Tom G. Palmer é Senior Fellow do Cato Institute e Director da Cato University. O texto seguinte é uma versão resumida da comunicação apresentada por Palmer em várias universidades dos E.U.A. ao longo de 2002, tendo sido originalmente publicado em inglês com o título “Globalization is Grrrreat!” na Cato’s Letter, Outono 2002.
A globalização provoca sentimentos fortes em muita gente, mas hoje não vou falar muito de sentimentos. Vou falar de razões, lógica e evidência. È importante que os argumentos façam sentido, que possam ser verificados ou refutados, e que possamos cativar o coração através da mente. Espero poder cativar as vossas mentes para que assim coloquem os vossos corações ao lado da humanidade.
É comum que os oponentes da globalização utilizem o termo para descrever todas as características da vida humana que eles não apreciam. Eu usarei o termo “globalização”, de forma mais precisa, para me referir à diminuição ou eliminação das restrições estatais aos intercâmbios entre fronteiras e ao cada vez mais integrado e complexo sistema global de produção e trocas que emergiu como resultado. As interrogações que se colocam são as de saber os efeitos que a globalização realmente tem e se eles são benéficos ou prejudiciais.
A questão política fundamental é se uma fronteira deve ser utilizada para impedir as transacções que seriam permitidas se ambas as partes estivessem do mesmo lado dessa fronteira. Dever-se-à permitir aos produtores de trigo dos E.U.A. comprar telefones móveis a pessoas da Finlândia? Dever-se-à permitir aos tecelões do Gana vender camisas e calças aos operários alemães?
Eu acredito que a resposta é sim. Os oponentes da globalização, da esquerda e da direita, desde Ralph Nader a Patrick Buchanan e Jean Marie Le Pen, dizem que não. Antes de explicar o meu sim, devo enfatizar que o debate não é sobre a interacção de números mas antes sobre a interacção de pessoas reais, pessoas de carne e osso com corpos, mentes e vidas que são importantes e têm significado.
Para colocar alguma dessa carne e osso nos argumentos formais, permitam-me que vos conte uma história. O ano passado, um amigo maia que ensina antropologia na Guatemala levou-me às terras montanhosas maias. Ele disse-me que antropólogos da Europa e dos Estados Unidos que querem “estudar” os aborígenes se queixam de que muitas mulheres maias já não vestem quotidianamente os seus belos trajes indígenas feitos à mão. Essas peças estão crescentemente reservadas para ocasiões especiais como baptismos e casamentos. A reacção dos visitantes é quase unanimemente de horror . Os maias estão a ser despojados da sua cultura, afirmam eles. São as primeiras vítimas da globalização e do imperialismo cultural.
Os visitantes não se preocupam em perguntar às mulheres maias por que razão muitas delas não vestem as roupas tradicionais , mas o meu amigo fê-lo. As mulheres disseram-lhe que já não usam os seus vestidos feitos à mão porque eles se tornaram demasiado caros. O que significa as roupas feitas à mão terem-se tornado mais caras? Significa que o trabalho da mulher maia se tornou mais valioso. Em vez de passar horas e horas num tear manual a fazer um vestido para usar, ela pode empregar esse tempo a fazer esse mesmo vestido para vender a uma mulher em França e utilizar as receitas para comprar três outras peças de roupa – e óculos, ou um rádio, ou um medicamento para combater a febre dengue. Ou as mulheres podem fazer outros trabalhos e ainda assim ter capacidade para comprar mais coisas que valorizam. Não estão a ser roubadas. Elas tornaram-se mais ricas. E da sua perspectiva, isso não é uma coisa má; mas é uma grande decepção da perspectiva daqueles a quem o meu amigo chama os “turistas da pobreza” anti-globalizadores, que gostam de tirar fotografias a gente pobre colorida.
Assim, quando discutimos a globalização, devemos ter em conta as mulheres que fazem roupas que se estão a tornar demasiado caras para que elas as possam usar todos os dias. Essas são as pessoas de carne e osso cujo destino será decidido, para o melhor ou para o pior, pelo debate sobre a globalização. Tornar-se-ão mais ricas ou mais pobres? Terão vidas mais longas ou mais curtas? A resposta a estas questões depende de adoptarmos políticas sábias ou estúpidas.
Mitos sobre a Globalização
A Globalização destrói empregos: A política comercial não afecta o número de empregos, mas afecta o tipo de empregos que as pessoas têm. Se o proteccionismo aumenta o número de empregos em indústrias que competem com importações, ele reduz de forma correspondente o número de empregos em indústrias exportadoras, ou seja, nas indústrias que produzem bens que teriam sido trocados por bens que teriam sido importados mas que são agora mais caros devido às tarifas ou excluídos por quotas. As exportações são, afinal, o preço que pagamos pelas importações, tal como as importações são o preço que os estrangeiros pagam pelas nossas exportações, de tal forma que se reduzirmos através de uma tarifa o valor de bens importados, reduziremos também o valor de bens exportados para pagar essas importações. Isso traduz-se numa perda de empregos nas indústrias exportadoras.
A Globalização direcciona o capital para onde os salários são mais baixos e explora os trabalhadores mais pobres: Se fosse verdade que os fluxos de capital se dirigem para onde os salários são mais baixos, seria de esperar que o Burkina Faso e outros países pobres com baixos salários estivessem inundados de investimento externo. A afirmação tem implicações verificáveis, pelo que a podemos testar. Durante a década de 1990, 81% do investimento directo estrangeiro dos E.U.A. foi para três partes do mundo: o desesperadamente pobre Canadá, a empobrecida Europa Ocidental e o faminto Japão. Países em desenvolvimento (com salários em crescimento) como a Indonésia, o Brasil, a Tailândia e o México representaram 18%. O resto do mundo, incluindo toda a África, repartiram o 1% restante. Os investidores colocam o seu capital nos locais que lhes oferecem os maiores retornos, e em geral isso acontece onde os salários são mais altos, não mais baixos. Além disso, as empresas estabelecidas por investidores externos tendem a pagar salários mais altos do que as empresas locais, porque os estrangeiros querem atrair e reter os melhores trabalhadores.
O capital é exportado dos países ricos para o Terceiro Mundo criando sweatshops, que por sua vez exportam grandes quantidades de bens baratos para os países ricos, gerando excedentes comerciais nos países pobres e reduzindo a actividade industrial nos países ricos, de tal forma que todos ficam pior: Isto é um tipo de história que ouço frequentemente nas universidades.É tão confusa que é difícil saber por onde começar. Primeiro, não é possível ter simultaneamente um superavit na conta de capital e um superavit comercial. Se um país exporta mais do que importa, ele recebe algo em troca das suas exportações, e o que obtém é a propriedade de activos – ou investimento líquido – nos países para os quais exporta. Se um país importa mais do que se exporta – como os EUA têm feito nas últimas décadas – é necessário vender algo aos estrangeiros que lhe estão a enviar os seus produtos, e o que se vende são activos, tais como acções de empresas. A identidade contabilística fundamental é: Poupança – Investimento = Exportações – Importações. A maioria dos cenários aterrorizadores anunciados pelos oponentes da globalização assenta na simples ignorância dos elementos mais básicos da contabilidade do comércio internacional.
A globalização origina uma deterioração dos padrões ambientais e laborais: Outra falácia é a de que o capital flui para onde os padrões ambientais e laborais são mais baixos. Mas verifiquemos os factos. Os investidores investem nos locais onde os retornos são maiores, os quais tendem a ser onde a mão de obra é mais produtiva, os quais são onde as pessoas são, consequentemente, mais ricas – e as pessoas mais ricas tendem a exigir melhores, e não piores, condições ambientais e laborais. Os dois casos mais citados como exemplos de efeitos supostamente negativos sobre o ambiente dos acordos comerciais – os do “atum/golfinho” e “camarão/tartaruga” – revelam uma melhoria, não uma deterioração, na medida em que outros países adoptaram os padrões legais dos Estados Unidos para proteger os golfinhos e as tartarugas.
O mesmo se aplica às condições laborais. Os postos de trabalho nas empresas propriedade de estrangeiros são geralmente muito procurados, porque pagam melhores salários e oferecem melhores condições laborais do que as alternativas domésticas.
A globalização cria uma cultura norte-americana homogénea em todo o mundo: É de facto verdade que os Estados Unidos são culturalmente atraentes e que algumas pessoas – geralmente elites – se opõem a isso. Mas consideremos a moda que tomou todo o mundo, o pequeno mago inglês Harry Potter, ou a loucura que se instalou nas crianças de sete anos por todo o mundo há alguns anos com o fenómeno japonês do Pokemon, assim como com o também japonês Anime, a indústria cinematográfica indiana “Bollywood” e muitas outras contribuições de outras culturas, as quais nos enriqueceream a nós e a outros. Isto sem mencionar a comida tailandesa ou a capacidade de poder ouvir músicas gravadas em praticamente todas as línguas faladas no planeta. Se as culturas permanecerem hermeticamente seladas e estáticas, elas deixam de ser culturas humanas; convertem-se em exposições de museu. A globalização enriquece-nos culturalmente.
A globalização cria desigualdade: As causas do aumento e diminuição da desigualdade são complexas, mas há uma verdade substancial na afirmação de que a globalização gera desigualdade: o diferencial de riqueza entre os países que têm economias fechadas e aqueles que praticam o comércio livre continua a aumentar. Essa não é a desigualdade que os anti-globalizadores têm em mente. No interior dos países que abriram as suas economias ao comércio e ao investimentos, as classes médias cresceram, o que significa que existe menos desigualdade, e não mais.
Benefícios da Globalização
A globalização conduz à paz ao diminuir os incentivos para o conflito: O proteccionismo baseia-se numa mentalidade e num conjunto correspondente de políticas que enfatizam os interesses divergentes das nações. Em contraste, o comércio livre une os países em paz. Há um velho adágio que diz “quando os bens não podem atravessar as fronteiras, os exércitos certamente o farão”.
O comércio gera riqueza: Imaginem que alguém criou uma máquina que vos permitiria fazer passar por uma porta coisas que podem produzir de forma barata e obter por outra porta as coisas que gostariam de ter mas vos custam mais a produzir. Os australianos poderaim fazer passar ovelhas por uma porta e da outra sairiam automóveis e fotocopiadoras. Os japoneses poderiam empurrar videos e aparelhagens por uma porta e obter petróleo, trigo e aviões pela outra. O inventor dessa máquina seria louvado como um benfeitor da humanidade – até que Pat Buchanan ou Ralph Nader mostrassem que o invento é... um porto! Então, em vez de ser considerado um herói, o “inventor” seria vilipendiado como um destruidor de empregos – e pela sua falta de patriotismo. Mas qual é a diferença entre essa máquina maravilhosa e o comércio?
O comércio conduz a benefícios para todos: O erro mais comum dos proteccionistas é confundir vantagem absoluta com vantagem comparativa. Mesmo que a pessoa na primeira fila seja melhor que eu em tudo, ambos beneficiamos do comércio se ela se especializar naquilo que faz melhor e eu me especializar naquilo que faço melhor. O velho exemplo da dactilógrafa e do advogado aplica-se tanto entre fronteiras como dentro dos escritórios. O advogado pode escrever documentos jurídicos e dactilografar melhor que a secretária, mas ambos beneficiam se o advogado se especializar em escrever documentos jurídicos, os quais custam menos em termos de produção dactilográfica perdida, e a secretária se especializar em dactilografar, o que custa menos em termo de perda de argumentação jurídica, já que a secretária é melhor a dactilografar do que a redigir documentos jurídicos. O produto total é maior e ambos recebem mais rendimento. Essa é também uma razão pela qual o comércio está relacionado tão de perto com a paz. É em primeiro lugar pelo facto de as pessoas poderem ver os outros seres humanos como parceiros numa cooperação mutuamente benéfica, e não como rivais mortais, que a sociedade humana se torna possível. O comércio é a base primordial da civilização humana.
O comércio livre é o caminho mais rápido para a eliminação do trabalho infantil: Em todo o mundo, trabalham aproximadamente 250 milhões de crianças. A percentagem de crianças que trabalham tem vindo a cair – e não a aumentar – com o incremento do comércio e a globalização, e por razões relativamente óbvias. Os países pobres não são pobres por as crianças trabalharem. As crianças trabalham porque são pobres. Quando as pessoas enriquecem através da produção e do livre comércio, elas enviam as suas crianças para a escola, em vez de as mandarem para os campos. O comércio global é o caminho mais rápido para a eliminação do trabalho infantil e sua substituição pela educação infantil.
O comércio, a abertura e a globalização reforçam os governos democráticos e responsáveis e o Estado de Direito: À medida que as barreiras comerciais foram caindo, a percentagem de governos classificados como democráticos pela Freedom House aumentou dramaticamente. Dos 40% de países com maior abertura económica segundo o Economic Freedom of the World (co-publicado pelo Cato Institute), 90% são classificados como “livres” pela Freedom House. Pelo contrário, nos 20% de países com economias mais fechadas, menos de 20% foram classificados como “livres” e mais de 50% foram considerados “não livres”. O México é um bom exemplo; a abertura da economia mexicana através do Tratado de Livre Comércio da América do Norte tornou possível a vitória do presidente Vicente Fox e a ruptura do monopólio sobre o poder detido pelo Partido Revolucionário Institucional. Os defensores de governos democráticos e responsáveis e do Estado de Direito deveriam apoiar a globalização.
O livre comércio é um direito humano fundamental: Os anti-globalizadores e os proteccionsitas partem do pressuposto que têm o direito de usar a força para evitar que vocês e eu levemos a cabo trocas voluntárias. Mas os direitos fundamentais deveriam ser iguais para todos os seres humanos, e o direito de comerciar é um direito fundamental, de que disfrutam todos os seres humanos, independentemente do lado da fronteira em que possam viver. O comércio livre não é um privilégio; é um direito humano.
O comércio é algo distintivamente humano. Algo que nos diferencia de todos os outros animais. O comércio baseia-se na nossa faculdade de raciocinar e na nossa capacidade de persuadir. Como assinalou Adam Smith numa conferência em 30 de Março de 1763: “A oferta de um shilling, que para nós parece ter um significado tão simples e directo, é na realidade a oferta de um argumento para persuadir alguém a fazer algo de tal forma que se ajusta ao seu interesse”. Como ele notou, outros animais podem cooperar, mas não comerciam, e não comerciam porque não empregam a razão para persuadir.
O comércio não só é distintivamente humano, como é também uma característica distintiva da civilização, tal como salientou Homero na Odisseia. No Canto IX, quando Ulisses nos relata a sua chegada à terra dos Ciclopes, oferece-nos alguns pensamentos sobre as razões pelas quais os Ciclopes são “gigantes sem leis”. Ulisses observa que:
“Os Ciclopes não possuem nenhumas naus de faces pintadas de vermelho, nem artífices capazes de fabricar essas naus bem munidas de ponte, que, adequadas a todas as viagens, rumam na direcção das cidades povoadas, e tantas são as que transportam através do mar os homens que vogam de uns países para outros.”
Os Ciclopes são selvagens porque não comerciam. Vivem no mundo preferido pelos anti-globalizadores, um mundo sem comércio, um mundo em que toda a produção é local. O proteccionismo deve ser rejeitado não apenas porque é ineficiente. Ele deve ser rejeitado porque conduz ao conflito e à guerra, porque é imoral, e porque é contrário à civilização.
Tradução, autorizada, de André Azevedo Alves
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