O trem-bala da alegria
O governo decidiu arriscar mais R$ 45 bilhões do contribuinte para garantir e subsidiar as obras do trem-bala e criar um seguro para outros projetos de infraestrutura financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A nova ameaça está contida na Medida Provisória (MP) n.º 511, assinada na sexta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Se os parlamentares quiserem prestar um serviço ao País, o melhor será rejeitar imediatamente essa MP, contestando sua urgência.
Mas para isso será necessário que os congressistas estejam atentos e empenhados em cumprir sua função. Sem isso, o brasileiro comum - pagador de impostos e dependente de serviços públicos essenciais - ficará mais uma vez sujeito a ver o seu dinheiro entrar pelo ralo das despesas mal concebidas e arbitrárias.
A MP autoriza a União - isto é, o Tesouro Nacional, abastecido com impostos - a garantir o financiamento de até R$ 20 bilhões à empresa concessionária do trem de alta velocidade entre Campinas e Rio de Janeiro. A empresa poderá oferecer ações como garantias ou vincular receitas ao contrato de financiamento. Em suma, a segurança do Tesouro poderá consistir em papéis de valor imprevisível neste momento, ou até duvidoso, ou em receitas possivelmente inferiores às previstas no projeto.
Se o BNDES fizer um mau negócio, o contribuinte pagará. Essa hipótese seria menos preocupante, se especialistas nacionais e estrangeiros não houvessem posto em dúvida a viabilidade econômica do trem-bala.
Mas a hipótese de receita bruta inferior à apresentada na proposta do vencedor da licitação é levada em conta na MP. Se isso ocorrer, também não haverá problema. O Tesouro poderá conceder subvenção de até R$ 5 bilhões para ajuste de taxa de juros.
Mais uma vez a conta será enviada, é claro, ao pagador de impostos, essa fonte generosa de recursos para todos os projetos irresponsáveis e toda a gastança do governo federal.
Outros R$ 20 bilhões serão usados para abater dívidas do banco, se houver risco de perda de seus empréstimos para obras de infraestrutura. Nesse caso, o BNDES terá de contabilizar provisões para créditos de liquidação duvidosa. A ajuda ocorrerá se o provisionamento causar perda de pelo menos R$ 8 bilhões para o patrimônio de referência. O Tesouro perdoará parte da dívida do banco e o contribuinte, de novo, ficará com o prejuízo.
Em nenhuma parte do mundo há segurança total para o pagador de impostos, mesmo quando o governo é sério, cuidadoso e em geral competente no manejo do dinheiro público. Não se trata apenas do risco de catástrofes. Projetos podem custar mais do que o previsto, mesmo sem bandalheira e sem desleixo nas projeções. Fatores imprevisíveis podem atrapalhar os melhores planos. Além disso, erros podem ser inevitáveis mesmo para as equipes mais competentes. Mas neste caso a história é diferente.
O governo simplesmente resolveu embarcar no projeto do trem-bala, sem uma ampla discussão do assunto, apesar das dúvidas levantadas por pessoas competentes. Resolveu porque resolveu, assim como comprometeu o Brasil com os pesados investimentos necessários à Copa do Mundo, sem levar em conta os custos e as prioridades. Apesar de todas as promessas, dinheiro público será aplicado nesses projetos, quase certamente sem retorno econômico.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, classificou como "absurdas" as críticas ao plano de construção do trem-bala. As mesmas críticas, acrescentou, foram feitas a projetos de construção de metrôs nos anos 80. A comparação é despropositada.
Houve sempre um apoio muito amplo à construção de metrôs nas maiores cidades brasileiras. A vantagem é muito menos clara quando se trata do caríssimo trem-bala como solução para o transporte ferroviário entre Campinas e Rio de Janeiro. Mas o governo recusa a discussão.
Ao defender esse projeto, a presidente eleita amplia o fosso entre suas promessas e os fatos, quando se trata do manejo de recursos públicos. Seu compromisso com a gestão competente e responsável deveria ser à prova de dúvidas.
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