.

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