quarta-feira, janeiro 11, 2012

John Piper: Fé na graça futura x orgulho.

No sexto capítulo de Graça Futura, Piper vai falar sobre o orgulho.  Para ele a humildade só pode subsistir na presença de Deus,  quando Deus é colocado em segundo plano, o homem assume o lugar.  O propósito do capítulo segundo o autor é:

declarar que o espírito arrogante é uma forma de incredulidade e que o modo de combater a incredulidade do orgulho consiste na fé na graça futura. Confiar em Deus e ser arrogante constituem opostos” p. 88

Para nos livrarmos disto temos que voltar ao desejo por Deus em nosso coração. Lembrando o que é fé, crer em Jesus significa ir a Jesus  a fim de buscar de tudo o que Deus é para nós nele. De outro lado, a incredulidade seria afastar-se de Deus, a fim de buscar  a satisfação em outras coisas.

Crer não é apenas uma aceitação mental mas também o desejo por Deus no coração. Piper usa as metáforas de beber e comer, de João 4.14 e 6.51, a busca da satisfação vital em Deus.

A incredulidade é afastar-se de Deus e de seu Filho para buscar satisfação em outras coisas. O orgulho é afastar-se de Deus para buscar a satisfação no seu próprio eu, a incredulidade do orgulho é muito forte, porque a autodeterminação e autoexaltação estão por trás dele. A pessoa busca sua autonomia ou independência, que é a essência do orgulho. A batalha contra o orgulho é uma batalha contra a incredulidade,  a favor da humildade, da fé na graça futura.

Em Jeremias 9.23, aparecem três inimigos de Deus: sabedoria, força e riqueza. Eles tentam em nosso coração serem fontes de satisfação. O conhecimento traz orgulho, mas o amor edifica –1Co. 8.1-.  Não há aqui uma apologia a ignorância, pelo contrário, Paulo sempre exaltou o povo a buscar conhecimento, mas esta faculdade foi nos dada para conhecermos a Deus e sabermos como o mundo se relaciona com Ele.

O apelo é contra a vanglória do conhecimento – veja 1Co 1,26,29,31, Rm 11.34,36-.

Quando nos vangloriamos da nossa sabedoria mostramos nosso afastamento de Deus para confiar em nós mesmos. Revelamos, com isso, que nossa satisfação não está primeiramente na sabedoria infinita, originária em Deus, mas em nossas capacidades derivadas e secundárias. Isso é uma falta de fé na graça futura- a promessa de Deus usar sua sabedoria infinita para continuar dominando o universo para o bem daqueles que esperam nele” p.90

Outro ponto é o poder, é a busca em tomar o crédito daquilo que Deus fez por nós, Piper aqui cita Dt. 8.11-17.  Quando vivemos pela graça futura, sabemos que os frutos são somente produtos da graça.

A seguir Piper coloca dois personagens que deixaram se iludir pelos ídolos do orgulho: sabedoria e poder. A história do rei da Assíria em Is.10.5 e Nabucodonosor em Dn. 4.30-37.

 

A maior tentação aqui pode ser mesmo o dinheiro, a riqueza é um grande símbolo de autossuficiência, controlamos os recursos, podemos satisfazer nossos desejos. O resultado é Os. 13.6, o que você confia para seu futuro (Jr. 49.4). Paulo dá a resposta bem clara em 1Co 4.7- “o que você tem que não tenha recebido? E se o recebeu, por que se orgulha, como se assim não fosse?”

Precisamos de uma confiança que tira os olhos dos recursos e descanse em Deus, isto é a graça futura

Para Piper, .o supremo orgulho é o ateísmo, porque no final das contas, o orgulhoso precisa se convencer que não há Deus. Porque a realidade de Deus é intrusa em todos os aspectos da vida, o orgulho não deixa nada se envolver conosco (Tg. 4.13-17). Devemos colocar diante de Deus todos os detalhes da nossa vida.

A coceira da autoconsideração deseja ardentemente o coçar da autoaprovação. isto é, se obtivermos nosso prazer do sentimento de autosatisfação, não estaremos satisfeitos até que outros vejam e aplaudam nossa autosatisfação” p. 95

O que irônico conforme diz Piper, é que a auto-suficiência que deveria nos livrar da necessidade de sermos considerados pelos outros, nos leva  a depender do aplauso alheio. Sempre haverá um vazio, uma insuficiência quando buscamos os recursos em nós mesmos.  Pensando em João 5.44, ele diz:

A coceira pela glória de outras pessoas torna a fé impossível. Porque fé ser satisfeito com tudo o que Deus é para nós em Jesus; e se você estiver inclinado a obter satisfação da coceita ao coçar o aplauso dos outros, você se afastará de Jesus. Mas se você se afastar do eu como fonte de satisfação (=arrependimento), e se for a Jesus para desfrutar de tudo o que Deus é por nós nele (=fé), então a coceira será substituída por uma fonte de água jorrando para a vida eterna (João 4.14)” p.95

A graça reconhece sempre a necessidade de ajuda. O orgulho não, a forma de combater isto é admitir a ansiedade, a vanglória ou, até mesmo, autocompaixão, e apreciar a promessa da graça futura, a fé se fundamenta na ajuda de Deus que tem cuidado de nós, conforme Jr.9.23,24

 

Comentários:

 

Para Agostinho, o ser humano é um ser sacro, ele é aquilo que ele adora. O livro de James K.A. Smith, Desiring The Kingdom, fala muito sobre este ponto:

O que fazemos (práticas) está intimamente ligada ao que desejamos (amor), de modo que isto determina se, como e que podemos saber

 

Seria legal ver meu resumo. Há um texto Amor e Liturgia: a inserção do corpo no culto de Igor Miguel em pdf, muito interessante também, sobre o mesmo livro, com idéias que tem a ver com que está sendo dito aqui:

O conceito hebraico de “amor”, não é uma virtude, ou apenas um sentimento, é um princípio ativo,uma excitação visceral, um desejo fundamental de unidade, de comunhão.  Amor neste sentido é algo com base “energética”, para adotar um termo da psicanálise, um pulsão dirigida ao gozo, à realização.  Que pode ser mediado e traduzido em diversas dimensões afetivas como o amor fraterno, a veneração idólatra, a atração erótica, o culto a Deus, o desejo do salmista pelos átrios do Senhor e assim por diante.   O amor é sempre dirigido a um ideal de “acolhimento”, de realização existencial, o que significa afinal de contas, que o amor não é  religiosamente neutro, ao contrário, ele é fundamentalmente o princípio da veneração.  O amor é sempre dirigido tendo em vista um fim (gr. telos), um propósito, que dê sentido à existência.  Este fim, em última instância, é sempre um paradigma de realização humana.  Por ser o amor teleológico, ele é inevitavelmente religioso.

Sobre o tema do orgulho vale a pena a leitura do capítulo O GRANDE PECADO de Cristianismo Puro e Simples  do C.S. Lewis, eis um trecho:

Chego agora à parte em que a moral cristã difere mais nitidamente de todas as outras morais. Existe um ví­cio do qual homem algum está livre, que causa repug­nância quando é notado nos outros, mas do qual, com a exceção dos cristãos, ninguém se acha culpado. Já ouvi quem admitisse ser mau humorado, ou não ser capaz de resistir a um rabo de saia ou à bebida, ou mesmo ser covarde. Mas acho que nunca ouvi um não-cristão se acusar desse vício. Ao mesmo tempo, é raríssimo encon­trar um não-cristão que tenha alguma tolerância com esse vício nas outras pessoas. Não existe nenhum outro defeito que torne alguém tão impopular, e mesmo as­sim não existe defeito mais difícil de ser detectado em nós mesmos. Quanto mais o temos, menos gostamos de vê-lo nos outros.

O vício de que estou falando é o orgulho ou a pre­sunção. A virtude oposta a ele, na moral cristã, é cha­mada de humildade. Você deve se lembrar de que, quan­do falávamos sobre a moralidade sexual, adverti que não era ela o centro da moral cristã. Bem, agora chegamos ao centro. De acordo com os mestres cristãos, o vício fun­damental, o mal supremo, é o orgulho. A devassidão, a ira, a cobiça, a embriaguez e tudo o mais não passam de ninharias comparadas com ele. E por causa do orgulho que o diabo se tornou o que é. O orgulho leva a todos os outros vícios; é o estado mental mais oposto a Deus que existe.

Parece que estou exagerando? Se você acha que sim, pense um pouco mais no assunto. Agora há pouco, ob­servei que, quanto mais orgulho uma pessoa tem, me­nos gosta de vê-lo nos outros. Se quer descobrir quão orgulhoso você é, a maneira mais fácil é perguntar-se: "Quanto me desagrada que os outros me tratem como inferior, ou não notem minha presença, ou interfiram nos meus negócios, ou me tratem com condescendência, ou se exibam na minha frente?" A questão é que o or­gulho de cada um está em competição direta com o orgu­lho de todos os outros. Se me sinto incomodado por­que outra pessoa fez mais sucesso na festa, é porque eu mesmo queria ser o grande sucesso. Dois bicudos não se beijam. O que quero deixar claro é que o orgulho é es­sencialmente competitivo — por sua própria natureza -, ao passo que os outros vícios só o são acidentalmente, por assim dizer. O prazer do orgulho não está em se ter algo, mas somente em se ter mais que a pessoa ao lado. Dizemos que uma pessoa é orgulhosa por ser rica, inte­ligente ou bonita, mas isso não é verdade. As pessoas são orgulhosas por serem mais ricas, mais inteligentes e mais bonitas que as outras. Se todos fossem igualmente ri­cos, inteligentes e bonitos, não haveria do que se orgu­lhar. É a comparação que torna uma pessoa orgulhosa: o prazer de estar acima do restante dos seres. Eliminado o elemento de competição, o orgulho se vai. E por isso que eu disse que o orgulho ê essencialmente competitivo de uma forma que os outros vícios não são. O impulso sexual pode levar dois homens a competir se ambos es­tão interessados na mesma moça. Mas a competição ali é acidental; eles poderiam, com a mesma facilidade, ter se interessado por moças diferentes. Um homem orgu­lhoso, porém, fará questão de tomar a sua garota, não por desejá-la, mas para provar para si mesmo que é me­lhor do que você. A cobiça pode levar os homens a com­petir entre si se não existe o suficiente para todos; mas o homem orgulhoso, mesmo que tenha mais do que ja­mais poderia precisar, vai tentar acumular mais ainda só para afirmar seu poder. Praticamente todos os males no mundo que as pessoas julgam ser causados pela cobi­ça ou pelo egoísmo são bem mais o resultado do orgulho. Veja a questão do dinheiro. A cobiça pode fazer com que o homem deseje ganhar dinheiro para comprar uma casa melhor, poder viajar nas férias e ter coisas mais apetitosas para comer e beber. Mas só até certo ponto. O que faz com que um homem que ganha 10.000 li­bras por ano fique ansioso para ganhar 20.000 libras? Não é a cobiça de mais prazer. A soma de 10.000 libras pode sustentar todos os luxos de que ele queira desfrutar. E o orgulho — o desejo de ser mais rico que os outros ricos e, mais do que isso, o desejo de poder. Pois, evi­dentemente, é do poder que o orgulho realmente gos­ta: nada faz o homem sentir-se tão superior aos outros quanto o fato de poder movê-los como soldadinhos de brinquedo. Por que uma moça bonita à caça de admi­radores espalha a infelicidade por onde quer que vá? Cer­tamente não é por causa de seu instinto sexual: esse tipo de moça é quase sempre sexualmente frígida. É o orgulho. O que faz um líder político ou uma nação inteira quererem expandir-se indefinidamente, exigindo tudo para si? De novo, o orgulho. Ele é competitivo pela pró­pria natureza: é por isso que se expande indefinidamen­te. Se sou um homem orgulhoso, enquanto existir al­guém mais poderoso do que eu, ou mais rico, ou mais es­perto, esse será meu rival e meu inimigo.

Os cristãos estão com a razão: o orgulho é a causa principal da infelicidade em todas as nações e em todas as famílias desde que o mundo foi criado. Os outros ví­cios podem, às vezes, até mesmo congregar as pessoas: pode haver uma boa camaradagem, risos e piadas entre gente bêbada ou entre devassos. O orgulho, porém, sem­pre significa a inimizade - é a inimizade. E não só ini­mizade entre os homens, mas também entre o homem e Deus.

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