domingo, outubro 31, 2010

Mario Vieira de Mello: O Humanista


"A rationale de todas as nossas atividades não é mais a liberdade de só praticarmos o ato que seja condigno com o valor moral de nossa existência, mas a utilidade que esse ato possa oferecer, ao indivíduo e à sociedade" p. 134

"o que foi desrespeitado em todos esses casos não foi apenas o direito à liberdade que estamos agora reivindicando, e que, de qualquer maneira, tinha que ser respeitado; o que foi desrespeitado em todos esses não foi apenas o direito à vida que estamos reivindicando e que, de qualquer modo, tinha que ser respeitado, o que foi desrespeitado foi, principalmente, a imagem do homem que a cultura do Ocidente já havia construído e que nós próprios, que fomos testemunhas daquela tragédia ou dela tivemos notícia, também desrespeitamos" p. 139

 "Um jornalista I.F. Stone com veleidades de scholar denuncia Sócrates como o inimigo da democracia ateniense, o presidente de um congresso de filosofia considera a república a primeira carta do facismo. Tudo isso parece simplesmente um prolongamento da ignorância e da impertinência do jovem estudante norte-americano. Mais tarde, quando ele já é um scholar, continua impertinente porque não deixou de ser ignorante e continua ignorante porque não deixou de ser impertinente p. 161

"porque esse poder, de cuja realidade ele nos quer convencer, nem ao menos tem um suporte- não há um sujeito que o possua e que queira exercê-lo, Foucault abomina o sujeito, que para ele é um resquício do humanismo e da imagem do homem que ele quer abolir. O poder simplesmente é, existe. A sociedade é carcerária não porque alguém a tenha tornado tal, mas porque não há, para ela, outro modo de ser" p. 174

"No caso de Nietzche, a morte de Deus não poderia, igualmente, significar a morte do ideal humanista simplesmente porque o Deus que Nietzche havia cultuado, na sua adolescência e na primeira juventude, havia sido o Deus fideísta, que exige mais uma experiência do coração do que a adoção de uma religião ligada aos ideais da cultura clássica" p. 195

"Um Nietzsche recuperado seria um Nietzsche que não desconheceria o valor permanente da cultura clássica dos gregos, um Nietzsche que não reconheceria a validade ou a legitimidade do papel de Descartes como reformulador das estruturas básicas da disciplina filosófica" p. 203

"Mas o humanismo que queremos defender não é qualquer um, e sim o humanismo que acreditamos ter se originado de circunstâncias muito especiais, e que certamente nunca mais se reproduzirão. Faz parte, portanto, dessa nossa defesa estar atento a que o humanismo que eventualmente venha, um dia, a ser universalmente aceito seja o mesmo, tenha as mesmas características daquele que nos parece o produto de situações tão especiais" p.206

"A essa racionalidade, transformada em ação consciente da cultura visando a reprodução de si mesma, deu-se o nome de educação. É o ponto terminal de uma longa evolução em virtude da qual o elemento racional, que envolvia os aspectos parciais da cultura, delas se desprende para se tornar um agente capaz de reproduzi-los" p. 211

"Os pré-socráticos reduziam as forças da natureza a princípios e estabeleciam entre elas um certo tipo de relação. Havia nisso, indiscutivelmente, uma intuição do que é ciência, mas esses filósofos eram, ao mesmo tempo, teólogos, e isso lhes dava a autoridade dos sábios, capazes de liderar os homens" p.213

"Identificar ciência e racionalidade da cultura é tentar identificar a parte com o todo. A ciência ocidental, apesar do enorme desenvolvimento que teve, apesar da extraordinária tecnologia a que deu origem, continua a ser parte, e somente parte, da cultura ocidental- se um dia ela representar o todo, isso significaria, simplesmente, que a cultura ocidental teria desaparecido"(...) "Tentar definir o que é racionalidade através da experiência de nossa própria cultura seria um petição de princípios: apoiaríamos nossa demonstração justamente sobre a tese que deveríamos demonstrar" p. 219

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