É imperdível a reportagem da Revista Piauí sobre o EX-Delegado Protogenes, o auto-denominado peça chave da campanha de Dilma. O repórter Raimundo Rodrigues Pereira debulha todo ar sherlockiano do cowboy brasileiro.
O delegado Protógenes Queiroz comandou, desde o início de 2007, a famosa Operação Satiagraha, que em julho do ano seguinte levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas. Escrevi várias reportagens e artigos a respeito da operação na revista mensal Retrato do Brasil. A opinião que formei sobre a investigação de Protógenes Queiroz é a pior possível. Mas só o conhecia por meio das suas obras: os relatórios e documentos que produziu durante e depois da Satiagraha, tomados como base para o meu trabalho. Quis então vê-lo em ação. Tinha feito duas tentativas de contato, por meio de um conhecido de nós dois, o ex-líder sindical Luiz Antônio de Medeiros. Protógenes não quis me receber.
Na noite de 22 de julho passado, no entanto, ele estava prestes a dar um passo público importante: virar político profissional. Ia inaugurar o escritório central de sua campanha para deputado federal por São Paulo, pelo Partido Comunista do Brasil. O evento tinha para mim outros significados. Embora não seja nem nunca tenha sido do pcdob, tenho inúmeros amigos no partido, e tentei entrar nele em 1991. Desisti dessa pretensão por motivos que não vêm ao caso. Mas respeito o partido.
Fui ao lançamento da candidatura sob o impacto de ter lido, dois dias antes, um documento escrito pelo próprio Protógenes Queiroz. O texto é a defesa que apresentou, no final do ano passado, à 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, no processo em que a Polícia Federal o acusou de violar as suas tarefas funcionais.
A autodefesa de Protógenes é risível. Há partes que são verdadeiros disparates. Ele argumenta, por exemplo, que a denúncia contra ele é inepta porque ignora o custo pessoal que teve na sua investigação contra Daniel Dantas. E diz, a seguir, que esse argumento “não é apelativo, mas está inserido no contexto abstrato, ou aberto ou ainda indeterminado do direito, denominado de justa causa, em que a apreciação correta do léxico impõe análise valorativa, transjurídica dogmática”.
Passagens patéticas desse tipo já estavam presentes em inúmeros relatórios que o delegado escreveu durante a Satiagraha, e com os quais conseguiu autorização judicial para a escuta telefônica e a quebra do sigilo na internet de umas vinte pessoas.
Como se comportaria o delegado no lançamento de sua candidatura? Diria alguma besteirada do mesmo tipo? Era a hipótese que eu tinha. E ela estava errada. Para os fins a que se propõe, o delegado saiu-se muito bem.
Cheguei ao comitê, perto da estação de metrô da Vila Mariana, em São Paulo, às sete da noite. Havia pouca gente e ele ainda não havia chegado. E saí perto das 22 horas, quando, depois de uma sequência de discursos em seu apoio, ele encerrou o evento sob o aplauso de cerca de 300 pessoas.
O primeiro a falar foi José Rainha, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Pontal do Paranapanema. Ele deu o tom dos pronunciamentos. Rainha, que já foi preso algumas vezes, observou o que é tão certo quanto trágico: cadeia no Brasil é lugar para pobre. Baseado nessa constatação, concluiu que era preciso eleger o delegado porque ele mostrou que tudo pode ser diferente: prendeu Daniel Dantas, o rico. “Por isso dou nota 95 para você, Protógenes”, disse. E explicou a seguir que não dava nota 100 porque ainda era preciso que ele prendesse um homem da classe social opressora dos sem-terra, um latifundiário.
Na sequência, falou o combativo vereador Jamil Murad, do pcdob paulistano. Para nova vibração do público, Murad corrigiu o líder dos sem-terra: “Você esqueceu, Rainha, que Daniel Dantas é também um grande latifundiário. Ele tem mais de 500 mil cabeças de gado em suas fazendas no Pará.”
Protógenes atuou como mestre de cerimônias. Citou inúmeras pessoas pelo nome e chamou para o lugar das autoridades todos os muitos candidatos a deputado estadual que o apoiam. A partir das pessoas e cargos que citou nominalmente se pode deduzir que criou vínculos nas mais diversas camadas. Lá estavam católicos, protestantes e muçulmanos; maçons e umbandistas. Artistas de nomeada como Netinho de Paula e Lecy Brandão, bem como sambistas e representantes de grupos culturais da periferia. Havia operários, professores e um empresário de uma importante rede de ensino que, aliás, fez questão de comparecer, embora poucos dias antes tivesse feito uma cirurgia.
Depois das inúmeras apresentações, o delegado falou poucos minutos. Resumidamente, apresentou três livros, dois relacionados com o combate à corrupção e um terceiro, do poeta Eduardo Alves da Costa, intitulado No Caminho, com Maiakóvski. Os livros sobre corrupção serviram de gancho para repetir os bordões que vinha dizendo em palestras desde que foi afastado da Polícia Federal. Do livro que cita o escritor russo, leu um poema que fala de um coração indômito.
Àquela altura, Protógenes tinha estado com vários partidos. Falou primeiro com o Partido Socialismo e Liberdade, formado basicamente por ex-dissidentes do PT. Esteve também com Ricardo Berzoini, o presidente do Partido dos Trabalhadores. Anunciou a Berzoini que queria se filiar a um partido da “base aliada”, ou seja, do grupo de apoio ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quase entrou no Partido Democrático Trabalhista, através do deputado Paulinho, da Força Sindical, uma das centrais de trabalhadores.
Na inauguração do comitê, ele estava há quase um ano no pcdob, do qual se tornara, além de candidato, dirigente regional. E, como se pode concluir de seu desempenho naquela noite, passou por uma espécie de curso de madureza do partido. O pcdob fez com que ele se concentrasse na campanha em São Paulo, a despeito de ser requisitado para palestras em todo o país.
É possível que Protógenes Queiroz tenha uma boa votação. Por um motivo simples: é uma ideia bastante difundida que, para dar certo, o Brasil precisa de grandes homens que combatam os grandes ladrões. O delegado não seria o primeiro a se eleger por esse caminho. Diversos caçadores de corruptos, que depois se provariam mais falsos que uma nota de 3 reais, subiram bastante (continua)
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