sábado, outubro 23, 2010

Tom G. Palmer: o mundo está fazendo tudo errado

Reproduzo abaixo uma entrevista de Tom G. Palmer dada ao Diário do Comércio, http://www.dcomercio.com.br/especiais/outros/digesto/digesto_14/09.htm

 

As decisões tomadas pelos líderes do G20 no início de abril em Londres serão prejudiciais ao mundo. A crise financeira atual foi resultado de uma combinação de dinheiro muito barato com intervenções muito pesadas do Estado na economia e no mercado financeiro. Agora, estão dizendo que o remédio é mais crédito barato. Os governos de vários países, principalmente dos Estados Unidos, estão fazendo tudo errado e a consequência é o prolongamento da crise financeira global. O grande perigo que o mundo corre é o acirramento do protecionismo, que deverá piorar ainda mais a situação. Estas são as opiniões de Tom G. Palmer, vice-presidente de programas internacionais da Atlas Economic Research Foundation, vice-presidente de programas institucionais do Cato Institute e autor do livro Realizing Freedom: Libertarian Theory, History, and Practice.
Defensor ferrenho da liberdade de mercado e da globalização, Palmer participou como palestrante da 22ª edição do Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, no início de abril, e em passagem por São Paulo concedeu uma entrevista à revista Digesto Econômico.

 

Manifestação contra a crise econômica

Digesto Econômico - Que balanço o senhor faz da reunião do G20 ocorrida no início de abril em Londres?

Tom Palmer - Essa foi uma reunião em que líderes do mundo se encontraram para fazer coisas que eles gostariam de fazer, independentemente do tema do encontro. E grande parte dessas coisas acredito que será muito prejudicial à economia mundial.

DE - O que será prejudicial à economia?

TP - Tivemos uma série de políticas tolas, realizadas sobretudo pelo governo dos Estados Unidos, que realizaram intervenções muito pesadas nos mercados financeiros e que tiveram resultados muito indesejáveis. Por exemplo, as taxas de juros mantidas pelo Banco Central americano (FED) chegaram a ser negativas de junho de 2003 a junho de 2004. E duas instituições estatais, a Fannie Mae e a Freddie Mac, criaram títulos lastreados em hipotecas. Esses títulos envenenaram o sistema financeiro mundial, chamados hoje de títulos tóxicos. A verdadeira raiz da crise financeira é uma combinação de dinheiro muito barato, que foi fornecido pelo FED, e uma intervenção muito pesada do governo americano nos mercados financeiros. Agora, estão dizendo que o remédio é mais do mesmo. Foi uma grande festa econômica patrocinada pelo crédito fácil e agora nos dizem que a solução é mais crédito barato e fácil. É como se estivéssemos ontem à noite bebendo muita caipirinha e hoje não estamos nos sentindo bem, mas o médico diz que o remédio é beber mais caipirinha.

DE - Se não houvesse a ajuda do governo às empresas, o resultado não seria muito pior?

TP - Não. Nós tivemos uma bolha imensa criada em diversas esferas por causa do crédito barato. A melhor solução seria deixar que os títulos encontrassem o seu nível no mercado. A tentativa de injetar dinheiro na economia para manter os preços dos títulos altos simplesmente vai prolongar o problema. Existem duas opções agora: uma crise curta, causada por políticas ruins do governo, ou uma crise longa, provocada pela continuação dessas políticas ruins do governo.

DE - Mas se não houvesse a ajuda do governo, muito mais empresas iriam quebrar, gerando mais desemprego. Isso não seria ruim para a economia?

TP - Muitas dessas empresas vão falir do mesmo jeito. O que se está fazendo é jogar dinheiro em um buraco com esta expansão imensa da oferta de dinheiro. Vamos olhar a história econômica em busca de uma pista de como proceder. Houve uma crise financeira em 1920, que levou a uma depressão. Quantas pessoas conhecem a depressão que aconteceu entre 1920 e 1921? Praticamente ninguém, pois ela durou pouco tempo e quando acabou a economia retomou o seu crescimento. Todo mundo conhece a depressão de 1929, porque ela acabou em 1946/47, depois da 2ª Guerra Mundial. Ela se prolongou muito porque nos anos de 1930 o governo combinou duas políticas: uma foi a de manter os preços artificialmente elevados e outra de protecionismo. Essas duas políticas combinadas derrubaram a economia mundial.

DE - O senhor enxerga o perigo do protecionismo no atual contexto?

TP - Com certeza. O próprio Banco Mundial divulgou que 17 dos países do G20 já deram início a políticas protecionistas. Para entender o significado disso vamos retornar a 1930. Em 17 de junho de 1930, o presidente americano assinou a lei Smooth-Hawley sobre tarifas. A ideia era proteger os empregos dos trabalhadores americanos das importações. A consequência foi a destruição das empresas de exportações dos EUA e criou uma onda de protecionismo no mundo. Em um ano, as exportações americanas caíram 50% e em dois anos, o comércio mundial caiu 70%. Isso foi a verdadeira depressão e uma catástrofe para o mundo, e o meu medo é que isso aconteça novamente.

DE - Todos dizem que o protecionismo seria ruim neste momento, mas até por pressões internas, os países acabam cedendo e adotando medidas de proteção aos seus mercados. Como evitar o protecionismo?

TP - Esta é uma questão muito importante. A principal medida é explicar ao público que desta forma os mercados não estão sendo protegidos. Todos os consumidores e produtores estarão sendo prejudicados. Por exemplo: imagine que o governo americano comece a restringir a importação de aço do Brasil e de outros países. Eles vão dizer que estão protegendo os empregos dos trabalhadores das indústrias siderúrgicas americanas. Já as montadoras americanas precisam de aço barato para produzir carros, assim como a Caterpillar, que produz equipamentos pesados para a indústria, e a John Deere, que produz tratores. Existe um número imenso de empregos que será destruído, caso se proteja os empregos dos trabalhadores das suderurgias. A consequência é que todo mundo ficará mais pobre.

 

DE - Na sua opinião, o governo americano não está conduzindo bem a solução para a crise, por causa da intervenção muito forte. O senhor acha que se o presidente fosse John McCain ou Hilary Clinton, seria diferente?

TP - Acredito que os grupos dominantes possuem um consenso, eles só pensam em termos de ganhos políticos no curto prazo. Os governos de George W. Bush e de Barack Obama têm mantido basicamente as mesmas políticas. Na minha visão, estamos vivendo o governo de "Bubama", Bush e Obama. Bush começou dando esse bailout (ajuda financeira) gigantesco para empresas que estavam indo à falência, como o programa TARP (Programa de Socorro de Ativos Problemáticos, em português). Nós vimos uma explosão do gasto governamental, um fato inédito, sem precedente na histórica americana. Fizemos um cálculo: até a metade de fevereiro, o governo americano já tinha se comprometido com gastos de US$ 11,6 trilhões. E isso vai aumentar ainda mais. Os políticos podem ter muitos poderes, mas eles não têm o poder de suspender algumas regras fundamentais da realidade. Muita gente acredita que Barack Obama pode andar sobre as águas. Ele pode ser um homem excelente, mas ele não pode suspender a Lei da Gravidade ou a lei da oferta e da procura. Essa lei se aplica tanto aos dólares quanto ao abacaxis. Se você produzir muitos dólares, eles vão valer cada vez menos. O meu temor é que passemos a viver num mar de dólares, produzidos pelo FED. Precisamos ter em mente que no encontro do G20 os países se comprometeram com o estímulo à liquidez, que significa imprimir dinheiro. Agindo dessa maneira, eles fazem com que as autoridades americanas cubram os seus erros, fazendo com que todo mundo inflacione o dinheiro ao mesmo tempo. Isso não é bom, nem para os brasileiros, nem para outras pessoas. Os preços imobiliários nos EUA têm de descer e se você imprime muito dinheiro para manter os preços altos, você vai pagar por isso de outra maneira.

DE- Na sua opinião, qual o verdadeiro papel do Estado na economia?

TP - O Estado tem um papel muito importante. Mas esse papel é simplesmente decidir quais são as regras e deixar que os investidores, consumidores, poupadores coordenem eles mesmos as suas ações. O Estado deve garantir, por exemplo, um sistema monetário estável, que não seja manipulado para fins políticos, como nós vimos nos EUA; um judiciário eficiente, que possa julgar as disputas e as questões que envolvam contratos legais; e também o fornecimento de segurança básica. Mas não cabe ao Estado dizer o que as empresas devem produzir, quem eles devem empregar etc. Não é do papel e nem da competência deles. Não quero que o Obama opere o meu coração, se um dia eu precisar de uma cirurgia. Ele é inteligente, mas não é um médico. Também não quero que ele determine como os carros devam ser construídos. Mas nós cruzamos um ponto muito perigoso quando o presidente dos EUA pessoalmente despediu o presidente de uma empresa privada, a General Motors. Isso foi extremamente perigoso. Ele ultrapassou o papel de presidente do país. Infelizmente, todos os políticos têm essa visão grandiosa de si mesmos, isso faz parte do trabalho.

DE - Quanto tempo o senhor acha que esta crise irá durar?

TP - Isso depende das políticas escolhidas pelos governos. Se em primeiro lugar eles evitarem o protecionismo, em segundo lugar, eles pararem de estimular a economia com a impressão de dinheiro, esta crise poderia acabar até o fim do ano. Basta lembrar a depressão de 1920 a 1921. Mas se eles continuarem com os estímulos e adotarem medidas protecionistas, esta crise poderá durar mais de uma década. Um exemplo de país que falhou ao estimular a economia, depois de ter tido uma bolha de títulos, é o Japão. Havia uma bolha imensa no Japão, criada pelo crédito fácil, dado pelo Banco Central. Eles continuaram com taxas de crescimento estagnadas por mais de uma década porque o governo ficava tentando estimular a economia. Quando você recorda essa experiência japonesa, todos os políticos ficam quietos, eles não querem falar nisso, pois está provado que foi um fracasso.

Larry Downing/Reuters

 

Muita gente acredita que Barack Obama pode andar sobre as águas. Ele pode ser um homem excelente, mas ele não pode suspender a Lei da Gravidade ou a lei da oferta e da procura.

DE - O senhor acredita que o mundo sairá diferente desta crise?

TP - Sim, de várias maneiras, algumas saudáveis e outras não. Na maneira saudável, acredito que as pessoas vão saber sobre os riscos da intervenção do governo para atender os próprios interesses políticos. O aspecto negativo, e isso é preocupante, é a chamada coordenação de políticas financeiras em nível internacional. Por exemplo, os políticos vêm tentando acabar com os paraísos fiscais há mais de uma década. Agora é a oportunidade que eles têm. De acordo com o G20, Liechtenstein foi o culpado pela crise financeira mundial. Ninguém sério acredita nisso!

DE - O senhor é a favor ou contra a extinção dos paraísos fiscais?

TP - Sou completamente contra. O que nós estamos criando agora é um cartel mundial de impostos, que dificultará as pessoas de fugirem da mão gananciosa e forte dos políticos. Uma coisa importante a se lembrar de políticos é que eles sempre vão roubar o máximo que puderem. A única coisa que limita isso é a possibilidade que as pessoas têm de escolher onde vão morar, trabalhar e investir os seus dinheiros. É por isso que eu acho que a competição fiscal é muito importante, tanto dentro dos países quanto internacionalmente. Nos EUA, por exemplo, existem 50 jurisdições fiscais diferentes. Elas competem, tentando criar leis que vão atrair os pagadores de impostos. Do mesmo modo, no Brasil existe uma competição entre os Estados para ver quem irá oferecer mais segurança, os impostos mais baixos etc. Os políticos precisam estar submetido à competição como as empresas. Agora, todos os políticos do mundo querem atuar como um cartel e acabar com a competição.

DE - Os paraísos fiscais muitas vezes escondem dinheiro de corrupção e de terrorismo. Como o senhor vê esta questão?

TP - Isso é absolutamente falso, não é verdade. Liechtenstein, na Suíça, e as Ilhas Cayman já deixaram bem claros que se houver indícios de terrorismo ou corrupção, eles vão liberar o acesso a todos os registros financeiros. Isso é uma calúnia motivada politicamente.

DE - Haveria mais alguma coisa que o senhor gostaria de comentar?

TP - Sim, já falamos do protecionismo, mas eu gostaria de salientar que isso seria a pior coisa a ser feita neste momento. A liderança política brasileira mostrou mais sabedoria nesta questão do que um anão econômico como Sarkozy. Nicolas Sarkozy é um pessoa mesquinha, cuja única preocupação é a proteção das indústrias francesas às custas do povo francês e do resto do mundo. Infelizmente, ele é uma pessoa pequena, com mente mesquinha, mas com uma voz muito alta. Devo admitir que o presidente brasileiro mostrou muito mais sabedoria do que o presidente francês na reunião do G20.
Os políticos brasileiros podem fazer a coisa certa no Brasil, independentemente do que é feito em outros países. A melhor resposta ao protecionismo em outros países é o livre comércio no mercado nacional. Se outras economias se tornam mais rígidas e frágeis.a economia brasileira pode se tornar mais flexível e mais capaz de prosperar em meio à tempestade.

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