Lendo o livro Hobbes e a liberdade republicana de Quentin Skinner, o livro traça o paralelo entre a concepção hobbesiana de liberdade e as concepções contemporâneas de liberdade do movimento republicano em sua época. O propósito do livro é contrastar duas teorias rivais sobre a natureza da liberdade humana, aquela a que Hobbes se coloca contrário foi originada da antiguidade clássica, perpassou a tradição republicana romana e foi conservada nas cidades-repúblicas da Itália renascentista, esta colocava uma separação social entre homens livres e escravos, e que somente numa republica de homens livres poderia se achar a verdadeira liberdade. A liberdade era não estar sujeito a outrem, consistia em estar sob seu próprio poder.
Em “Os Elementos da Lei Natural e Política”, de 1650, Hobbes começa a traçar seus conceitos de natureza humana e da liberdade natural, para ele o processo de tomada de decisão consistia na retirada de nossa própria liberdade. Pois, “quando deliberamos sobre se devemos ou não efetuar uma ação que está em nosso poder, entramos em um processo de alternância entre nossos apetites, que nos inclinam a agir, e nossos medos, que nos impedem de prosseguir. Quando finalmente, escolhemos fazer ou conter, chegamos a uma vontade determinada, porque “na deliberação o último apetite, como também o último medo, chama-se VONTADE, ou seja, o último apetite quer fazer, o último medo não quer fazer, ou quer omitir” (p.39).
Então, conforme a primeira doutrina exposta por Hobbes, a vontade não é mais que o nome que se dá ao último apetite ou ao último medo, aquilo que põe fim à deliberação. Com isto, segundo Skinner, Hobbes refuta implicitamente toda a interpretação escolástica da vontade, que a via como uma das faculdades permanentes da alma humana, aquela que nos capacita a querer livremente e, assim, a agir livremente.
Aqui está colocada a diferenciação que Hobbes começa estabelecer, colocando como antecedentes das ações as paixões, são os apetites e os medos que nos levam a ação, e não a razão. Um dos pressupostos do seu tempo é que os agentes verdadeiramente livres agiam em conformidade à razão em oposição ao apetite ou à paixão.
“Lorde Otaviano prossegue afirmando que, na organização da vida cívica, é fundamental que o apetite seja controlado pela razão, pois, de outro modo, o resultado não será a liberdade civil, mas simplesmente a vida licenciosa e desordeira do povo” (p. 46)
Hobbes caminha em outra direção realmente neste ponto, ele escreve até quando se diz que um agente age de acordo com sua vontade é o mesmo que dizer que foi levado a agir de acordo com seus apetites, porque o apetite e a vontade nos homens e nos animais são a mesma coisa - (p.51).
O estado de natureza era um estado de liberdade irrepreensível, onde todos possuem liberdade natural. Segundo Skinner, ele não define liberdade em termos negativos, como ausência de obrigação, em termos estritos, ele nunca chega a definir o que é liberdade natural, quando a descreve, usa termos positivos, como o estado de usar nosso poder e habilidades naturais. Hobbes desafia o pensamento de sua época, ao relacionar a liberdade natural com direito natural:
“nota que a necessidade natural nos compele a querer e desejar o que é bom para nós, e acima de tudo a procurar preservar a nós mesmos. Recentemente, houve uma tentativa de nos dissuadir de que Hobbes não acolhe essa concepção da natureza humana centrada na preservação” (p. 52)
O princípio fundamental de Hobbes não é que os homens procuram sempre se preservar da morte, mas que tem direito a isto. Tudo que não é contra a razão, é jus ou direito. Com esta elocução, Hobbes, no entender de Skinner, torce de tal maneira a doutrina escolástica, que chega a surpreendente conclusão de que a liberdade de usar nossos próprios poderes e habilidades naturais deve, portanto, equivaler ao direito natural e preservar-nos em todas as circunstâncias. Deste modo, podemos julgar por nós mesmos as ações necessárias específicas para preservar-nos da dor e da morte.
Quentin Skinner faz um contraste entre Fernando Vasquez e Hobbes:
“Vasquez começar reafirmando o propósito de Cícero segundo o qual as sementes naturais da virtude estão implantadas dentro de nós e a natureza nos impele a levar a uma vida feliz. Por causa dessas tendências virtuosas, prossegue Vasquez, a era primitiva teria sido de liberdade comum, que somente teria chegado ao fim quando o instinto de dominação do homem tornou necessário, para proteger o fraco, o estabelecimento de regimes principescos. Para Hobbes, ao contrário, é a nossa liberdade natural que constitui o principal e imediato obstáculo à nossa obtenção de qualquer uma das coisas que queremos da vida. Ele não apenas insiste em que nossa liberdade é de pouco uso e benefício para nós, prossegue argumentando, na mais forte oposição possível em relação à ortodoxia prevalecente, que quem quer que deseje viver em um estado tal, como sendo o estado da liberdade e de direitos de todos com todos, se contradiz a si mesmo”. (p.55)
Para Hobbes, a nossa razão nos leva a procurar a paz, dado que nosso principal desejo constitui-se em desfrutar os ornamentos e confortos que por meio dela, a sociedade é capaz de inventar e procura. Contudo, o problema é que se a paz é a nossa necessidade, quando somos confrontados, a guerra parece ser o nosso destino natural.
Há um ataque frontal a posição aristotélica de que o homem é um ser naturalmente social, o paradoxo desesperado no qual se funda a teoria política de Hobbes é que o maior inimigo da natureza humana é a própria natureza humana.
Então, somente quando abrimos mão de nossa liberdade natural é que podemos alcançar paz. Se a liberdade consiste no direito de agir inteiramente de acordo com nossa vontade e poderes, embora, tenhamos este direito, estamos muito longe de ter o poder de exercer a liberdade natural em qualquer grande amplitude.
De todas as convenções que estabelecemos, a mais importante é o que restringe nossa liberdade natural ao sujeitar-nos aos imperativos da lei e do governo. Tornar-se um súdito, como está no cap. 19 do Elementos... , é a pessoa pactuar a própria submissão a um soberano assinalando sua vontade de renunciar a seu direito de resistência.
Hobbes estabelece o corpo político- uma multidão de homens unidos como uma única pessoa, por um poder comum, para sua paz, defesa e benefício comuns.
Quando estabelecemos tal, abrimos mão da liberdade característica do estado de natureza, toda liberdade remanescente refletirá simplesmente o fato de que nenhuma lei foi imposta para limitar seu exercício. Aquilo que gozamos agora é a nada mais do que a liberdade que a lei nos deixa.
Hobbes retira toda qualquer diferenciação que poderia haver entre um estado monárquico ou republicano, nesta questão.
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